Paulista

Bruno Seri
3 min readAug 9, 2015

Acorda.

Toca o despertador.

Mais uma manhã na cidade.

Por entre a fina fresta da cortina, um facho de luz empoeirado atravessa o quarto e atinge certeiro os olhos fechados. Levanta moroso, com todo o peso de uma noite mal dormida. Sustenta-se nos braços, pois o corpo ainda não acordou. Enterra o rosto nas mãos, esfrega a vista. Suspira. -A merda do despertador ainda está ligada-

Calça seus chinelos e arrasta a sola das havaianas até o som amargo do outro lado do quarto, que insiste em penetrar a cabeça, ferindo tímpanos. Cada toque era a marreta na construção, era o martelo pregando as mãos na cruz, era o próprio lúcifer rindo da miséria humana em cada vibrar do celular.

HÁ — HÁ — HÁ — HÁ — HÁ — HÁ

Vê o despertador berrando e desliga-o com um só movimento rude dos dedos na tela; puxa a cortina, para deixar entrar sol. Tirar o “ruim” do ar, como dizia a avó. Os olhos reclamam, mas logo se acostumam com a luminosidade inundando o quarto.

— Mas que bela vista.

Como é de costume em São Paulo, as edificações dominaram o espaço e também a visão do apartamento. Deu às costas a janela e arrastou os grilhões do cansaço em direção ao banheiro. O banho deve ser gelado, dinheiro é curto, mas acorda os músculos. Gira a torneira: duas voltas precisas. As costas enrijecem antecipando o toque da água fria. Sente a primeira, a segunda gota, e o corpo logo responde com um surto de adrenalina. Está quase acordado, só falta agora um café. Seu desjejum: pão com manteiga e café com leite pra empurrar goela abaixo; ás vezes um suco de caixinha esquecido na geladeira.

Veste-se, escova os dentes e parte para a labuta; -Ainda não, o elevador não está no andar.- O mostrador antigo faz um clique a cada número: 9… 8… 7…ahh não, parou. Deve ser a senhora do 703. Com certeza é ela, sempre é ela que segura a porta do elevador. Ainda fica conversando. Como se não desse para ouvir tudo.- rangem grave de cabos de aço o elevador torna a descer: 6… por favor não para de novo…-5 —

Entra no elevador, a porta se fecha e o mostrador começa a rodar novamente, um clique por vez. Fala um oi entalado na garganta para a senhora do 703 e espreme-se no canto. -5-… Silêncio incômodo paira no ar. -4- Desviam-se os olhos. –3- Na direção de qualquer coisa. -2- Que evite o início… -1- …de uma conversa…-T-

Cumprimenta o porteiro da manhã com um aceno desajeitado da mão. Sai trabalhar. Nota o reajuste: Três e oitenta. É sério isso? O cobrador acena que sim sem levantar os olhos da contagem do troco. Condução atrasada e metrô lotado, como sempre. Odisseia diária do trabalhador. Não percebe sua parte na trama, pois o concreto anestesiou a sensibilidade. A multidão levanta-se da espera na estação; espreme-se ao abrir das portas do vagão; conduz-se inabalável pelas as catracas; sobe frenética as escadas;

e finalmente se dispersa, ao ver a luz do sol batendo no asfalto duro do coração pulsante da capital cinza.

Chega, veste o uniforme:
“-PÃO DE AÇÚCAR- O QUE TE FAZ FELIZ?” Hoje, nem sabe mais. O cheiro de pão quente alegra um pouco a manhã. Pensa que um dia pode montar ele próprio uma padoca. Um dia. — Bom dia, o que gostaria? Quantos, cinco? Algo mais?

Volta para casa, refazendo o trajeto que fez nessa manhã e em muitas anteriores. Os olhos cansados, vazios… olhos que, se algum dia tiveram brilho e ambição, foram roubados pela luz elétrica e pálida dos becos dessa cidade. Toma uma ducha, deita novamente em sua cama. Mais um dia chega ao fim.

Acorda

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Aquele abraço!

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