Por que só um imbecil tentaria ser um Unicórnio no Brasil? (tente ser um Camelo)

Marcelo Furtado
6 min readNov 25, 2015

Unicórnio — assim são chamadas as startups que atingem um valuation acima de US$ 1 Bi. O termo foi popularizado pela industria de Venture Capital (por quem mais poderia ser? tinha que ser por algum investidor…) e, sendo um empreendedor, é impossível você nunca ter se deparado com alguém perguntando algo como "por que você é o próximo unicórnio?" ou "como você se compara ao unicórnio XYZ?". O fato concreto é que apesar de tudo o que falam para você, acredite: perseguir a meta de ser um unicórnio é a coisa mais idiota que você pode fazer. Especialmente no Brasil. Vamos aos fatos…

1. Esta métrica não faz sentido no Brasil

Quando olhamos a métria valuation estamos olhando, na maior parte das vezes, uma métrica de liquidez, ou seja, a capacidade que uma startup tem de captar recursos junto ao mercado.

Isso porque, normalmente, o cálculo que leva uma startup ser um unicórnio está atrelada justamente a uma rodada de capital em específico. Explico: Se você levanta R$ 10 milhões por 10% da sua empresa, logo você vale R$ 100 milhões. Se você captar US$ 100 milhões e entregar 10% da sua empresa, logo você é um unicórnio.

Por que isso é errado: Enquanto nos EUA o mercado de investimento é super líquido, quase perfeito (demanda e oferta de capital quase que ilimitado), aqui no Brasil a situação é BEM diferente. Você conta nos dedos (de uma mão) quais são os fundos sérios que fazem rodadas de Seed Capital e Series A. Com tão pouca oferta, as condições é claro que mudam! As exigências para se tomar capital são outras… Enquanto lá se capta milhões de dólares em um protótipo, aqui no Brasil você precisa faturar milhões de reais por ano para uma simples rodada inicial. Portanto, métrica de valuation atrelada a liquidez, só pode ser usada em mercados perfeitos.

2. O risco de ficar sem oxigênio

Uma outra característica básica de startups que se tornam unicórnio é a capacidade de continuar levantando capital em curtos espaços de tempo indefinidamente. Isso é função do explicitado anteriormente. Se você não tem um valuation alto porque gera resultado, mas sim por que teve uma captação que te "valorou" em determinado número, fatalmente, você se verá em uma situação de crescimento ou falta de caixa. E o que você precisa para não quebrar? Mais dinheiro para continuar girando essa roda.

Por que isso é errado: Experimente sair para uma captação no Brasil, precisando de recursos nos próximos 2 meses. É quase que jogar na loteria. Em um mercado com risco elevado e ausência de liquidez, você não pode considerar como dado a próxima captação. Na verdade quando alguém te perguntar "e até onde este recurso te levará?" se policie a responder: "para sempre".

3. Uma hora o mercado se ajusta

Vejam o gráfico abaixo:

O clube dos Unicórnios ao longo dos últimos anos

Vejam a quantidade de startups unicórnio que surgiram ao longo do último ano em comparação com os outros 4 anos. Impressionante, não é mesmo? Agora responda: isso significa que mais empresas faturam e lucram mais ou que há mais dinheiro no mercado fazendo aportes mais "baratos"? Difícil dizer?

Então vamos a alguns exemplos desta lista recente:

Slack — Outubro de 2014 anuncia um round que eleva seu valuation para $ 1.12 Bi e SEIS meses depois um outro que eleva seu valor para $ 2.8 Bi. (1.6 Bi de aumento de valor em 6 meses… hmmm)

Square — recentemente a empresa abriu o seu capital. Indiscutível o tamanho e potencial da empresa. Porém, quando a empresa se tornou pública o valuation foi quase A METADE daquele imposto por investidores privados.

Snapchat — O fundo de investimento Fidelity recentemente fez uma marcação de valor do seu investimento na companhia 25% menor do que o divulgado anteriormente (veja artigo).

Em um artigo recente publicado pela Mashable (recomendo a leitura), questionaram 30 unicórnios se eles estavam confiantes em relação ao seu valuation se houvesse uma revisão mais aprofundada do mercado. Quase todas se recusaram a responder.

Por que isso é errado: Se você não se preocupar em construir um negócio realmente sustentável, uma hora a conta chegará. Quem colocou dinheiro vai querer ele de volta. Você vai querer ser remunerado pelo tempo perdido. E assim a cadeia vai começar a cobrar de volta o seu "potential valuation". Captar para crescer a velocidades maiores é válido. Captar para inflar seu valor de mercado e atingir metas irreais é perigoso e pode acabar com seu negócio.

4. Perseguir o unicórnio te tomará tempo (e dinheiro)

Esta é uma crítica que sempre me fiz: o quanto de tempo e energia devo desprender para captar recursos? A resposta que tenho é: a máxima até o ponto que não atrapalhe na construção do negócio. Vejo muitas startups que parecem que o negócio delas é: levantar recursos. Os caras são mestres em pitch, estão em todos os eventos, ganham todos os prêmios mas a hora que você vê, não gera um real de receita. Não quero julgar a estratégia de ninguém, porém, PARA MIM isso não funciona.

Por que isso é errado: levantar dinheiro é caro, exige tempo, dedicação, esforço. E isso acaba por tirar suas energias do que, para mim, é o mais importante: o seu negócio. Ter sempre um cash burn saudável (aquele que você consegue diminuir em uma eventual dificuldade) é essencial para que uma startup perdure.

5. Você não está na Suíça

Por mais que o você veja no horário político ou nos debates eleitorais o contrário, acredite: você não está na Suíça! E isso significa burocracias, altos impostos, mão de obra escassa, etc, etc, etc… O custo-Brasil vai pegar todos os 4 componentes que apresentei anteriormente, jogar dentro do liquidificador e transformar em um bolo de ineficiência.

Por que isso é errado: tentar usar uma estratégia de crescimento exponencial baseado em injeção de recursos no mercado, pode funcionar em mercados mais eficientes. Em mercados ineficientes a estratégia pode ter barreiras que hoje são invisíveis mas que aparecerão na medida que você tentar crescer. Tente, por exemplo, tirar uma licença na Anvisa para um IoT qualquer? Vai 2 anos nessa história sem um real de receita…

Você pode estar se perguntando se sou um otimista ou um pessimista. Não se engane: sou uma das pessoas mais otimistas que você conhecerá. Todos estes fatos explicitados por mim acima me levam a crer que, na verdade, não teremos muitos Unicórnios no Brasil. Mas teremos coisa MUITO melhor!

Acho que só agora entendi a analogia do Unicórnio. Animais bonitos, vistosos, rápidos só que… não existem. Que continuemos a tentar ser empresas bilionárias, que dominem o mundo, mas que… existam. Que tal sermos Camelos?

Animais que andam mais lentamente… Porém, são altamente resistentes… Que usam seus recursos com a máxima eficiência… Que, quando há disponibilidade, tomam o máximo de água possível… Porém, quando não há água disponível continuam plenamente ativos.

Que tenhamos mais camelos…

Imagem: reprodução

Ps. Um disclaimer necessário: este artigo foi feito por um empreendedor que ainda não teve sua empresa avaliada em mais de US$ 1 Bi. Entenda como quiser. :)

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Marcelo Furtado

Cofundador do Convenia, startup de HR Tech. Professor de Inbound Marketing na ESPM. Inbound Marketing, Product Management, Startups e Esportes.