Um vírus hereditário

Anderson Barollo Pires Filho
3 min readMay 23, 2020

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Máscara de proteção. Arte: Mateus André/Freepik.

Estamos falando de um vírus com alto poder de contágio, que se alastrou pelos ‘quatro cantos do mundo’, ganhando status de pandemia. Estamos falando de uma doença que gerou o pânico e a paralisação da vida cotidiana.

Uma enfermidade que nos levou a assistir cenas de sepultamento em covas coletivas, que fez estádios e outros espaços públicos se tornarem hospitais de campanha.

Estamos falando de uma epidemia negligenciada já em sua origem; desde o baixo até o mais alto escalão dos órgãos oficiais de saúde.

Um vírus que, a princípio, foi considerado inofensivo, “atacando especialmente idosos” e que em determinado momento foi popularmente chamado de “limpa-velhos”.

Uma peste que, ao chegar no Brasil, atuou como um “fósforo na palha seca” — como bem metaforizou, o grande sanitarista, Carlos Chagas.

Charge: A Gazeta de Notícias, 29/09/1918

Uma moléstia que quando começou a mostrar sua face mais letal à pátria amada, nossa autoridade, de prelúdio, tratou de defender a sua “benignidade”.

E foi além, disse que a doença se tratava de uma “gripe comum”; que a imprensa lidava com o assunto de forma sensacionalista e histérica, implantando pânico na sociedade e ameaçando a preservação da ordem pública.

Jair Bolsonaro discursa sobre a pandemia em rede nacional. Fotografia: Carolina Antunes/Agência Brasil.

De fato a ordem pública foi afetada com números de óbitos catastróficos. E a mazela que antes era um “limpa-velhos”, começou a matar jovens e pessoas de meia-idade.

Imagem: Biblioteca Nacional Digital

Mas como já dizia o autor desconhecido: o Brasil não é para amadores. Logo trataram-se de surgir os remédios milagrosos, e acredite, vieram de várias frentes.

A pseudocura variou de sementes e xaropes divinos a um medicamento usado para combater a malária, que segundo os americanos, eliminava o vírus.

MPF investiga o pastor Valdemiro Santiago por venda de “feijão milagroso”. Fotografia: Marcos Corrêa/PR.

Os rapinantes usavam da fé e do desespero de um povo para ganhar dinheiro. Já uma parte da comunidade médica apostava em antigos artifícios que, outrora, deram certo em outras pragas.

Por fim, em meio a censuras, falta de informação e fake News, essa pandemia dizimou cerca de 50 milhões de vidas no mundo, 35 mil só no Brasil — que em seu cume, levou o recém-eleito presidente da república, Rodrigues Alves, à morte, antes de tomar posse.

Imagem: Biblioteca Nacional Digital

E se você não percebeu que desde o início eu estava delatando sobre a gripe espanhola — que de espanhola só tinha o nome; se em algum momento achou que eu estava me referindo à COVID-19, é sinal que, 102 anos depois, ainda exercemos inúmeros atavismos políticos e sociais.

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Anderson Barollo Pires Filho

Frames de um pensamento crítico, independente e eternamente desconfortável |Colunista da Revista Brado. Bem-vindo!