Trânsito

Bruno Seri
2 min readMay 25, 2015

Canta suave e agudo o freio enquanto me aproximo do cruzamento. Farol amarelo, não vai dar tempo.

Vermelho.

No vidro embaçado as gotas pingam da chuva e escorrem preguiçosas até o capô, compondo uma percussão em conjunto do som constante do limpador de pára-brisa. Uma chuva fina que esfria o tempo e deixa o dia perfeito para um cafezinho quente na padaria. Através da garoa e da fumaça dos carros, vejo do outro lado da rua uma caixa de papelão: metade abrigada por um toldo, metade ao relento. Dentro desta caixa um homem de aparência velha e esfarrada observa o movimento da rua com olhar vago e piscadas preguiçosas. A água que pinga em sua testa escorre, sem pressa, pelas rugas do rosto até o queixo barbado. Ainda assim, mantém-se enrolado numa manta, resignado, olhando o movimento da rua.

Olho o movimento da rua, não vejo nada de atrativo. O velho continua em sua posição como se o trânsito fosse a coisa mais impressioante do mundo. Quiçá seja a coisa mais impressionante do mundo. Se pensar bem, os carros são uma revolução se comparados às carroças. Autônomos, sem nenhum cavalo para puxar. Que situação triste a do tal sujeito. Na chuva. Resignado. O que será que aconteceu? drogas? briga de família? nasceu e viveu assim? Triste. Eu no meu banco aquecido e ele na caixa de papelão. Na chuva. Talvez tenha brigado com a família. Saiu da casa ainda jovem, sem nada na mão, fugindo do pai alcoólatra, e agora está aqui, na caixa de papelão. Na chuva. Acho que eu tenho que fazer aguma coisa. Alguém deveria fazer alguma coisa, não pode ficar nessa situação. Sua mãe agora já falecida o esperou durante 23 anos a volta para sua casa. sempre em vão colocava um prato a mais na mesa do café da manhã, com esperança de que um dia voltaria comer a broa de milho que havia pedido no dia anterior. Talvez já tenha se separado do pai há tempos e agora espera a volta del…

Opa, ficou verde.

Obrigado pela leitura! Gostou? Recomende!

--

--