Brandon.
4 min readApr 29, 2018

O dia em que tentei me matar

Logo que acordei, naquela sexta-feira, fui ao banheiro e, ao parar em frente ao espelho, me achei muito bonito. "Hey, um dia que começa assim tem tudo para ser ótimo", pensei. Saí e fui para a cozinha preparar um queijo quente com suco de morango, pois, dali a pouco, eu tinha que sair para entregar um frila que passei a madrugada fazendo. Calor insuportável e tomei um banho gelado enquanto, animadamente, dançava ao som do álbum "Music for Pleasure", do Damned. Ótimo dia.

Saí, escolhi a melhor rouba, bota, acessórios e anéis. "Porra! Eu realmente estou bonito hoje". Confiança lá no alto e pronto para sair na rua de cabeça erguida. Entrei no ônibus sorrindo para motorista e cobradora. Lá ia eu, numa boa, para ganhar uma grana e saber se estava tudo certo com o trabalho. Nada poderia me atingir. Cheguei no local e as coisas não poderiam ter sido melhor. Trabalho elogiadidsimo. Feliz, fui almoçar no shopping. QUE DIA DO CARALHO.

Depois de almoçar, saí para pegar o ônibus e me deu uma incontrolável vontade de fumar um cigarro. Estranho. Não fumei. Em pé na parada, com algumas moedas na mão, recebi no rosto a agradável brisa que deixava o calor mais leve. Barulho de carro, pessoas berrando, correria e risadas adolescentes. Entristeci.

- Isso aqui não faz o menor sentido.

Entrei no ônibus e era como se eu estivesse em outra dimensão, pois era como se estivesse desgrudado da realidade. Raiva? Não. Ódio? Também não. Nem tristeza era. Era, de verdade, uma certeza: acabou. Assim. Certeiro. O que eu estava fazendo no mundo? Cheguei em casa e me olhei no espelho. De mim, da casa, da vida e do mundo... Enojei. Desprezei aquela figura que me olhava.

Fui até a cozinha e passei por aquele copo com resto de açúcar vermelho. Eu não lavei? Fui direto na gaveta e peguei uma faca. Encostei no pulso e falei:

- Seria muito mais fácil se eu tivesse coragem de me rasgar agora - e, como consequência, sangrar até morrer sentado nessa cadeira.

Não tive. A sensação de incômodo - e não pertencimento -, no entanto, continuou. Ainda pensei que talvez um banho melhorasse as coisas. Foi o que fiz. Um bom banho morno. Terminei, saí, coloquei uma roupa e me achei horrível. Queria tirar meu corpo como se fosse uma camiseta e sumir. Eu realmente não aguentava mais. Não queria deixar bilhetes... Só queria acabar com aquilo.

Precisava beber. Voltei para a cozinha e peguei uma cerveja. Agora, já no quarto, bebericando como se fosse água, olhei para os meus remédios e sorri: É ISSO! Então, sem muito pensar, passei a engoli-los como se fossem balas. Foram muitos que, misturados ao álcool, dariam conta do recado. Eu estava pouco me fodendo se ia sofrer ou não. Passou algum tempo e efeito algum aconteceu. Deitei e, por coincidência, passava um dos meus filmes favoritos na TV: The Breakfest Club, deitei para assistir e pensei:

"Que bela maneira de morrer"

Dormi.

Algumas horas depois, no meio da madrugada, acordei. O quarto rodando, a língua enrolada, o estômago queimando e a sensação doida de que estava indo, mas algo me segurava. Então, como quando o Tenente Dan, em Forrest Gump, briga com Deus em uma tempestade em alto mar, comecei a murmurar contra o universo que eu não tinha medo e que foda-se toda essa merda. Não aguentava mais a solidão, as dores, minha cabeça e a sensação de que eu sumisse... Não faria a menor falta para quem amo. Comecei a alucinar com Gene Wilder vestido de Willy Wonka me dando tchau. Apaguei. Acordei horas depois, encharcado de suor e todo dolorido. Vivo. Meu plano tinha dado errado.

Dra. Célia, minha psiquiatra, disse que eu tive sorte e que meu organismo me segurou. Foi horrível? Não. Foi assustador? Olha, já tive muitos momentos assustadores em crises de ansiedade e pânico, mas, aquele ali, não. Serviu, contudo, para eu perceber que, hoje, apesar de todos os tratamentos, me tornei um suicida em potencial.

Suicídio não é brincadeira. Imagina o quão desesperador é para uma pessoa ter como única saída tentar tirar a própria vida? Muito menos é fraqueza. Eu sei que muito poucas pessoas são simpáticas quanto a isso, mas é fundamental falar sobre o assunto. A campanha diz que "a melhor opção sempre é viver". Lindo. Mas, então, na prática, ajude, com carinho, paciência e atenção, o suicida que você ama a entender isso. Por favor. Nós só queremos ser escutados.


[OBS: A foto da Rebecca Hall e de um filme chamado "Christine", que conta a história real da jornalista Christine Chubbuck que, aos 29 anos, se suicidou ao vivo na TV. Indico que assistam. Retrata muito bem a angústia de viver com depressão e transtornos]