A futebolização de tudo

Tiago Dias
5 min readFeb 16, 2024

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EDIT dias depois da publicação do que está em baixo: Não contava, mas não me posso considerar surpreendido, ver câmaras a seguir viaturas de candidatos a caminho de um “debate”, contagens decrescentes ou comentários sobre o que é que vai ser possível ver. Não contava, sei lá, porque não pensava muito nisso, mas era inevitável. E só tem como piorar.

As duas equipas entram em campo, com as claques aos gritos nas bancadas. Tiveram tempo para aquecer e agora chegou o momento do embate. O árbitro dá início ao jogo, a equipa vermelha avança e marca um primeiro ponto, mas a azul não dá tréguas e responde de imediato. O jogo termina ao fim de umas dezenas de minutos. Agora vamos analisar o que aconteceu, sem limite de tempo. Entretanto, nas redes sociais, os dois lados partilham excertos que mais lhes convêm — reais ou adulterados -, que mostram aquele momento crítico em que a sua equipa conquistou a batalha.

Há muito tempo que a discussão partidária em Portugal se cruzava com a discussão futebolística, mais em forma do que em conteúdo, mas os debates pré-eleitorais deste ano consolidaram o formato. O jogo em si é curto, esclarece pouco e o que mais importa é abanar as chamas do fogo da controvérsia para ver se arde mais um pouco e até onde se pode espremer a indignação do dia. Porque amanhã já há nova.

Vários fatores nos trouxeram até aqui, com dois em destaque: as mais de duas décadas de televisões dedicadas a informação/opinião em Portugal, com a sua emissão 24 horas por dia e a consequente necessidade de encher essas horas. Na ausência de informação para tal, a opinião toma conta do resto; a implantação profunda das dinâmicas das redes sociais e da análise da sua repercussão como métrica de sucesso ou insucesso.

Tudo o resto advém daqui, acompanhado inescapavelmente pela precariedade dos jornalistas e da já antiga crise do meio.

O jornalismo que passa por político em Portugal é mais jornalismo sobre partidos — e quem os compõem — do que sobre política. No entanto, como são os partidos que governam e legislam, há uma cobertura das acusações e contra-acusações, de nuances e pequenas diferenças estilísticas que não abordam os assuntos que mais importam à população. O que dá origem a horas e horas sem fim de ar cheio de nada que importe.

Podemos comparar os dados do mais recente Eurobarómetro (outono de 2023), por exemplo, com a maioria dos debates rumo às legislativas deste ano, como sugeriu o cientista político Pedro Magalhães.

É certo que são temas menos cativantes do que qualquer bronca diária (ou serão mesmo?), mas compete a quem os trata torná-los inteligíveis, caso contrário estaremos — e estamos — a demitir-nos do nosso papel.

A perceção com que se fica gira muito em torno do “Fulano disse que você era uma besta, como responde? Depois de responder tenho de dar a vez ao seu adversário para contrapor” ad infinitum, em regra no masculino. Queremos saber se o partido X se vai coligar com o partido Y, mas não temos claro o que quer um quer outro propõem. Mesmo que o mencionemos de passagem não nos retemos muito tempo por lá.

O fenómeno não é novo nem particular a Portugal, onde tudo chega com atraso.

Texto de 1994 num jornal do Nebraska, EUA

Estamos é a senti-lo agora com particular intensidade.

Temos notas dadas por “comentadores”, muitos dos quais jornalistas com carteira profissional que não sei ao certo como definem a sua profissão. (O que sei é como o Estatuto do Jornalista o define: São considerados jornalistas aqueles que, como ocupação principal, permanente e remunerada, exercem com capacidade editorial funções de pesquisa, recolha, seleção e tratamento de factos, notícias ou opiniões, através de texto, imagem ou som, destinados a divulgação, com fins informativos, pela imprensa, por agência noticiosa, pela rádio, pela televisão ou por qualquer outro meio eletrónico de difusão.)

Se o meu único veículo de trabalho é a opinião, continuo a ser jornalista? Tenho direito a tê-la, como é evidente, e a partilhá-la. Mas continuo a ser jornalista se não abordo outro género? Alguém melhor do que eu o dirá.

Temos comentário infindável sobre se o lance A ou B foi ou não falta, foi ou não fora de jogo. Até já temos mercado de transferências entre partidos, que elevam ao estatuto de nome conhecido personalidades anónimas das terceiras e quartas linhas de partidos políticos e que alimentam dias (não horas, dias!) de pretensa análise. Entretanto, notícias sobre o currículo de figura menos aconselhável que consta das listas daqui ou de acolá permanecem ausentes do panorama nacional.

Nada disto é novo. Tudo isto é problemático.

A futebolização do debate político fez-se de uma maneira tão natural como a passagem de figuras de um lado — o desporto — para o outro — a política partidária. O que significa que se entranhou no assunto sério o outro, que era o ligeiro, fazendo com que o tratamento dado a um se assemelhasse ao outro. Flash interviews, o ruído em torno do que realmente importa, o aumento do conflito.

Em suma, quem sai beneficiado é quem joga por estas regras, do falar mais alto, mais indignado, menos informativo.

When everything becomes a story, the value of concrete truth seems diminished. There’s too much going on in the world to dive this deep into something as frivolous as entertainment, you might say. Worse still, you can begin to treat politics — the hammer and forge of our national reality — as a similar form of “show.” Sure, seeking out entertainment is a perfectly human impulse; it feels joyless to sharpen yourself into a hypervigilant instrument, ever ready to poke a hole in these swelling mythologies; we all know those people, who are no fun. But when we feel ourselves becoming too consumed with mastering the language of whatever unreality is currently holding our gaze, it might not hurt to consider the overarching forces subtly directing our attention and prepare ourselves to step back if we’re not comfortable with benefiting less than they do.

Sabemos bem o quanto isto entronca na crise do jornalismo. Se por um lado queremos tornar tudo mais apetitoso e trazer até nós o “consumidor” (porque estamos a produzir conteúdos que se consomem e não necessariamente informação), pensamos que podemos descartar aquilo que nos torna credíveis e sérios. Ao mesmo tempo que perdemos o respeito dos públicos, perdemos esses mesmos públicos. E assim por diante.

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Tiago Dias
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Written by Tiago Dias

Reporter @ Portuguese News Agency. SOAS graduate in International Politics. Contact: tdias at lusa.pt

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