Será um absurdo fazer a escolha profissional tão jovem?

Astrid Trid
5 min readNov 13, 2018

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Por Camila M Fabre

Imagem: getninjas

Comumente, nos deparamos com jovens, pais e professores indignados com a absurda tarefa de ter que escolher uma profissão tão precocemente (aos 17, 18 anos). Muitos dizem: “como escolher o que fazer para a vida toda, tão jovem?”. Alguns escolhem sem grande dificuldade, outros buscam ajuda, seja ela profissional ou familiar. Há aqueles que dizem preferir esperar a tal maturidade chegar e optam por viajar (quando sua condição social permite, claro!) ou entrar diretamente no mercado de trabalho (quando sua condição social exige, na maioria dos casos). Mas, será mesmo um absurdo fazer a escolha profissional aos 17 anos?

Em primeiro lugar, fazer uma escolha profissional tão jovem, dentro de um modelo educacional que não ensina a fazer escolhas, é um problemão mesmo. Com os nossos pais, tios e avós aprendemos desde cedo que criança boa é criança obediente: bem-comportada, não questiona, não faz birra e diz sim para tudo que adulto pede. Para eles, criança não tem que querer e nem escolher até porque não sabem o que é melhor para elas. Na escola, o mesmo é feito e ainda nos enfiam um monte de conhecimento goela abaixo, na maioria das vezes, sem a preocupação de que ele nos faça sentido. Quando alguém ousa questionar: “para que serve logaritmo? ”, logo ouve, “aprenda, cai no vestibular”. Criança que questiona ordens é birrenta, mal-educada ou rebelde.

Antes que me pergunte, eu digo: sim, crianças precisam de limites, de cuidados e muitas vezes ainda não são capazes de refletir sobre o que é melhor para elas. Porém, tal habilidade não nasce de uma hora para outra, é construída e precisa ser desenvolvida desde cedo. A preocupação que muitos adultos têm em manter a ordem e em protegê-las das frustrações e das dores, parece ser a decisão correta para um bom educador, mas nem sempre é. Por mais que este seja um caminho de aparente harmonia, de menos trabalho e de mais controle, ele não ensina as crianças a desenvolverem a sua capacidade de autoproteção, de reflexão e de escolha. Assim, elas não aprendem a assumir e se responsabilizar pelo que lhes faz bem, mal, feliz ou triste, já que tal atitude, muitas vezes, implica em romper com a ordem.

Esta lógica se manifesta em diferentes esferas e relações. Se refletirmos sobre a escolha de um futuro, o modelo de sucesso também nos é dado pronto: faça um curso universitário em uma boa faculdade, fale três línguas, viaje para fora do país, trabalhe em uma grande empresa, conquiste um alto cargo, tenha um bom salário e construa uma família. Jovens que rompem com esse modelo, que porventura decidem não fazer um curso universitário ou escolher algo diferente do que se diz tradicional, costumam deixar a família de cabelo em pé e ser alvo de inúmeras críticas por parte de todos: “você é imaturo”, “não pensa no bem do seu futuro”, “será pobre”, “será infeliz”. O que nos resta escolher então? No máximo, a estratégia para conseguir alcançar tal modelo.

Outro aspecto importante a ser considerado nesta reflexão é: uma escolha para a vi-da to-da. Só de pensar em ter que fazer uma escolha dessas, meu coração já acelera e um grande nó se instala no meio da minha garganta. Como pesa o “para a vida toda”, não é? E como ele é enfatizado quando o assunto é escolha profissional. Nele reside uma boa dose de crueldade desta tarefa porque, no fundo, ele soa até ameaçador para esses jovens que não levam a vida a sério, não se preocupam com seu futuro, são irresponsáveis e imaturos. Para alguns adultos esta é a forma de levar seus filhos ou alunos ao comprometimento com a escolha, já que não confiam no interesse genuíno deles pelo próprio futuro.

Sei que nem toda pressão exercida pelos adultos tem a intenção de ameaçar, mas ela costuma amedrontar porque também é carregada de frustrações e crenças que eles próprios têm com relação às suas carreiras. Muitos adultos realmente enxergam a escolha do curso universitário como a entrada em um caminho único, sem volta e justificam a insatisfação que sentem como fruto de uma escolha de um curso universitário errado.

Nossas escolhas vão, de fato, nos abrindo e fechando caminhos ou, pelo menos, nos aproximando de alguns e nos distanciando de outros, por isso, a importância da reflexão e planejamento constantes do projeto profissional pessoal (propósito da orientação profissional da TRID). O ponto é que para a vida toda é angustiante a qualquer um, seja adolescente ou adulto, diante da escolha profissional ou de um casamento ou da decisão de ter filhos. Talvez, seja necessário perceber que o para a vida toda raramente existe de fato, que sempre há algo (não tudo) a se fazer diante de arrependimentos, embora sempre haja um preço, uma vez que somos responsáveis por nossas escolhas e por suas consequências.

Também é importante considerar que as profissões são cada vez mais híbridas, ou seja, se cruzam. Uma mesma função ou trabalho pode ser desempenhado por profissionais que têm formações diferentes. Conheço três pessoas que atuam na área de marketing: uma formada em administração, outra em relações internacionais e outra em engenharia. Lógico, as escolhas que fizeram com relação a estágios, empregos e especializações foram construindo suas trajetórias profissionais, mas este é um exemplo claro que desconstrói a ideia do para a vida toda no momento da escolha do curso de graduação. Ao contrário, escolhemos e construímos por toda vida.

Por tudo isso, se há a necessidade de desfazer algum absurdo de ter que escolher tão jovem, precisamos, antes de tudo, rever a educação praticada por família e escola, de forma que ambas possam contribuir, efetivamente, com o desenvolvimento da autonomia e da atitude de escolher nas crianças e jovens. Também é relevante que o tema trabalho e profissões faça parte de atividades, discussões e que estas possibilitem a familiarização com o assunto ao longo da vida e não, somente, às vésperas da inscrição do vestibular.

Camila M Fabre é psicóloga formada pela UNESP, com Aperfeiçoamento em Orientação Profissional e de Carreira pela USP e especialização em Psicologia Transpessoal pela ALUBRAT. Iniciou sua carreira na área de Recursos Humanos. Hoje atua como psicoterapeuta e orientadora profissional e de carreira sendo também sócia-fundadora da TRID — Trabalho e Identidade. Desenvolve um trabalho sensível, aliando técnicas corporais, artísticas e lúdicas, sempre considerando o desenvolvimento integral do ser humano.

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