Um lugar ao sol

Renata Andrade
2 min readMay 19, 2017

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Lemon Opinion

Ser friorenta numa cidade quente como o Rio de Janeiro é a mais terrível das condições. A pessoa sofre de toda sorte de perseguições, vira motivo de chacota e é ridicularizada a todo instante, como se sentir frio fosse uma escolha. Eu vivo esse fardo desde sempre, desde que o mundo é mundo.

Desconheço outra realidade. Hoje, por exemplo, a temperatura caiu um pouco mais. Mais que depressa, peguei meu kit de sobrevivência para dias congelantes com temperaturas acima dos 20ºC. Sob a calça, a meia-calça e a legging. No tronco, uma sobreposição de peças que, unidas, mantêm o meu sistema de aquecimento central funcionando a todo vapor (com trocadilho). Nos pés, botas que me obrigam a desacelerar e me deixam mais alta do que já sou. Estou praticamente uma espécie de RuPaul de baixo orçamento.

Apesar de tudo isso, morro de vergonha de andar agasalhada por aí. Uma vez, na rua, eu arregacei as mangas, num dia quente para os outros e frio para mim, para fingir que tinha saído de casaco de casa e, no meio do caminho, fui pega desprevenida por um sol não anunciado na previsão do tempo. Isso, supostamente, teria me obrigado a ficar o dia inteiro sofrendo de calor por não ter mais nada por baixo, o que me impediria de fazer valer o famigerado efeito cebola. Tudo mentira. Sofri de frio nos antebraços, mas não sofri com o julgamento alheio, que eu juro que fazem quando me veem muito agasalhada.

Numa outra ocasião, eu entrei num ônibus, sentei num cantinho toda encolhida depois de horas de sofrimento numa sala com o ar condicionado em sua máxima potência. Uma pessoa, se não me engano, uma senhora, me alertou antes de o motorista sair do ponto final: “oi! Olha, esse é o lado em que bate o sol”. Envergonhada, eu respondi: “é, eu sei”. Agradeci e ela, lógico, ficou sem entender. Não fazia sentido, realmente.

Meu frio é tanto, que acho até que me transformo num ponto de referência. “Tá vendo aquela doida de casaco ali, à direita? Tem uma farmácia logo atrás”. O frio me desconcentra, me desorienta, me deixa louca. Sou alguém que está sempre e desesperadamente buscando um lugar ao sol… no sentido mais literal da expressão.

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Renata Andrade

Autoproclamada fina flor de Oswaldo Cruz, Madureira e adjacências. Autora roteirista da TV Globo e cronista desde sempre.