todas as letras do alfabeto, cada uma dentro de um quadrado de cor diferente

Um Alfabeto de Problemas de Acessibilidade

Juliana Fernandes
Acessibílito
Published in
6 min readJul 18, 2017

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A é cego desde o nascimento. Ele sempre usou leitor de tela e computador. Ele é programador, e está melhor preparado para usar a web do que a maioria dos outros nesta lista.

B caiu de uma colina ao correr para fechar as janelas do carro enquanto chovia, e fraturou vários dedos. Ele está tentando navegar na web com a mão esquerda e o teclado.

C tem câncer de sangue, onde as principais variações são linfoma, leucemia e mieloma. Ela está fazendo quimioterapia há alguns meses e, está achando cada vez mais difícil lembrar coisas, ler ou conversar. Essa condição se chama quimio-cérebro. Ela está frustrada pois está se tornando mais e mais dependente do smartphone para tomar notas e acompanhar as coisas, mas ao mesmo tempo está ficando mais difícil usá-lo.

D é daltônico, portanto tem capacidade reduzida para diferenciar certas cores. A maioria dos sites pensa na condição nele, mas pessoas que fazem apresentações em PowerPoint ou gráficos no trabalho, não.

E tem fibrose cística (transtorno que danifica os pulmões e o sistema digestivo), o que faz com que ele passe 2 a 3 horas por dia usando equipamentos de terapia respiratória, que vibram no peito e o fazem tossir. Como uma extensão, o equipamento também faz com que seus braços e pernas tremam, fazendo ele preferir usar o teclado ou então esperar, até que consiga fazer tarefas que exijam contato constante com mouse. Prefere usar o tablet ao laptop, pois o tablet pode ser levado a qualquer lugar com mais facilidade, além de ser mais fácil de limpar e eliminar germes.

F é programadora desde o início do ensino médio. Ela passou por uma cirurgia no polegar da sua mão não dominante, e em algumas semanas fará também em sua mão dominante. Ela ainda não sabe como a cirurgia afetará sua digitação, ou o uso do touchpad no seu laptop.

G foi diagnosticado com dislexia (distúrbio que causa dificuldade de leitura) ainda muito novo. Por causa do seu tratamento em em idade inicial e ainda em andamento, as pessoas não sabem quanto custa para ele ler. Ele prefere livros à internet, porque os livros tendem a ter melhor fonte e espaçamento para leitura.

H é falante de inglês, mas não vai aos Estados Unidos há muito tempo. Ela sempre “tropeça” em dialetos e expressões culturais americanas. Ela precisa de sites que sejam simples e legíveis, mesmo quando o conceito do conteúdo é complexo.

I tem epilepsia (doença que afeta a atividade das células nervosas no cérebro, causando convulsões), que às vezes é desencadeada por fortes contrastes nas cores, ou cores brilhantes — não apenas luzes piscando. Ela tem que ter cuidado ao acessar páginas com cores vivas, da moda - destinadas a pessoas mais jovens.

J não sabe que desenvolveu astigmatismo no olho direito, que é uma irregularidade que causa miopia, visão distorcida ou visão embaçada. A única coisa que ele sabe é que, no final do dia, tem muita dificuldade para ler na tela. Então, após às 19h, ele dá zoom de 150% no navegador.

K serviu na guarda costeira nos anos 60, em um navio de guerra no Atlântico Norte. Como muitos marinheiros, perdeu muito da audição em uma orelha. Ele vira a cabeça em direção ao som do computador, mas fazer isso e ver a tela ao mesmo tempo é muito difícil.

L tem olhos preguiçosos, que é desvio ou desalinhamento de um olho. Seu cérebro constantemente ignora o sinal que recebe do olho ruim. Ela pode enxergar tudo muito bem, exceto os efeitos visuais que requerem percepção profunda, como filmes em 3D.

M não consegue diferenciar a esquerda da direita. Ela e mais 15% dos adultos, de acordo com alguns relatórios. Orientações na web que pedem que ela vá até o canto superior esquerdo da tela não a prejudicam, mas faz com que ela se sinta estúpida.

N tem dificuldade de audição nos 2 ouvidos, e usa aparelho auditivo. Funcionalmente, ela é surda. Quando ela está em casa sozinha, às vezes liga o aumenta o volume ao máximo no computador para que ela possa ouvir vídeos e áudios na web, mas na maioria das vezes ela simplesmente os ignora.

O tem degeneração macular relacionada à idade, doença ocular que provoca perda de visão. É muito comum que o centro de tudo que ela vê parece ter sido removido. Ela pode enxergar, mas a função do olho está impactada. Para compensar, ela usa ampliadores e leitores de tela.

P tem esclerose múltipla, doença em que o sistema imunológico destrói a cobertura protetora de nervos. A doença afeta tanto sua visão quanto a capacidade de controlar um mouse. Muitas vezes suas mãos começam a formigar, tornando difícil e dolorido por um longo período de tempo.

Q tem 99 anos de idade. Seu corpo já não funciona tão bem quanto antes.

R foi atingido por um carro enquanto atravessava uma rua movimentada. Já passaram 6 meses desde o acidente, e os médicos acham que suas dores de cabeça, problemas cognitivos e sensibilidade ao som são resultado de uma síndrome pós-concussão, ou talvez, algo pior. Ele precisa de simplicidade no design, para conseguir entender o que está lendo.

S tem a doença de Raynaud, uma condição em que algumas áreas do corpo ficam dormentes e frias, dependendo das circunstâncias. Em momentos de alto estresse, movimento repetitivo ou temperaturas frias, suas mãos e pés ficam gelados, adormecidos e às vezes até azuis. Ela tenta se manter aquecida na mesa do escritório, e mesmo no verão tenta tomar um chá quente ou usar luvas.

T tem dificuldade de aprendizagem, que causa problemas na compreensão de leitura. Ela se sai melhor quando as frases são curtas, os termos são simples ou quando ela pode ouvir um artigo ou e-mail ao invés de lê-lo.

U nasceu prematura, 38 anos atrás. Tão prematura que sua visão foi afetada permanentemente. Ela tem baixa visão em um olho e nenhuma na outro. Ela tente segurar livros e telas pequenas bem próximo ao seu rosto, e se inclina quando precisa usar a tela do computador.

V possui privação de sono, uma condição em que não se dorme o suficiente para o organismo se recuperar. Ela dorme cerca de 5 horas de sono de má qualidade, tem pressão alta e seu médico quer testá-la para saber se possui apneia do sono. Ela não ser ser examinada porque talvez eles “a coloquem em uma máquina”, então ela acaba passando o dia tendo problemas de raciocínio e concentração no trabalho.

W teve um acidente vascular cerebral aos 40 anos — que causa danos ao cérebro devido à interrupção do fornecimento de sangue. Agora ele está aprendendo tudo de novo, desde como usar braço dominante até como ler novamente.

X acabou de tirar sua tiroide cancerígena. Ela está prestes tratada com iodo radioativo e agora está seguindo uma dieta rigorosa, então está com pouca energia e muita dificuldade de concentração. Ela gosta de coisas “ quebrada” em vários steps, para que ela não se perca no caminho.

Y sofreu um acidente de carro que a deixou com uma vertigem tão grave que, por algumas semanas, não conseguiu sair da cama. Os sintomas diminuíram significativamente, mas essa nova mania de parallax a deixa com uma náusea tão forte a ponto de ela desabilitar o script do navegador.

Z não tem o que você consideraria uma deficiência. Ele tem gêmeos com menos de 1 ano. Ele trabalha em casa e está sempre com uma criança em um braço, e se tiver sorte de ter um ou dois dedos livres na outra mão, navega no iPad ou ativa a Siri.

Robin Christopherson ressalta que muitos de nós estamos apenas temporariamente aptos. A qualquer momento podemos fazer malabarismos que comprometam um olho, ouvido ou dedo. Podemos estar esgotados, doentes ou estressados. Nossa necessidade de web acessível pode durar um minuto, uma hora ou o resto de nossas vidas. Nunca saberemos.

Nunca saberemos quem. Nunca saberemos quando.

Esse é um artigo de Anne Gibson, que foi adaptado e traduzido. Link original: https://the-pastry-box-project.net/anne-gibson/2014-july-31

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Juliana Fernandes
Acessibílito

UX, research, acessibilidade, plantas, ratos, livros, feminismo, veganismo e filmes de terror ruins.