Ciclovia em Wuppertal, tem mais de 40km e passa por 7 túneis, segundo Raquel.

Como amigos brasileiros estão driblando o coronavírus na Alemanha

Para o governo, a pandemia é a pior crise que o País enfrenta depois da Segunda Guerra Mundial

Sílvia Marcuzzo
5 min readMar 20, 2020

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N o meio dessa escuridão, do cenário diante o novo coronavírus, vamos focar a lanterna para o país Europeu que está enfrentando milhares de casos da doença: a Alemanha. Os amigos Raquel Machado, que está lá com a família há 8 anos, morando em Wuppertal, vizinha de Düsseldorf, em Nordrhein-Westphalen, um dos mais infectados da Alemanha e Alexandre Santos, que foi fazer doutorado no Centro para Pesquisa no Sistema da Terra e Sustentabilidade, da Universidade de Hamburgo há sete meses. Também conto com o depoimento do Philipp Stumpe, que é alemão, mas morou muito tempo no Brasil. Ontem, o relato foi de amigos da Italia e da China, confira.

O país de onde vieram boa parte dos imigrantes do Rio Grande do Sul demorou para tomar providências frente ao risco da pandemia. Raquel conta que a rotina foi alterada só nesta semana. Antes estava tudo igual. E muita gente aproveitou a proximidade da primavera para ir pra parques, pegar sol. “Nossa grande diferença para a Itália é que o sistema de saúde é eficiente”, sentencia. “De uns 20 mil infectados, apenas uns 70 morreram até agora”. O governo vai transformar hotéis vazios em quartos de unidade intensiva pra dar conta dos doentes. Há pouco tempo, a chanceler Ângela Merkel declarou que depois da Segunda Guerra Mundial é o maior desafio enfrentado pelo país.

“O que assusta na Alemanha, é que ainda há muita gente que não percebeu a virulência da situação e continua não se protegendo, seja pela falta de higiene individual (lavar as mãos, usar luvas e máscaras, atendendo enfermos ou idosos), seja pela falta de distância física em relação a outras pessoas”, observa Philipp Stump, amigo que morou décadas no Brasil e que voltou poucos anos atrás para Alemanha e hoje faz parte da população de Schwerin.

Meus amigos tem realidades bem distintas. Raquel é casada com o professor de música Leonardo Livi, que está dando aulas de aulas de música online em casa. Ela, o marido e a filha Sofia, de 8 anos, estão em quarentena desde a última quarta-feira, dia 18. “Sofia recebeu tarefas da escola, todos os dias tem que fazer exercícios em folhas de papel de alguma matéria. Ela fica tranquila em casa, mas hoje passou o dia inteiro pulando corda dentro dentro de casa”, conta Raquel. Confira o depoimento de Raquel, que é formada em jornalismo pela PUCRS e hoje estuda Terapia Ocupacional.

Desenho da Sofia, neta do Rogério e da Silvia Livi. (Rogério é de Cachoeira e foi aluno da minha mãe na década de 50).

“Ainda temos permissão para andar na rua, mas espero que a Alemanha logo adote o que chamam de Ausgangsperre, que permite a saída apenas para atividades essenciais como ir ao supermercado ou para alguma necessidade (o que está acontecendo na Itália). Acho que o governo alemão demorou muito a se mexer por medo de impor coisas que remetam aos tempos do nazismo. Pela demora em agir e pelo desprezo de grande parte da população, muita gente ainda segue se aglomerando na rua. Pra família, tem um lado positivo, pois minha filha Sofia está amadurecendo com o desafio. Ela pode assistir um pouco de TV, umas duas horas por dia, boa parte dos alemães nem deixam as crianças assistir. Ela não tem celular, laptop ou tablet, mas pode jogar uma hora por dia de videogame. Mas hoje ela pulou muita corda, montou quebra-cabeças, escreveu umas páginas de um de seus livros e brincou de Lego. Ah, e ela toca piano todos os dias”.

Já Alexandre, que é arquiteto e urbanista está se esforçando para manter uma rotina saudável desde a semana passada tem procurado se cuidar. Ele fez um texto especialmente para o blog.

A estranha normalidade da vida em Hamburgo

Alexandre Santos

Tudo está diferente, mas tudo normal também por aqui no norte da Alemanha. Hoje, Hamburgo tem 586 casos de COVID-19 e uma taxa de infecção de 32 casos/100.000 habitantes, a mais alta da Alemanha. Apesar disso e apesar de ter perdido a chance de comemorar meu aniversário recente (14 de março), a vida segue. Não há mortes, as faltas no supermercado e as restrições ao deslocamento ainda não são totais e ter acesso à informação e a garantia de infraestrutura funcionando torna tudo mais agradável. Essencial nisso é a certeza de ter acesso à saúde quando for preciso — o serviço tem uma qualidade impressionante e não tem custo direto.

Os planos para o futuro foram afetados, o ano está em suspenso. Muitas pessoas estão com medo, mas pessoalmente vi sabedoria na ação firme e sincera da chanceler Ângela Merkel ao avaliar as consequências (70% da população infectada) e lidar com os impactos (tentativa de atrasar a demanda no serviço de saúde) cercada de cientistas.

Paisagem da janela do apartamento do Alexandre em Hamburgo.

O Instituto Robert Koch lidera a resposta e coordena as políticas de saúde e a integração entre os agentes públicos salta aos olhos.

Talvez alguns privilégios dourem minha visão: tenho o carinho e cumplicidade da minha companheira ao meu lado, tenho renda garantida, meu trabalho não depende do escritório e há anos cozinhamos, lavamos e limpamos em nossa casa. Na verdade, gostamos muito de ficar em casa e nossa vida combina muito bem com a Gemütlichkeit alemã.

Pensando sobre o futuro, tenho esperança que essa crise não aumente o conservadorismo, a xenofobia e o apoio aos candidatos a autocratas que rondam a política alemã e europeia. O principal atrito visível é na falta de capacidade de resposta conjunta da União Europeia. Isso, na esteira do Brexit, aponta para um futuro mais fragmentado e isolado. Resta esperar que os pilares dessa democracia europeia continuem firmes: no que a Alemanha e França são centrais. Aguardamos os próximos dias, cada dia de uma vez.

Google chama a atenção da importância do mundo lavar as mãos!

E termino a postagem com uma curiosidade. A animação do Google de hoje, 20 de março, usa a caricatura de um dos pesquisadores mais importantes da história da humanidade: Ignaz Semmelweis, que sofreu retaliações durante a vida e morreu deprimido e abandonado. Ele chamava a atenção dos médicos, devido ao fato de que se eles lavassem as mãos nos hospitais a morte de parturientes seria evitada. Vejam que a animação do Google ensina como devemos lava as mãos, um ato que nos últimos tempos tem sido fundamental no combate ao novo coronavírus. Confira a história dele no EL País de hoje, dia 20 de março (clique).

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Sílvia Marcuzzo

jornalista de formação e consultora socioambiental para realização de um mundo melhor, mais sustentável.