Gerações, trabalho e suas relações

Astrid Trid
11 min readDec 3, 2018

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Por Marina Bergamaschi

Fonte imagem: ABRH

Até pouco tempo atrás uma geração era definida a cada 25 anos, tempo suficiente para se atingir a idade (re)produtiva e se passar o bastão para os recém-nascidos. Atualmente, porém, a intensidade das mudanças parece ter acelerado essa transição. Hoje se considera que uma nova geração se instaura a cada 10 anos apenas. Num mundo marcado pela volatilidade de conhecimentos e valores, a cada década os comportamentos e aspirações mudam tão radicalmente que já não se identificam com o grupo geracional anterior.

É no campo organizacional, das relações econômicas e de trabalho privadas, que mais se fala das diferenças geracionais. No modelo trabalhista atual, em que se tem pelo menos 40 anos de vida produtiva, pessoas de diferentes idades e costumes convivem em um mesmo ambiente de trabalho, trocando experiências e gerenciando conflitos inerentes às mudanças que ocorrem em períodos cada vez menores.

Em uma pesquisa realizada pela TRID, pedimos que pessoas de diferentes idades, classes sociais e realidades trabalhistas escolhessem uma frase que melhor representasse sua visão sobre a vida e o trabalho. Cada alternativa se relacionava com os valores, hábitos e comportamentos de uma geração:

a) Deus ajuda quem cedo madruga (Baby Boomers)

b) Quem planta, colhe (Geração X)

c) Quem sabe faz a hora, não espera acontecer (Geração Y)

d) Meu destino sou eu quem traça (Geração Z)

e) Se não for divertido, não vale a pena (final da Geração Z/próxima tendência)

Eis o resultado, obtido através de mais de 100 respostas:

a) 2,50% (Baby Boomers)

b) 30,25% (Geração X)

c) 27,75% (Geração Y)

d) 27,25% (Geração Z)

e) 12,25% (final da Geração Z/próxima tendência)

À primeira vista, parece apenas um dado demográfico: a população da pesquisa é constituída por uma minoria com 50+ anos; a maior parte é de profissionais que têm entre 30 e 49 anos; e uma parcela significativa de jovens com até 20 e poucos anos.

Nada fora do esperado para o público de uma consultoria que atua com adolescentes, universitários e profissionais em transição de carreira.

Mas uma análise mais aprofundada revela surpresas! Na realidade a população se apresentou como apenas 7% de adolescentes às vésperas do vestibular (final da Geração Z), 16% de universitários e recém-formados (início da Geração Z) e 77% de profissionais com experiência (Gerações Y, X e Baby Boomers), ou seja, tivemos adultos respondendo que se identificam com a visão de mundo típica de adolescentes e o contrário também!

Para entender melhor essa (con)fusão de respostas e o impacto que estas têm sobre ambiente de trabalho e carreira, vamos entender melhor as diferenças entre as Gerações que estão hoje na ativa:

Geração Baby Boomer

Atribui-se à Geração Baby Boomer as pessoas nascidas entre os anos 40 e início dos anos 60. O termo “Baby Boomer” pode ser traduzido como “explosão de bebês”, fenômeno social ocorrido nos Estados Unidos no final da Segunda Guerra, quando os soldados voltaram para suas casas e conceberam filhos em uma mesma época. Hoje, estas pessoas estão com 50 anos ou mais e se caracterizam por gostarem de uma vida estável:

A escolha de um curso ou emprego era para a vida toda e aqueles com mais prática e tempo de serviço eram mais valorizados e reconhecidos pela sua experiência. Os Boomers têm ou tiveram empregos fixos e longevos, estabelecem rotinas com facilidade e valorizam a fidelidade aos empregadores e colegas. Viram o nascimento da tecnologia, mas tinham pouco acesso a ela. Nessa geração a vida profissional e pessoal simplesmente não eram misturadas — o trabalho tinha hora para começar, acabar e nunca era levado para casa. A rotina era intensa e os sacrifícios eram muitos, mas a recompensa era considerada certa — mesmo que demorasse uma eternidade para se alcançar o status desejado, seja profissional ou financeiro, tinha-se a certeza de que “Deus ajuda quem cedo madruga”.

Politica e socialmente, são identificados com a cultura “Hippie”, como precursores da era “paz e amor”, pois tinham aversão aos conflitos armados que marcaram as gerações anteriores.

As pessoas da geração Baby Boomer, se ainda não se aposentaram, em sua maioria ocupam hoje os cargos de diretoria e gerência nas empresas. Por exercerem funções de chefia, e muitas vezes em nível estratégico, chocam-se diretamente com as gerações mais jovens no que diz respeito aos seus ideais, comportamento e valores.

Geração X

Nascida em meados da década de 60 e estendendo-se até o final dos anos 70, essa geração vivenciou os avanços da modernidade e do capitalismo. Enquanto a geração anterior tinha acesso restrito às novidades tecnológicas, a Geração X surge já habituada ao liberalismo econômico e fazendo uso generalizado da tecnologia. Confiantes, extrovertidos e competitivos tem como definição de sucesso “ser rico ainda jovem”.

Também chamados de “Yuppies”, uma derivação da sigla “YUP”, “Young Urban Professional”, ou Jovem Profissional Urbano, boa parte dos Xs são jovens profissionais que entravam no mercado de trabalho nos anos 80 e 90, geralmente de situação financeira intermediária entre a classe média e a classe alta. Os Yuppies em geral possuem formação universitária, trabalham em suas profissões de formação e seguem as últimas tendências da moda, comportamento social e tecnologia.

A Geração X, hoje com cerca de 36 a 49 anos de idade, redefiniu a relação entre trabalho e recompensa: um cargo e salário que antes demorariam anos para serem alcançados, podiam ser conquistados por esforço individual, de forma desvinculada do tempo de serviço. Para se alcançar isso era preciso criar as melhores oportunidades, assim, o expediente foi expandido até o happy hour e ser workaholic se tornou algo admirável. Instaurava-se a meritocracia como valor social, pessoas de todas as classes socioeconômicas espelhavam-se em ícones de crescimento autônomo, que fizeram fortuna a partir do zero, proliferando-se a crença de que todos podiam alcançar seus objetivos, bastava esforçar-se, já que era o indivíduo o responsável por si mesmo, ou, como no dito popular: “Quem planta, colhe”.

Essa mentalidade calcada na individualidade do sujeito, porém, atribui à Geração X certa resistência à mudança no ambiente profissional, um certo desdém em relação a tudo que é diferente: tanto os ideais coletivistas da geração anterior quanto a inovação desenfreada que as novas gerações instauram. Os “Xs” se vêem como autossuficientes e modernos e não entendem porque “mexer em time que está ganhando”. Mas por traz desta aparente arrogância, deixam transparecer a insegurança de perder seus empregos para pessoas mais novas e com mais energia.

Geração Y

Nasce então na década de 80 a Geração Y, ou Millennials (aqueles que entram para a vida produtiva na virada do milênio), que nascem presenciando os maiores avanços na tecnologia e diversas quebras de paradigma no mercado de trabalho. Com interesses múltiplos e atenção difusa, essa geração é capaz de fazer várias coisas ao mesmo tempo e apresenta um desejo constante por novas experiências, o que no trabalho resulta em querer desafios crescentes e uma ascensão rápida, que a promova de cargos em períodos relativamente curtos e de maneira contínua. Mas mais do que o status proveniente de um cargo de chefia, o ideal de realização desta geração é inovar, criar algo que impacte o jeito das pessoas fazerem as coisas, por isso, não raro, eles são ou pensam em ser empreendedores. O lema da canção “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” representa bem esta característica.

Com a velocidade com que estão conectados com o mundo, os Millennials não se estimulam com projetos a longo prazo. São ansiosos e querem tudo pra ontem. Eles se interessam por trocar conhecimento, independentemente de idade ou formação, tratando todos de igual para igual. As formas alternativas de aprendizado também são valorizadas — títulos e diplomas, tão importantes para a Geração X, já não são imprescindíveis para esta turma.

Mobilidade, espaços compartilhados, homeoffices e a possibilidade de criar seu próprio horário fazem com que o trabalho esteja sempre presente, em todos os lugares e a qualquer momento. Millennials também são desapegados e podem trocar de direção com rapidez — o importante é viver melhor o presente sem ter a ilusão de que o futuro pode ser controlado.

De forma geral, os “Ys” acham que é o prazer que determina a realização profissional e o grande truque é saber detectar as oportunidades nas quais é possível combinar paixão e trabalho. Fazer o que ama e ganhar dinheiro com isso é o sonho destes profissionais, hoje com 25 a 35 anos de idade.

Sempre conectados, os Millennials também estão constantemente compartilhando com o mundo aquilo que estão fazendo, o tempo todo e em qualquer lugar — o que lhes garantiu o título de geração egocêntrica.

Quando pensam nos seus objetivos de carreira, os Millennials mostram-se hoje tão interessados em saber como as empresas desenvolvem seus funcionários e contribuem para a sociedade, quanto nos produtos e lucros que apresentam. Essa é uma geração que busca e escolhe uma empresa a partir do propósito que ela difunde. Essa expectativa de plena identificação com os valores de uma companhia recorrentemente é motivo de crise e frustração, que leva hoje boa parte da Geração Y a rever carreiras, mudar constantemente de emprego, tentar empreender e buscar processos de Coaching e outros métodos para lidar com uma insistente sensação de insatisfação e falta de lugar.

Geração Z

Os jovens nascidos a partir de meados dos anos noventa formam a Geração Z, ou Zapping, ou ainda, Nativos Digitais que ainda não estão propriamente inseridos no mercado de trabalho, mas já dão o que falar.

Eles não conheceram o mundo sem internet, não diferenciam a vida online da offline e querem tudo para agora. São críticos, dinâmicos, exigentes, determinados, autodidatas, não gostam das hierarquias nem de horários poucos flexíveis, assumindo um comportamento egocêntrico e quase antissocial.

A vida é para eles uma grande timeline, com informações que mudam constantemente, em uma enxurrada de flashes — como se estivessem zapeando (mudando o canal da tv) sem parar. O que não for online, não for postado, passa como se não tivesse acontecido. O conceito de mundo que possuem não considera fronteiras geográficas, para eles a globalização é a única forma de relação possível. Adaptar é preciso e os Zs levam isso às últimas consequências.

Formada pelos que ainda não saíram da escola e ainda não se decidiram por uma profissão ou estão entrando na vida universitária agora, a Geração Z também se destaca por seu perfil ainda mais imediatista e autorreferente: querem tudo para agora e não têm paciência com os outros, preferindo fazer sozinhos, do seu próprio jeito, do que alinhar-se com alguém com um pensamento diferente ou menos dinâmico. Clamam por liberdade e autonomia, mas não querem responsabilizar-se pelas consequências de suas ações no outro, olhando apenas para si mesmos ao afirmar “Meu destino sou eu quem traça”.

Esse tipo de atitude sugere que tais jovens terão sérios problemas no mercado de trabalho, quando serão exigidas habilidades para se trabalhar em equipe. O trabalho coletivo demanda respeito e tolerância, virtudes em escassez nesses jovens com menos de 25 anos. Enquanto as demais gerações buscam adquirir informação, o desafio para a Geração Z é de outra natureza, já que informação não lhes falta. Em função disso, tendem ser profissionais com abordagem mais generalista e não especialistas como almejavam seus antecessores. O que os Nativos Digitais precisam aprender é separar “o joio do trigo”, o que só se consegue com discernimento e só vem com a maturidade. O problema é: eles têm tempo para isso?!

Os nascidos neste milênio não querem abrir mão do seu tempo livre. Não consideram que trabalhar muito e ficar no escritório depois do fim do expediente seja gratificante. Eles preferem trabalhar de casa e pelo que se prevê, não irão se submeter a condições de trabalho que não os satisfaçam. Eles são questionadores e sabem o que querem, o que pode passar a impressão de petulância. A Geração Z desafia as normas preestabelecidas e possui bons argumentos, o que pode indicar que toda essa assertividade ainda vai levá-los a ser os chefes das gerações anteriores em poucos anos.

Os Nativos Digitais são menos motivados por dinheiro que a Geração Y e têm ainda mais ambições empreendedoras. Ter sua própria startup, ser Blogueiro ou Youtuber são os novos ideais de vida, substituindo o antigo sonho de ser Ator, Músico ou Jogador de futebol das realidades passadas. O trabalho para eles precisa ser uma extensão da casa e “se não for divertido, não vale a pena”, ou seja, a relação com o trabalho precisa ser naturalmente prazerosa. Utopia ou não, certamente esta visão da vida laboral vem mudar de forma definitiva as instituições produtivas e a maneira como projetamos e nos relacionamos com o mundo do trabalho.

Encontro de Gerações

Estes quatro grupos, tão diferentes entre si, convivem hoje nos ambientes familiares, acadêmicos e de trabalho, evidenciando suas dissonâncias e gerando encontros que, na sua maioria, têm uma conotação conflituosa:

Enquanto os Boomers e os Xs preferem tranquilidade, os Ys e os Zs querem movimento; os Ys desejam inovar a qualquer custo, já os Xs valorizam a estabilidade e o equilíbrio; os Boomers não aceitam com naturalidade um comando imposto por pessoas mais novas, já os Zs acham a hierarquia morosa demais.

A Geração Z nunca concebeu o planeta sem computador, chips e telefone celular, por isso, são menos deslumbrados que os da Geração Y com gadgets. O lema “work hard, play hard” usado pelos jovens Ys que se esforçavam muito no trabalho para ganhar bem e ter tudo que desejavam não funciona para os Zs. Os Ys cresceram ouvindo dos Boomers e dos Xs que “primeiro vem a obrigação, depois a diversão” e por isso valorizam o enriquecer e gastam sem limites, enquanto que os Zs prefere economizar.

Essas diferenças se relacionam diretamente com o momento histórico que cada geração vivenciou. As gerações anteriores cresceram nos prósperos anos pós-guerra, em um momento de economia forte e a atual cresceu com o fantasma do terrorismo, alta complexidade das relações políticas e econômicas e grande volatilidade financeira e cultural.

A chegada de uma nova geração ao mercado de trabalho causa certos impactos por conta das características peculiares desses jovens e vai sempre exigir que as instituições se adaptem e apliquem novas práticas para atrair e reter esses profissionais.

Gestores das gerações Baby Boomer ou X têm dificuldade para contratar e desenvolver funcionários das gerações Y e Z, mas educam seus filhos sob os valores vigentes nessa era digital, global e líquida. Chamam os estagiários de inquietos, ansiosos e impacientes, mas incentivam seus rebentos a fazerem mil atividades ao mesmo tempo, a questionar antes de aceitar, a não depender dos outros…

Ao entender as diferenças e semelhanças entre as gerações, entendemos que estas se sobrepõem umas sobre as outras e compreendemos porque é concebível agirmos baseados em preceitos opostos de acordo com as situações que vivemos. Por isso nossas escolhas são discrepantes em casa e no trabalho. Por isso nos identificamos hora com um, hora com outro grupo de pessoas, hora com uma, hora com outra geração.

A classificação por gerações é uma compilação generalizada de comportamentos, atitudes, valores e concepções e não dá conta da singularidade estrutural de cada um de nós. Quantas ge(ne)ra(liza)ções estão contidas nas definições das gerações X, Y, Z?!

Entender a complexidade das nossas identidades profissionais pode nos ajudar a olhar com mais empatia para as escolhas e atitudes dos outros, favorecendo as trocas e conciliações nos momentos de encontros e conflitos entre as diferentes gerações.

Marina Botteon Bergamaschi fez Psicologia, Licenciatura e Especialização em Orientação Profissional e de Carreira, todos na USP e atualmente faz Mestrado em Psicologia Social na mesma instituição. Atuou em consultório particular, escola, hospitais, consultorias e empresas nacionais e multinacionais. A vivência clínica em terapia Junguiana e Coaching e a experiência organizacional em Recursos Humanos, proporcionaram um olhar humanista que se uniu à paixão por escrever para criar este e outros textos. É sócia-fundadora da TRID — Trabalho e Identidade, empresa especializada em Orientação Profissional e de Carreira.

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