Por favor, me ame de volta.

Puck Brasil
4 min readNov 6, 2021

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Relacionamentos longos costumam ser complicados, ainda mais quando essa relação é de você com você mesmo. É como se olhar no espelho. Tem dias que você se acha feio, outros bonito mas em todos eles você é quem você é. Ou o que pensa ser.

Nos últimos oito anos, uma grande parte da minha vida foi dedicada ao esporte que eu mais amo. Ou amei. É confuso colocar em palavras. E depois desse tempo todo, perceber que este esporte não me ama tem feito minha vida muito confusa.

Diferente de relações nas quais a separação pode ser bem mais fácil de ser conquistada ou digerida, como você se separa de um amor assim? Como você deixa de lado um amor que te deu tanto na vida?

Ter o Puck Brasil como um espaço democrático para debater e falar sobre hóquei (e outros esportes e outras pautas da sociedade) foi uma das melhores coisas que já fiz na minha vida. Não apenas ganhei uma nova perspectiva mas também pude conhecer pessoas maravilhosas e viver experiências inesquecíveis, mesmo que a maioria desses momentos tenha sido vivido comigo sentado na minha cadeira tramontina.

A crise chega pra todos. O cansaço também. Mas o grande problema foi sentir que o jogo que eu amo deixou de me amar. Pior ainda, ele nunca me amou. E saber disso (ou finalmente me dar conta de que isso sempre aconteceu e eu fingia que não via) me fez pensar.

Para quem não me conhece, eu me chamo Mateus. Sou preto, moro no subúrbio da zona norte do Recife e tenho o Puck Brasil desde 2013. Eu criei o twitter para me ajudar a aguentar minha depressão e procurar uma forma de cura ou pelo menos tornar minha vida mais suportável.

Durante todo esse tempo, pude conhecer grandes pessoas e novos perfis sobre hóquei. Conforme fui crescendo na vida e o Puck foi crescendo em seguidores, pude acompanhar muitas histórias de amor pelo esporte que eu sempre amei.

O problema (será mesmo um problema?) foi ver ao longo dos últimos meses que este esporte não me ama de volta.

Como você leu anteriormente, eu sou preto. Você sabe quantos pretos tem hoje na National Hockey League? Menos de 5%. Você sabe quantos jogadores assumidamente homossexuais temos na NHL hoje? Nenhum.

Você sabia que um time da NHL silenciou duas acusações de abuso e assédio sexual por 11 anos? E que essas acusações, mesmo depois de reveladas, ainda foram tratadas com desprezo e desinformação até que uma investigação externa foi feita e revelou as inúmeras culpas que todos os profissionais responsáveis por proteger alguém tiveram?

Como eu posso amar este jogo?

Créditos: PLU7

Boa pergunta.

Nestes oito anos e pouco, eu já pensei em terminar o Puck Brasil por inúmeros motivos e nunca o fiz. E talvez não o faça. Meu amor pelo esporte e pelas pessoas que conheci é maior do que minhas próprias dores. Todavia, senti que não devia mais silenciar meus incômodos ou tratá-los como se fossem algo secundário.

Não é só sobre Kyle Beach. Ou a falta de pretos. Ou a falta de mulheres e da comunidade LGBTQIA+. Ou sobre como este universo segue sendo exclusivo e preconceituoso.

É sobre tudo isso e muito mais. É sobre como o esporte que eu amo, não me ama. E como ele parece estar bem com isso.

Meu espaço, assim como tantos outros, são lugares de debates inclusivos e que buscam alcançar cada vez mais pessoas. Erramos, passamos da conta em algumas vezes mas nunca deixamos de tentar alcançar nosso objetivo. Fazer com que mais pessoas conheçam o esporte.

Como cristão, eu me sinto culpado por ter esse objetivo. Me sinto como um pastor que tenta atrair ovelhas pra que elas morem numa casa junto com um lobo. Eu tenho medo que as pessoas que eu “atraí” acabem tendo o mesmo dissabor que o meu, mesmo que ele seja passageiro.

Eu me sinto como um marido que não ama mais a mulher mas que dorme com ela e mantém o casamento apenas pelas aparências.

Ainda sinto amor mas até onde esse amor pode ir?

Quantas vezes mais eu vou precisar me machucar com esse esporte até que ele melhore ou que eu canse de vez e desista dele?

Queria saber responder essa pergunta.

Eu amo hóquei, sempre o amarei. É o esporte que salvou minha vida, que me ajudou a ter uma profissão e milhares de amigos que talvez eu nunca conheceria por minhas próprias forças.

Não tenho mais o tempo ou o talento ou a energia para construir conteúdos mas me sinto um veterano de 35 anos procurando a primeira copa, fazendo o que for necessário para ajudar meus companheiros mais jovens e melhores.

Hoje, admito que vivo minhas últimas pernas. Não sei o que será do futuro deste espaço mas sei que darei o máximo de mim até o último segundo que eu possa suportar.

Eu amo o hóquei.

Tudo que eu queria é que ele me amasse de volta.

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Puck Brasil

Falando sobre hóquei no Brasil desde 14/02/2013. Pode entrar, a casa é sua; de Recife para o mundo! NHL in Brazil, you better believe it!