[8] Os problemas filosóficos da criação ex nihilo (1/3): o equívoco de uma causalidade atemporal e inespacial

Redescobrindo Deus
14 min readJan 16, 2022

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Abstract in Motion Painting, Paul Ruskin

Introdução

Criação ex nihilo significa que Deus criou o mundo a partir de literalmente nada. Por via de regra, isso implica que “antes” da criação havia absolutamente nada coeterno a Deus e que Ele criou absolutamente tudo que é diferente dEle, incluindo o espaço e o tempo. No entanto, conforme será demonstrado a seguir, essa crença é acompanhada de um equívoco, uma vez que a criação ex nihilo é vista como uma causalidade que é acompanhada de alguma concepção de mudança, e há certas características que parecem necessárias às mudanças que não podem compor a criação ex nihilo.

Preliminares sobre a criação ex nihilo

Primeiramente, é importante salientar que a criação ex nihilo é compreendida como uma relação causal, na medida que ela é concebida como algo que, ao acontecer, “provoca o surgimento de uma coisa” em um sentido intuitivamente semelhante a como uma pessoa “provoca o surgimento de uma coisa” ao “criar” algo, sendo isso o que as pessoas estão dispostas a chamar de relação causal. Ademais, é importante ressaltar que a criação ex nihilo seria uma relação de causalidade cuja representação no intelecto envolveria mudança. Afinal, concebe-se que haveria inicialmente um estado de coisas que tornaria verdadeira a proposição “existe somente Deus” e, após o evento criador, essa proposição se tornaria falsa e daria lugar a uma nova proposição verdadeira: “existem Deus e o Universo”. Essa modificação de um estado de coisas verdadeiro para outro estado de coisas verdadeiro é o que caracterizaria, no intelecto, uma mudança. E parece impossível que a relação causal da criação ex nihilo possa passar pelo intelecto sem que haja tal concepção de mudança. Contudo, essa concepção de mudança seria sui generis, uma vez que seria diferente concepção de mudança material observada nas relações causais do mundo.

No entanto, apesar de esses dois tipos de mudança serem diferentes entre si, quem acredita na criação ex nihilo necessita se comprometer com a existência de, no mínimo, alguma semelhança entre elas. Afinal, se é possível dizer sem equívocos que Deus causou o surgimento do Universo a partir de literalmente nada e se isso implica o envolvimento, no intelecto, de alguma concepção de mudança, isso quer dizer que, no mínimo, há alguma semelhança entre a concepção de mudança que se refere às relações causais do mundo e a concepção de mudança que se refere à relação causal da criação ex nihilo, de tal modo que é possível falar sem equívocos em “mudança” ao se referir a ambos os tipos de relações causais. Mas isso só é possível se ambas as concepções de mudança compartilharem entre si as características que são necessárias para haver “mudança” e que sem as quais não há o suficiente para haver “mudança”, sejam essas concepções análogas — se as duas concepções compartilham apenas algumas características necessárias que são suficientes para caracterizá-las como mudanças em sentido semelhante — ou unívocas— se as duas concepções compartilham todas as suas características necessárias de tal modo que são mudanças no exato mesmo sentido.

Diante disso, quanto à univocidade, se há razões para crer que há características que são necessárias às mudanças que se referem às relações causais do mundo e que nem todas essas características podem compor a concepção de mudança da relação causal da criação ex nihilo, então, é impossível haver um sentido unívoco de mudança, uma vez que não haveria o compartilhamento de todas as características necessárias entre ambas as concepções e, assim, não seriam “mudanças” no exato mesmo sentido. E, quanto à analogia, se há razões para crer que há características que são necessárias às mudanças que se referem às relações causais do mundo e que, com a concepção de mudança da relação causal da criação ex nihilo, não há compartilhamento suficiente de características necessárias que permitem algo ser caracterizado suficientemente como uma mudança, então, é impossível haver um sentido análogo de mudança e, assim, não seriam “mudanças” sequer em um sentido semelhante. Se qualquer uma das situações for o caso, então, o conceito de criação ex nihilo não faz sentido e ela não poderia ter existido de fato, uma vez que a concepção de mudança que se refere à essa relação causal seria vazia de sentido em razão de não possuir as características necessárias que permitem caracterizar suficientemente algo como “mudança”. Em razão disso, a persistência de seu uso por quem pensa que tal expressão possui sentido consistiria em equívoco. Diante disso, se é impossível que a relação causal da criação ex nihilo possa ser compreendida pelo intelecto sem que haja uma concepção de “mudança” e se tal mudança consiste em um equívoco, então, a relação causal da criação ex nihilo também incorre em um equívoco, uma vez que não haveria aquilo que é necessário para compreender intelectualmente a relação causal ex nihilo.

Sobre a natureza da mudança

A fim de saber o que são exatamente os fatos do mundo compreendidos pelo intelecto como mudanças, é razoável buscar saber quais são exatamente os processos que ontologicamente fundamentam tais fatos do mundo que proporcionam a experiência e, consecutivamente, o registro no intelecto das mudanças como tais. Primeiramente, baseado em Aristóteles, a mudança pode ser razoavelmente compreendida como a passagem da potência ao ato. Isso significa que há mudança quando alguma disposição de alguma coisa é realizada, como a disposição de uma janela de vidro quebrar que é realizada ao ser atingida pela pedra.

Posto isso, para entender a natureza daquilo que está nas relações causais do mundo e é compreendido pelo intelecto como “mudança” é preciso olhá-lo mais de perto. A teoria quântica de campos mostra que as partículas fundamentais que formam todas as coisas materiais são excitações energéticas pontuais de seus respectivos campos e que as forças fundamentais que atuam sobre objetos são decorrentes da troca de partículas virtuais — que também são excitações energéticas de campos — entre as partículas fundamentais, o que provoca atração ou repulsão entre elas¹. Por exemplo, uma pedra e uma janela de vidro são constituídas por partículas fundamentais e, quando uma pedra é jogada e entra em contato com o vidro, há interações entre as partículas fundamentais de ambos os objetos que são mediadas pela troca de partículas virtuais, as quais provocam o movimento de cada partícula fundamental envolvida na relação de tal modo que, macroscopicamente, há um resultado observado, como o vidro quebrado. Desse modo, as mudanças em tais relações consistem fundamentalmente em resultados agregados dos comportamentos das partículas fundamentais constituintes dos objetos que, ao sofrerem atração ou repulsão em decorrência da troca de partículas virtuais, provocam a emergência de mudanças nos objetos envolvidos nas relações causais.

Ademais, como as partículas virtuais são excitações energéticas dos campos quânticos, ao serem trocadas entre partículas fundamentais, há movimentações cujos percursos formam ondas que se propagam nos campos quânticos. Como de acordo com a relatividade especial a velocidade da propagação da informação possui um limite — equivalente à velocidade da luz — , a propagação daquelas ondas possuem uma velocidade limite. Isso permite dizer que, entre o início da relação causal e o seu resultado efetivo, há a propagação de ondas a velocidades finitas entre as partículas fundamentais que constituem os objetos envolvidos na relação. E isso implica que, na relação causal, há uma cadeia de influência gradual, de tal forma que as mudanças correspondentes à resposta do efeito ocorrem gradualmente até o efeito se manifestar completamente. Por exemplo, quando uma pedra que alguém jogou atinge uma janela de vidro, há sucessivas etapas de mudança que ocorrem a uma velocidade finita até a janela quebrar completamente. Primeiro há o contato inicial da pedra e depois gradualmente a influência da pedra vai desorganizando as moléculas que constituem o vidro e o dividindo em várias partes quebradas.

Pode-se dizer que os objetos envolvidos em relações causais, ao sofrerem tais mudanças graduais, registram percursos no espaço-tempo — movimento — no seguinte sentido: as partículas fundamentais constituintes dos objetos, ao interagirem, sofrem atrações ou repulsões em decorrência da troca de partículas virtuais que provocam movimentações das partes dos objetos que registram percursos espaço-tempo. Por exemplo, a pedra que é jogada registra um percurso no espaço-tempo durante todo seu movimento e, quando atinge a janela de vidro, cada parte do vidro quebrado também registra um percurso. Olhando mais de perto, pode-se dizer que, quando essa relação causal ocorre, cada partícula fundamental que constitui a pedra e a janela de vidro registra individualmente um percurso no espaço-tempo que, agregadamente, formam o percurso da pedra e dos pedaços de vidro quebrado. Isso significa que toda mudança sofrida pelos objetos que interagem causalmente é decorrente de partículas fundamentais que, ao interagirem através da mediação de partículas virtuais, registram percursos no espaço-tempo — movimento — que retratam os novos arranjos de matéria que representam as mudanças. Ou seja, em todas as mudanças observadas em relações causais ocorrem sucessões de eventos no espaço-tempo que caracterizam movimentos. Dessa maneira, toda mudança em qualquer relação causal que ocorre no mundo é acompanhada de variações no espaço sofridas pelas partículas fundamentais que constituem os objetos. Ademais, toda mudança de qualquer relação causal que ocorre no mundo também é acompanhada de variações no tempo na medida que o percurso no espaço-tempo — movimento — representa uma sucessão. Isso significa que toda mudança que ocorre em relações causais do mundo é temporal e espacial e parece que, sem elas, as mudanças não são possíveis.

Sobre as características necessárias das mudanças

Posto isso, pode-se agora perguntar: quais são as características necessárias que permitem certas coisas do mundo serem compreendidas pelo intelecto como “mudanças”? Do ponto de vista mais básico, é necessário que, inicialmente, haja alguma coisa para a mudança ser compreendida como tal no intelecto. No entanto, apesar do conceito “haver alguma coisa” ser uma característica necessária da mudança, isso não caracteriza suficientemente mudança. Afinal, somente haver algo não implica mudança. A mudança parece também envolver sempre poderes, o que pode ser outra características necessária. Mas, apesar de necessária, não parece que o conceito “haver poderes”, junto ao conceito “haver alguma coisa”, é suficiente para caracterizar a mudança. Por exemplo, uma coisa pode ter o poder de não mudar, como uma casa que tem o poder de não mudar de posição no planeta Terra. Além disso, o “deixar de ser” e o “passar a ser” também parecem ser características necessárias da mudança. Mas, dado o que foi exposto anteriormente, pode-se dizer que o “deixar de ser” e o “passar a ser” são conceitos que só existem no intelecto devido a, primeiramente, a temporalidade e a espacialidade estarem presentes desde o nível ontológico mais fundamental na realidade e, assim, proporcionarem a emergência de estados que deixam de ser e passam a ser que, posteriormente, são experimentados pelos sentidos e possibilitam o registro dos conceitos de “deixar de ser” e de “passa a ser” no intelecto enquanto representações do mundo. Portanto, tais conceitos são representações de fatos temporais e espaciais e, desse modo, eles próprios, se corretamente compreendidos, são temporais e espaciais no sentido de que tais representações são reproduções mentais de fatos do mundo temporais e espaciais.

Contudo, se os conceitos de “deixar de ser” e “passar a ser” são temporais e espaciais, como eles poderiam ser empregados à mudança da criação ex nihilo, a qual, via de regra, é concebida como uma relação causal atemporal e inespacial? Diante disso, o crente na criação ex nihilo pode querer disputar que o “deixar de ser” e o “passar a ser” são conceitos que, apesar de serem representados temporal e espacialmente, podem se “desprender” da temporalidade e da espacialidade de algum modo e, assim, podem ser empregados à mudança da criação ex nihilo. Posto isso, pode-se dizer que essa proposta envolve um apelo à intuição, uma vez que pretende empregar o “deixar de ser” e o “passar a ser” à mudança da criação ex nihilo em um sentido mais livre e genérico que é assimilado independentemente de qualquer análise detalhada de tais conceitos. Contudo, esse apelo à intuição é problemático em razão de partir do pressuposto de que intuições são confiáveis a priori. Por exemplo, não é intuitivo que certas mudanças dos objetos são decorrentes do rearranjo de partículas invisíveis que trocam outras partículas invisíveis e que é isso o que proporciona o movimento de cada microparte do objeto em um espaço de quatro dimensões — espaço-tempo — e, assim, gera a sua mudança. Do mesmo modo, não há razões para a priori tomar aquele apelo à intuição como confiável. Além disso, pode-se dizer que a passagem do “deixar de ser” para o “passar a ser” implica uma ordem de estados de coisas que são intuitivamente reconhecidas como “antes” e “depois”, o que caracteriza a temporalidade. Se podemos tomar intuições como confiáveis a priori, então, não temos razões para também dispensar a intuição de que a temporalidade se faz presente na passagem do “deixar de ser” para o “passar a ser”, o que é desfavorável para o crente na criação ex nihilo.

Sobre as espécies de mudança

Diante do exposto, parece haver boas razões para crer que o “deixar de ser” e o “passar a ser” são conceitos cujas representações corretas são temporais e espaciais. Mas, ainda podemos nos perguntar: todas as espécies de mudança conhecidas envolvem temporalidade e espacialidade? Para responder essa pergunta, primeiramente, precisamos saber quais são as espécies de mudança conhecidas. Segundo Aristóteles na obra Da geração e da Corrupção, há seis espécies de mudança, as quais podem ser classificadas segundo quatro categorias:

Primeiramente, a geração e a corrupção — segundo a substância — ocorrem no âmbito da essência. Quando uma coisa muda em sua totalidade de tal maneira que nenhuma característica de tal coisa permanece no que até então era seu substrato material, diz-se que houve a corrupção, dando-se lugar à geração de outra coisa essencialmente diferente. Fisicamente, isso é explicado através do rearranjo de partículas fundamentais constituintes que antes se organizavam de uma maneira de tal modo que faziam emergir um certo objeto e que, posteriormente ao rearranjo das mesmas partículas, passaram a se organizar de uma maneira diferente de tal modo que houve a emergência de outro objeto essencialmente diferente. Nesse caso, durante o rearranjo das partículas fundamentais, ela registram individualmente percursos no espaço-tempo — movimento — a fim de se organizarem de maneira diferente e possibilitarem a emergência de um objeto essencialmente diferente. Desse modo, há sucessões de eventos no espaço-tempo — movimento — durante a mudança, o que caracteriza a temporalidade e espacialidade. Diante disso, observa-se que a correta representação do “deixar de ser” e “passar a ser” dessa espécie de mudança deve envolver temporalidade e espacialidade.

Já a alteração — segundo a qualidade — é aquela mudança que ocorre quando um objeto material ganha ou perde características e não há mudança essencial. Nesse caso, o objeto tem apenas algum rearranjo acidental de alguma de suas partes de tal modo que ganha ou perde uma característica, mas continua sendo o mesmo objeto. Nesse caso, o rearranjo ocorre de maneira semelhante à descrição anterior: as partículas fundamentais que constituem uma parte do objeto registram individualmente percursos no espaço-tempo — movimento — a fim de se organizarem de forma diferente e possibilitarem a emergência da perda ou ganho de alguma característica acidental do objeto. A agregação e a desagregação de partículas também podem contribuir para a alteração de um objeto, havendo, nesse caso, o percurso de partículas no espaço-tempo — movimento — para dentro ou para fora do objeto. Diante disso, na alteração ainda há sucessões de eventos no espaço durante a mudança e, assim, tal espécie de mudança também é temporal e espacial. Novamente, observa-se que a correta representação do “deixar de ser” e “passar a ser” dessa espécie de mudança deve envolver temporalidade e espacialidade.

O aumento e a diminuição — segundo a quantidade — ocorrem quando há aumento ou diminuição da magnitude do objeto. Nesse caso, o objeto apresenta, basicamente, incremento ou redução de sua grandeza. Como a matéria e a energia do Universo são sempre conservadas, quando um objeto apresenta aumento de sua magnitude, isso ocorre devido à agregação de novas partículas fundamentais ao objeto que provocam o incremento de sua grandeza. Já a diminuição da magnitude do objeto é decorrente da desagregação de partículas fundamentais do objeto que provoca a diminuição de sua magnitude. Esse aumento e diminuição de magnitude também pode ser explicado em alguns casos em razão de haver compactação ou expansão do objeto devido a uma maior união ou afastamento das partículas fundamentais constituintes, sem haver agregação ou desagregação de partículas. Em todos os casos, o aumento e a diminuição de grandezas de objetos são explicados também através de partículas fundamentais constituintes que registram percursos no espaço-tempo — movimento — a fim de se organizarem de uma certa maneira , seja para se agregarem ou se desagregarem ou seja para se unirem ou se afastarem. Em todos os casos, há sucessões de eventos no espaço, o que, novamente, caracteriza temporalidade e espacialidade. Portanto, mais uma vez, observa-se que a correta representação do “deixar de ser” e “passar a ser” dessa espécie de mudança deve envolver temporalidade e espacialidade.

Por fim, a translação — segundo o lugar — é aquela mudança que ocorre quando o objeto vai de um lugar para o outro ao se movimentar no espaço. Nesse caso, a mudança é basicamente o movimento de todo o conjunto de partículas fundamentais que constituem um objeto de uma parte do espaço para outra parte do espaço. Diante disso, nota-se que o percurso das partículas no espaço-tempo ocorre de maneira mais explícita, não havendo controvérsias de que, nesse caso, há explicitamente uma sucessão de eventos no espaço, o que caracteriza a temporalidade e espacialidade. E, assim, observa-se que a correta representação do “deixar de ser” e “passar a ser” dessa espécie de mudança deve envolver temporalidade e espacialidade.

Diante do exposto, observa-se que, os conceitos “deixar de ser” e “passar a ser”, em qualquer espécie de mudança, são representações de movimentos de partículas fundamentais constituintes no espaço-tempo que propiciam que organização da matéria de diferentes formas se corretamente compreendidos. Esses movimentos na maioria dos casos ocorrem de maneira menos explícita ao senso comum, o que pode levar alguns a acreditarem que tais conceitos podem estar corretamente desacompanhados da atemporalidade e da espacialidade. No entanto, como visto, isso não é possível, e qualquer representação correta de “deixar de ser” e “passar a ser” são temporais e espaciais.

Conclusão: o equívoco da criação ex nihilo

Como já comentando, “existir alguma coisa” e “haver poderes”, apesar de serem características necessárias da mudança, elas não são suficientes para que caracterizar a mudança suficientemente. Mesmo que concedamos que a mudança da criação ex nihilo possa ser composta por essas características, isso não é suficiente para caracterizar mudança suficientemente. Para a mudança ser caracterizada suficientemente, ela precisa possuir necessariamente as noções “deixar de ser” e “passar a ser”. Portanto, sem elas, a mudança não possui o suficiente ser “mudança”. No entanto, o “deixar de ser” e o “passar a ser” não podem caracterizar a mudança da criação ex nihilo, uma vez que esses conceitos dependem da temporalidade e da espacialidade, conforme já explicado. E também como já explicado, tentar tratar o “deixar de ser” e o “passar a ser” como noções que intuitivamente podem ser desprendidas da temporalidade e da espacialidade é tomar intuições como a priori confiáveis. E os problemas em relação a isso já foram comentados.

Como o “deixar de ser” e o “passar a ser” não podem compor a concepção de mudança da relação causal da criação ex nihilo, então, pode-se dizer que a univocidade falha em razão de a mudança da criação ex nihilo não partilhar de todas as características necessárias que fazem aquilo identificado no mundo como mudança ser o que é, o que indica que, no mínimo, não são mudanças no exato mesmo sentido. E, novamente, como o “deixar de ser” e o “passar a ser” não podem compor a mudança da relação causal da criação ex nihilo, pode-se dizer também que a analogia falha em razão de a mudança da criação ex nihilo não partilhar suficientemente das características das mudanças do mundo que fazem algo ser uma mudança, o que indica que sequer são mudanças em sentidos semelhantes. Desse modo, resta apenas o equívoco da mudança da relação causal da criação ex nihilo, a qual não faz sentido em razão de não poder possuir aquilo o que permite que mudanças existam. Portanto, como é impossível que a relação causal da criação ex nihilo possa ser compreendida pelo intelecto sem que haja uma concepção de “mudança” e como tal mudança consiste em um equívoco, então, a relação causal da criação ex nihilo também incorre em um equívoco, uma vez que não há aquilo que é necessário para compreender intelectualmente a relação causal ex nihilo.

Notas

  1. Apesar de ainda não ter havido confirmação experimental, teoricamente isso também é o caso da gravidade.

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