Pequenos diálogos - parte 3

Renata Andrade
3 min readAug 3, 2016

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Tudo mato

EU: moço, tem chicória?

FEIRANTE: claro, minha amiga!

EU: então me vê um molho, por favor.

FEIRANTE: opa, pode pegar, minha amiga!

EU: o que é chicória aqui?

Se o moço resolvesse me sacanear e me desse um molho de capim, eu voltaria pra casa certa de ter comprado chicória.

Coisa da idade

Você sabe que envelheceu quando vai ao ortopedista e…

EU: sinto umas dores chatinhas nos joelhos.

ORTOPEDISTA: você torceu os joelhos assim?

EU: não.

ORTOPEDISTA: dói quando eu aperto assim?

EU: dói.

ORTOPEDISTA: e assim?

EU: também.

ORTOPEDISTA: caiu de moto?

EU: não.

ORTOPEDISTA: sofreu algum outro tipo de acidente ou levou um tombo recentemente?

EU: também não.

ORTOPEDISTA: parece uma lesão no menisco.

EU: é?

ORTOPEDISTA: é degenerativo. É coisa da idade, mesmo.

Banana na comida

EU: não vou jantar hoje, tá, mãe?

MÃE (indignada): por quê?!

EU: porque tem banana nesse prato que você preparou.

MÃE: mas é só você separar os pedacinhos de banana!

EU: mas fica com o gosto, mãe…

MÃE: não fica.

EU: fica.

MÃE: se você separar, não fica.

EU: claro que fica! Eu sei que fica.

MÃE: mas você gosta de banana!

EU: não na comida.

MÃE: ah, que isso, Renata! Vai deixar de comer só por que tem banana? Tá tão gostoso… Você comeu na rua, né?

EU: não, mãe! Eu só não vou comer porque não gosto de banana no prato. Você sabe disso.

MÃE: …

EU: tá bom?

MÃE: …

EU: mãe…

MÃE (com ar de desprezo): aham.

EU: tá tranquilo, mãe. Não tô pedindo pra você preparar outra coisa pra mim, não! Tá tranquilo.

MÃE (com ar de desprezo): aham.

O Diabo veste saia

VÓ: hoje eu vou mandar em todo mundo. O meu cabelo não tá igual ao daquela mulher daquele filme “O Diabo Veste Saia”?

EU: é Prada!

VÓ: ah, tanto faz! Tem tudo nome parecido!

Você não é todo mundo

DANI: hoje tá frio, Milena. Você vai de calça comprida.

MILA: mas eu tô com calor, mãe… Deixa eu ir de bermuda pra escola, mãe, por favor!

DANI: não.

MILA: mas todo mundo vai de bermuda, mãe! Todas as minhas amigas!

DANI: você não é todo mundo.

MILA: mas, mãe…

DANI: tá, pode ir de bermuda. Mas você vai de casaco.

MILA: ah, mãe!

DANI: Milena!

MILA: tá bom.

40 minutos depois, na porta da escola…

DANI: olha lá, Milena, a sua amiga. Tá vendo? Ela tá de calça comprida.

MILA: eu não sou todo mundo, mamãe.

Pão

MÃE: Renata, fui na padaria hoje cedo e um homem veio na minha direção. Fiquei com medo de ele me assaltar.

EU: é mesmo, mãe?

MÃE: é. Até andei mais rápido.

EU: e você tava com alguma coisa de valor?

MÃE: tava com pão.

Santo o quê?

Eu: moço, aqui perto tem algum banco Santander?

Moço: Santo André?

Eu: não, não. Santander!

Moço (pensativo): Santo André…

Eu: tá, é… obrigada.

Palavra do dia

MILA: tia, o que é “sobretudo”?

EU: “sobretudo” é tipo um casaco, só que grandão, que a gente usa quando tá muito frio.

MILA (confusa): ah…

EU: peraí! Leia aí pra mim o trecho em que aparece essa palavra.

MILA: “(…) porque as pessoas grandes, sobretudo as de nariz grande (…)”

Quinto toque

Telefone tocando na madrugada é sinal de que alguém morreu ou foi correndo pro hospital. Atendi e era meu tio. Segue:

TIO: Renata?

EU: tio? O que houve?

TIO: tá todo mundo dormindo aí, minha filha?

EU: sim. Aconteceu alguma coisa, tio?

TIO: só tá você acordada?

EU: só.

TIO: sabe o que é? Eu tô perto daí e queria dar uma passadinha pra deixar, no freezer de vocês, a costelinha de porco do churrasco da mamãe.

Imagina?

PAI: Fátima, hahahaha você consegue hahaha imaginar hahahaha a Renata hahahaha grávida? haahaha

MÃE: hahahahahahahahhahahahaha

Sentir Bem

MÃE: Renata, uma mulher ligou pra você hoje.

EU: que mulher? De onde?

MÃE: eu não entendi o que ela falou. Pedi pra repetir algumas vezes, mas ela ficou irritada e desligou.

EU: não faz ideia de onde ela era?

MÃE: eu entendi “Sentir Bem”.

EU: Sentir Bem? O que é isso? Alguma clínica?

MÃE: sei lá.

Era do Citibank. Rimos umas 3 horas.

Leia também: parte 1, parte 2, parte 4, parte 5 e parte 6.

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Renata Andrade

Autoproclamada fina flor de Oswaldo Cruz, Madureira e adjacências. Autora roteirista da TV Globo e cronista desde sempre.