Hipsterização ou Amadurecimento? O que é o Pós Black Metal

Rodrigo Luz
10 min readAug 2, 2016

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Ah, o infame, o blasfêmico, o polêmico e mesmo assim, sempre em pauta: black metal. Desde sua segunda onda dominada pela cena escandinava e nórdica na década de 90, a cena metal nunca foi mais a mesma. Seja pelas ideologias ou histórias de suas bandas ou pela sonoridade, o estilo acabou criando seguidores e um status kvlt por um bom tempo.

Mas nos últimos anos (principalmente nessa última década em específico), o black metal está se tornando uma ramificação reconhecido naquilo que podemos chamar de “cultura pop”. Desde menções em clipes de cantores e músicos mais mainstream, estilistas fazendo desfiles usando a estética do gênero, além dos gifs de Varg Vikernes sorrindo em seu julgamento ser um dos conteúdos mais compartilhados e memetizados do tumblr, junto com pornografia BDSM caseira juvenil, gifs de how i met your mother, TEXTÃO ™ , starbucks e Banksy.

Liturgy

E nessa onda de popularidade, surgiu uma safra de bandas um pouco mais suaves em sua sonoridade, porém apresentam elementos do estilo e os estão trazendo para domínios não muito aceitos. Como o Deafheaven, o novo saco de pancadas predileto da cena metal de fóruns online e redes sociais. Além de bandas como Liturgy com seu black metal/prog/avant garde, que apesar da sonoridade curiosa e manifestos bizarros de seu frotman, tem sido zoado mais pela sua estética nada kvlt.

Ok, as guitarras parecem cavaquinhos distorcidos, mas tem seu charme

Porém não estamos aqui para falar da popularização, mas sim de outra coisa, aquilo que eu gosto de chamar de “postização”. Sabe quando um gênero deu sua guinada para um sucesso comercial e tem sua repaginação para as massas? Sempre tem aquela safra de músicos do rolê que continuam fazendo essa música na sua raiz ou tentam redefinir as possibilidades mesclando outros elementos musicais, a postização se refere ao segundo caminho.

Os considero mais post do que black metal, mas essa discussão toda não começaria se fosse por esses caras

Então, para explicarmos isso, vamos falar um pouco do punk rock e estabelecer umas comparações. Da mesma forma que o punk rock era uma reação ao rock flower power, disco music e toda aquela mistura de virtuosidade e conformismo na música da época. O Black metal fazia essa mesma resposta nos anos 90, reagindo contra o death/thrash super produzido e técnico morrisoundiano que rolava naquela época, a pasteurização e surgimento em massa de bandas tocando com essa mesma estrutura previsível. Sem falar que ambos black metaleiros e punks desafiavam os conceitos musicais da época, enquanto uns tocavam acordes outros queriam quebrar essa estrutura da música “verso-refrão-verso-refrão-ponte/solo”, investindo num som mais atmosférico e dissonante.

Sigue Sigue Sputnik: punk no visual, mas extremamente pop na música.

Criando esses paralelos em tempos diferentes, vamos falar da pasteurização. Enquanto no fim dos anos 70 o punk começou a ter essa grande visibilidade da mídia e começou a ser domado de formas como o new wave. Tivemos B 52’s, Sigue Sigue Sputnik, Blondie, Devo e segue a lista. Transformando a sonoridade simples e primitiva do estilo, jogando mais cores, teclados e um apelo pop no meio desses power chords e rebeldia sonora. Nisso a tal nova onda tomava as paradas, enquanto Ramones deixava o seu “punk” mais direcionado pra jovens de família, The Clash se aventurava pelo ska e Dead Boys e Sex Pistols presenciavam os passos de suas mortes e separações precoces. Claro, tivemos a segunda onda com The Germs, X, DOA, entre outros, mas o impacto não foi o mesmo e tudo acabou se reciclando no mesmo público.

Porém, no meio disso tudo, existia músicos e pessoas influenciadas pela atitude DIY e praticidade do punk rock, mas também ouviam outros gêneros e estilos, interessados em amadurecer e criar uma sonoridade mais única. Seja o Joy Division, Wire, Siouxsie and The Banshees, Pere Ubu, Mission Of Burma, Fellini, Talking Heads ou Gang Of Four, cada uma pinçava seus detalhes do punk rock e disso criavam essa tela que podia pintar tanto quadros destrutivos, como visões alegres ou pensamentos monocromáticos e melancólicos. Assim dando uma abertura a todo cenário da música alternativa, desde o noise rock e indie até o darkwave. Aquilo que a mídia especializada deu o nome de post punk.

Mas ok, qual o paralelo disso com o Black Metal? Então, no crescimento da segunda onda, onde bandas como Mayhem, Burzum e afins criaram seu nome e depois sumiram ou foram afogados por suas polêmicas, a mídia mainstream investia absurdamente no imaginário blasfêmico do gênero. A criação e comercialização de bandas como Cradle Of Filth, Dimmu Borgir, Satyricon, Kovenant e outros fizeram da blasfêmia do black metal um som mais pomposo, acessível e que fosse arrebanhar os novos jovens que queriam rebeldia, transgressão e horror na sua música. Porém era uma rebeldia mais estética e superficial. Vide o discurso desse show:

Vide esse discurso sacana que parece ter visto de uma banda cover de Motley Crüe

No meio dessa apelação “rock de arena”, outras bandas e cenas se expandiam, como a Finlândia e Suécia com seus sons típicos (Horna, Behexen, Marduk, Watain, Dissection, etc), a França apresentava a cena isolada dos Les Legions Noires, além do Deathspell Omega com seu som dissonante, o Blut Aus Nord com toda sua atmosfera e ambiências diferenciadas, exploravam cada vez mais esse direcionamento.

Bandas mais consagradas como Ulver e Beherit apostavam em fases experimentais que chocaram os fãs em um primeiro momento, pois aquilo não era o seu esperado e também não se encaixava em padrões especificamente comerciais. Entrando nesse limbo de reações mistas, mas com o tempo criando seus respectivos públicos cult (ou melhor, “KVLT”)

Enquanto parte da América do Norte tinha o ápice da Ross Bay Cult com seu “war metal” (mistura de death e black metal extremamente brutal, caótica e destrutiva), ou bandas como Krieg, Judas Iscariot e outras que já apresentavam uma sonoridade mais crua e certas peculiaridades. No meio desses grupos surgiu duas bandas bem curiosas: Xasthur e Leviathan.

Ambas demonstravam esse black metal extremamente sombrio, mas com elementos diferentes. Seja o uso de linhas mais melódicas e uma preocupação mais forte com a criação de uma atmosfera sonora do que num som cru e rápido. Expandindo as sonoridades e texturas do black metal, da mesma forma que o post punk fez na sua fase embrionária.

Com isso e suas letras extremamente intimistas e negativistas, o Xasthur foi uma influência fortíssima para o que conhecemos hoje como DSBM (depressive suicidal black metal). Enquanto isso rolava outras bandas que mesclavam com outros estilos, como o Agalloch e seu black metal com folk, doom e até mesmo progressivo.

Em terras canadenses, o grupo de crust Black Kronstadt já fazia uma mistura dos elementos do lado sombrio do metal com esse hardcore e punk extremamente politizado, que no fim desse grupo, formaram uma banda nova chamada Iskra, conhecida como ser um dos grupos pioneiros da vertente RABM e toda cena black crust que viria influenciada por eles.

Nos anos 2000 começa a surgir os frutos influenciados por todo esses movimentos: Toda uma cena do black metal mais etéreo e ambient, nessas produções imensas e reverberadas, com elementos de folk e temáticas mais ecológicas de grupos como Wolves In The Throne Room, Panopticon, Saor.

No lado “dark” temos Twilight e Nachtmystium, junto com Krieg se unindo a esse novo movimento, além do surgimento de bandas como Woe e Cobalt. Abraçando experimentalismos e usando de temáticas como depressão, insanidade, angústia e outros descontentamentos do ser humano contemporâneo.

Influências de psychedelic, uso de saxofones e até rítmicas jazzísticas, num ar quase prog setentista

Com essa evolução toda, por volta de 2009 sai o documentário Until The Light Takes Us, que com sua romantização da cena norueguesa, foco nas polêmicas e uma pá de imagens dignas para gifs e trilhas sonoras perfeitas para o tumblr do seu sobrinho angustiado da geração Y. Nesse meio tempo onde ressurge um interesse no gênero pela cultura teen, acontecia outra cena que deu origem aquilo que chamamos debochadamente de “Hipster black metal”

Uma safra de bandas na Europa, formada por grupos como Amesoeurs e Alcest, demonstravam esse black metal mais melódico e com influência de gêneros como post punk e shoegaze. Criando o que alguns chamam de “post black metal” (consolidando em uma forma verbal a postização do gênero, como vimos acima), na cena mais influenciada pelo DSBM o Lantlôs e Heretoir começaram a pinçar essas novas sonoridades e incorporando em sua música. Com o crescimento dessa nova leva de bandas em paralelo com o sucesso do Black Metal e toda sua estética e cultura no interesse teenager moderno, a identificação com a angústia adolescente é inevitável. Questão de estarem na hora certa e lugar certo, aliado com a velocidade da informação circulando na internet.

Não podemos nos esquecer do lado mais esotéric e avant garde. Que na última década rendeu nomes como Batushka, Cult Of Fire, Death Karma, Downfall Of Nur e por aí vai. Que fazem essa música extremamente mística, conceitual e épica em suas execuções, com elementos que variam de doom, death, arranjos e composições épicas e até detalhes de world music. Vindos com essa cultura de membros anônimos, forte apelo estético com grande influência em cultos e religiões oprimidas ou ocultadas pelo senso comum.

Preste atenção na quantidade de elementos étnicos na música e como eles são ritualisticamente orquestrados

Além desse movimento no velho continente, também temos as variantes do post black metal no continente americano. Seja por bandas norte americanas como A Pregnant Light, Deafheaven, Airs ou até mesmo bandas brasileiras como o Shyy, além de elementos do shoegaze e post punk, muito do post hardcore e até mesmo screamo tem sido experimentado pelas bandas mais atuais dessa escola do post black metal. Com algumas bandas até entrando pra escola do dream pop e criando uma música é apenas um tempero e não mais o destaque da música.

Airs tem mais em comum com Slowdive do que qualquer grupo de BM. Mas é inegável a influência de Alcest no grupo

Porém o experimentalismo também não se estende apenas aos grupos ligados ao metal. Artistas de folk como o Mount Eerie (pseudônimo do músico Phil Elvrum) incorporaram características do estilo, como foi o caso do álbum “Wind’s Poem” que misturava gravações extremamente cruas e riffs alternados de black metal com elementos de drone e uma atmosfera dream pop depressiva.

Além também do caso atual de Myrkur, projeto de black metal da cantora pop dinamarquesa Amalie Bruun, cujo envolvimento desta com a cultura mainstream incomodou muitos dos fãs mais “puritanos”, que enviaram cartas com ameaças de morte para a artista.

Nesse crescimento midiático todo e o surgimento de um movimento “pós” que busca ampliar os horizontes do gênero, obviamente a resposta negativa a toda essa inovação e possível amadurecimento é vista com maus olhos. Mas aqui entra a parte curiosa de tudo: Lembra que eu falei de Until The Light Takes Us? Então, na época que saiu o filme eu já tinha um breve conhecimento de black metal e de outros documentários do gênero (como Satan Rides The Media, por exemplo). No surgimento dele, houve aquele crescimento notável do público adolescente e pré adolescente, uns abraçaram o gênero de uma forma mais estética e descolada, enquanto outros se focavam no black metal como uma “personificação do mal”.

Ou seja, muitos desses viraram “puritanos” do gênero, com um conhecimento bem ínfimo do estilo. Vários citadores de Euronymous e Varg, que esquecem da origem e influências “punk” do Mayhem que o próprio Necrobutcher afirma em Once Upon A Time In Norway, ou o passsado “death metal” do Vikernes no Old Funeral, sem falar de De Mysteriis ter mais vocais cantados do que guturais. Até mesmo Darkthrone virou hoje uma versão única e misturada de todos os projetos solos do Fenriz e Nocturno Culto, que são apreciadores de punk e power/heavy metal daqueles bem canastrão.

E os seguidores de Bathory com um enfoque na fase viking porque “árvores, tradicionalismo, mjolnir, ódio ao mundo moderno”. Porém ignoram que até o todo poderoso Quorthon teve sua carreira solo cheio de folk e grunge cafonão.

Olha esse riff e vocal forçando a barra pra ser Alice In Chains

O que é engraçado porque no fim das contas, muitos desses são os que rejeitam artistas como Myrkur, Deafheaven, Alcest e uma geral da cena post. Mesmo eles não sabendo que grupos mais antigos da cena US como Krieg adotou essas novas facetas e experimentalismos, amadurecendo o gênero de formas bem inimagináveis. Aí me pergunto: Onde estão eles para tacar fogo na fase experimental do Ulver? Ou quanto a glamourização de bandas como Behemoth e Watain? Que estão cada vez mais perto de parecerem ganhar um Oscar ao invés do Grammy com produções cinematográficas pretensiosas, até mesmo onde estão os haters e inquisitores para cuidarem de piadas como o satanic pop metal do Semargl?

E vocês reclamando da fase “eletrônica” do Samael

E se analisarmos bem, a cultura mais fria e primitiva do Black metal sempre se tratou de isolamento, individualismo. Você acha que alguém que se liga a cultura niilista do black metal vai se prestar a sair de sua caverna ou universo individualista para enviar mensagens de ódio para um músico pop que fez clipe zoando o estilo? Claro que não, eles tem coisa melhor para gastarem suas energias.

Se o gênero está ou não ligado ao mainstream, crescendo em popularidade, não interessa para eles, eles querem criar música sombria e perturbadora. Se isso vai emprestar elementos de outros gêneros? Foda-se, eles vão tentar, vide os projetos ritualísticos de Attila Csihar, as novas orientações sonoras do Shining, a criação de super grupos como Twilight ou amadurecimento do Krieg.

E a própria repulsa de vários artistas com as tendências tr00/kvlt sempre foram visíveis, como o Impaled Nazarene e sua recusa em usar corpse paint, os vários comentários cansados de Kvaforth em relação aos fãs infantilóides, ou até mesmo o Xasthur na qual seu único membro morava perdido na ensolarada California e cria música folk extremamente depressiva, técnica e melódica.

Sim, isso é o Xasthur

A ampliação do “post black metal”, seu experimentalismo e os frutos desse crescimento e amadurecimento acabou refrescando o próprio gênero, apresentando nessas últimas décadas um movimento muito prolífico. Diria até que estamos vivendo uma quarta onda (considerando a cena USBM como a terceira onda) do estilo, que já tem rendido uma safra muito variada e interessantes de artistas, além de bandas mais antigas se reinventando e consagrando nesse novo milênio. Esse crescimento e vontade de expandir e recriar é inevitável no mundo da arte, e antes de toda guerra e ideologia o black metal nunca deixou de ser isso: Arte.

As formas podem ser diferentes, mas a canção continua a mesma

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