Análise do perfil de vítimas da violência contra a comunidade LGBTQIA+ no Ceará

Uma análise exploratória dos dados

Adriano Neto
9 min readMay 24, 2024

1. Introdução

Um problema inato da sociedade brasileira chamado violência, principalmente quando falamos de grupos minoritários, e no estado do Ceará a problemática não muda muito, mas ano a ano os números demonstram perspectivas alarmantes além do já é de conhecimento comum, que é o tema da violência contra a comunidade LGBTQIA+.

Fazendo um breve paralelo para demonstrar a importância dessa análise, podemos citar dados já expostos em grandes jornais, dado que o estado do Ceará segundo dados de 2022 é o estado que mais mata a comunidade LGBTQIA+. Isso são dados alarmantes e que demonstram a necessidade de uma melhor estruturação e empenho de políticas públicas voltadas para a mitigação e prevenção de violência, principalmente no que diz respeito a essas minorias.

Dito isto, analisaremos dados advindos do portal Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), que contém estatísticas sobre indicadores criminais, onde extraiu-se dados sobre crimes de conduta homofóbica e transfóbica disponíveis que cobrem o período de 2021–2023.

A base de dados utilizada após tratamento e manipulação de variáveis resultou em 15 variáveis, como: natureza, local, cidade e data de ocorrência dos crimes, mas também informações sobre o perfil de vítimas alvo destes crimes.

Inicialmente é interessante salientar que esses dados estão sendo coletados ou pelo menos disponibilizados pela SSPDS em pequeno período, dado que a criação do próprio Observatório dos Crimes por LGBTfobia é recente, então supomos que o inicio da coleta também. Importante também considerar que crimes desse tipo sofrem muito com a subnotificação de casos, o que acarreta diretamente no volume total de informações disponíveis.

2. Análise Exploratória dos Dados

No gráfico acima nota-se um panorama geral da evolução de notificação desses crimes ao longo dos últimos 3 anos, o que demonstra ser alarmante dado a realidade vivenciada por essas minorias no estado cearense e também no Brasil e mundo afora.

A média anual absoluta ficou por volta de 257 de crimes sofridos pela comunidade LGBTQIA+, com desvio padrão por volta de 113 crimes, e uma mediana de 285, com intervalo de limite inferior na casa dos 133 e limite superior em 354. E com um aumento de cerca de 114,36% de crimes notificados entre 2021 e 2022, já de 2022 para 2023 a diferença diminui drasticamente com valor por volta de 24,2%, mas se comparado entre 2021 e 2023 o aumento se dá em impressionantes 166,16% de aumento nessa notificação desse tipo de crime.

Quando fragmentamos por ano é possível notar uma maior desordem entre esses dados. Fica claro alguns outliers em certos períodos da amostra e até mesmo alguns dados faltantes como os 5 meses iniciais do ano de 2021, período onde a pandemia estava no auge e que esse fator possa ter corroborado de maneira significativa. Mas também, cabe observar como os meses da segunda metade do 2º semestre demonstraram os maiores números de crimes para os anos de 2022 e 2023. A média mensal do número de crimes de LGBTfobia foi 25, partindo do pressuposto de que houveram alguns meses sem notificação de nenhum crime, como citado anteriormente.

Este panorama longitudinal é interessante para tentar entender e buscar tendências ao longo do tempo, mas pelo fator curto período da amostra inviabiliza uma melhor visualização de tendências que poderiam ser observadas em período mais extensos de tempo. Assim, podemos utilizar algumas desagregações a fim de analisar de maneira alternativa dada a situação.

De maneira a entender outros padrões, temos números acumulados para visualizar qual mês demonstrou maior violência para a comunidade LGBTQIA+. Observa-se a maior frequência de crimes ocorrendo nos últimos meses do ano, sendo eles principalmente: Outubro com 12,18% do total, seguido pelo mês de Agosto com 11,35%. Já os meses que representaram ser menos violentos, temos: Fevereiro com 5,67% e Março com 6,23%.

Dando seguimento, cá temos um panorama para a variável turno do dia, onde é possível denotar qual turno tem a maior frequência crimes desta natureza. Com maior prevalência observa-se o turno da tarde sendo o momento do dia de maior vulnerabilidade com cerca de 36,28% do total de ocorrências, seguido pelo turno da manhã com 31,02% e o turno da noite com 30,33%, com a menor frequência de crimes temos o turno da madrugada com 9,27% do total.

Dado o gráfico acima podemos analisar qual destes grupos foi o maior alvo de crimes desta natureza, com cerca de 39,33% dos crimes sofridos temos o grupo de homens cis gays, seguido por 11,49% de crimes sofridos por mulheres cis lésbicas. Sendo estes os 2 principais grupos atingidos segundo a amostra analisada.

Gráfico 5

No gráfico acima, temos a distribuição da amostra com foco para a faixa etária das vítimas. Podemos perceber que dentre as faixas etárias de maior vulnerabilidade temos: a faixa de 18–29 anos de idade composta por 48,33% dos crimes sofridos, seguido pela faixa de 30–49 anos de idade que compreende 39,33% do total.

Agora quando utilizando a variável faixa etária cruzada com identidade de gênero, temos qual a faixa etária mais vulnerável por gênero. Observa-se que para o gênero masculino (Homens cis e trans) a faixa etária mais vulnerável se torna a de 18–29 anos de idade com cerca de 46,88% do total de vítimas do gênero masculino. Já no que diz respeito ao gênero feminino, temos a mesma faixa etária de 18–29 anos predominantemente mais vulnerável com 50% do total de vítima do gênero feminino (Mulheres cis e trans). Já sobre o outros gêneros (Travestis, Gênero fluído, não informado e entre outros) temos também o mesmo comportamento se repetindo com a faixa etária de 18–29 anos de idade sendo o maior alvo dos crimes LGBTfóbicos. Ou seja, a faixa etária de 18–29 anos é a mais vulnerável quando comparada as demais dada amostra analisada.

No que diz respeito a escolaridade, temos predominância de 3 grupos de nível de escolaridade, sendo esses: Pessoas com ensino médio completo com 32,13% dos relatos de crimes sofridos, seguido por ensino superior completo com 21,19% e superior incompleto com 19,39%. Agora no outro extremo da amostra o nível de escolaridade que menos sofreu/relatou crimes de natureza LGBTfóbica foi o de pessoas analfabetas com cerca de 0,55% do total.

Dado os relatos para esses dados temos um volume exorbitante de informações sobre raça que não relatada o que em partes dificulta aferir muita coisa com tanta precisão.

Em uma análise breve, os dados não nulos há predominância para relatos de pessoas pardas que reflete 67,1% das relatos com raça informada, seguido por pessoas brancas com 23% e pessoas pretas com 9,7%.

De acordo com o gráfico acima, observa-se que há uma predominância dos crimes de natureza homofóbica dentre os crimes relatados nessa amostra com cerca de 85,31% do total, já a conduta transfóbica compreendendo 21,6% do total.

Aqui é possível ter um perspectiva diferente, com um olhar na tendência ao longo do tempo, onde nota-se que a conduta transfóbica teve um aumento na magnitude de 311% em relação a 2021–2022 e se manteve num constante no ano seguinte. Para a conduta homofóbica, o aumento foi no patamar de 85,3% para 2021–2022 e de 32,55% para 2022–2023, assim observa-se uma crescente nessa conduta com base nesses dados.

2.1 Análise Exploratória Espacial

De acordo com mapa coroplético acima podemos analisar melhor a distribuição espacial do número de crimes no estado do Ceará. Com isso, municípios em cor azul mais escuro denotam maior concentração e municípios em cor amarelo mais claro denotam menor concentração, já municípios em cinza refletem que não foram notificados crimes dessa natureza.

Os municípios que demonstraram maior concentração de crimes contra comunidade LGBTQIA+ foram respectivamente: A capital do estado, Fortaleza com cerca de 461 crimes relatados (68,3%) do total da amostra, seguido por Juazeiro do Norte com 34 ocorrências (4,7%), Caucaia com 20 ocorrências (2,77%), Maracanaú com 16 ocorrências (2,21%) e por fim Sobral com também 16 ocorrências ou 2,21% do total.

No total 93 municípios relataram algum tipo de crime dessa natureza o que reflete 50,5% dos municípios do estado. Desse total de municípios registrados cerca de 39 municípios (41,9%) relataram apenas 1 crime de natureza homofóbica ou transfóbica.

Importante também ressaltar que os locais de maior ocorrência registrados se deram em sua maioria esmagadora em locais públicos com 56,37% do total, seguido por ocorrências na residência da vítima ou conhecido com 28,7% do total e na internet com 12,88%, o restante não foi informado.

3. Testes Estatísticos

Aqui faremos alguns teste estatísticos básicos acerca da amostra e interpretar seus resultados

No gráfico acima se trata de um Q-Q plot, podemos perceber que comparando a amostra disponível com os valores teóricos para uma distribuição normal, os dados seguem a normalidade na distribuição dos dados, tendo em vista que os dados estão dentro do intervalo de confiança.

Shapiro-Wilk normality test

data: quantidade_crimes
W = 0.93772, p-value = 0.07138

De maneira a elucidar a interpretação por meio dos resultados do teste de Shapiro-Wilk que tem como hipótese nula que a amostra segue uma distribuição normal. Dessa forma, com o p-valor > 0.05, não rejeitamos a hipótese nula de normalidade da distribuição dos dados.

4. Considerações finais

Dada análise efetuada podemos gerar alguns insights interessantes, nas variáveis como ANO, MÊS e TURNO, temos que os meses mais violentos observados foram Junho, Agosto, Outubro e Dezembro com um montante agregado de 44,59% do total de ocorrências, tendo o ano de 2023 sendo o mais violento até o momento e em relação ao turno temos o turno da tarde como o mais violento dentro da amostra.

O perfil de vítima de maior vulnerabilidade de acordo com a amostra é composto por uma pessoa com as seguintes características: homem cis gay ou mulher cis lésbica, de raça parda, com idade na faixa etária de 18–29 anos de idade, ensino médio completo e residente da região metropolitana de fortaleza, que geralmente sofreu/sofre agressão LGBTfóbica em locais públicos, em sua residência ou de conhecidos e na internet.

Por meio dessa análise é possível ter uma visão mais abrangente da problemática que é a violência contra a comunidade LGBTQIA+. Com objetivo de além de traçar um perfil de vítima de maior vulnerabilidade para fins de estudos e produção de evidências para futuras políticas públicas de qualidade focalizadas em perfis de vulnerabilidade, visando a prevenção e combate a violência contra minorias sociais.

Sobre o Autor:

Adriano Neto é Economista pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e profissional na área de dados e pesquisa. Atualmente, trabalha como Pesquisador e Analista de Dados no Laboratório de Estudos e Pesquisa em Educação e Economia Social (LEPES/USP), onde se destaca na análise, modelagem e visualização de dados. Com conhecimento de ferramentas de programação voltadas para análise e ciência de dados, Adriano busca sempre aprender mais sobre métodos quantitativos aplicados a realidade.

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Adriano Neto

Economist and Data Analyst with knowledge in Data Science, Data Analysis and predictive, prescriptive, descriptive models Bussiness and reasearch oriented.