"David Brent: life on the road"

Adriano Vilas Bôas
5 min readFeb 15, 2017

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"Eu não preciso ser um rock star, sabe? Isso é simplesmente uma coisa que eu gosto de fazer. Eu consigo viver sem ser "um sucesso". Mas eu não conseguiria viver sem tentar. E eu fiz isso. E tudo no final dá certo, né? Você pensa que quer uma coisa, e ao longo do caminho você se dá conta de que precisava de algo mais. A vida é uma luta… com pequenas e belas surpresas que fazem com que você siga em frente através de toda a merda. Até a próxima bela surpresa. Então, é isso. Tá tudo bem!"

A capacidade de Rick Gervais em nos fazer se importar com o outro. Depois de assistir seu mais novo filme, "David Brent: the life on the road", fiquei com essa sensação me acompanhando por algumas horas. Ele tem uma capacidade tremenda de tornar carismático personagens que são intragáveis, barulhentos, arrogantes, mas que por algum motivo a gente acaba torcendo, se emocionando e rindo muito da desgraça deles serem quem são. O que acaba tornando tudo mais difícil. Se são desgraçados, ou seja: desprovidos de graça, do que rimos tanto? No caso de David Brent (o ex-chefe do The Office britânico), protagonista de seu mais novo filme, e que agora resolve sair numa turnê pela Inglaterra com uma banda (nem que para isso seja necessário gastar todas suas economias) seja a honestidade com que ele é apresentado ao público.

Se valendo da mesma linguagem da série, o filme é contado através de uma equipe de TV que registra a preparação da turnê e a vida dos músicos na estrada. Logo de início nos deparamos com um David Brent (agora empregado numa empresa que vende produtos de limpeza) que é ridicularizado pelos colegas de trabalho sem poder exercer o poder de chefe que tinha na época da série, contando com certa simpatia apenas da secretária, uma outra funcionária que nutre certo carinho por ele (sem ele perceber, claro) e de um outro colega que também faz brincadeiras tão sem noção ou mais do que ele como apresentar um amigo negro como sendo "o amigo negro", e levá-lo no escritório só pra dizer isso para os demais colegas de trabalho ou começar um show introduzindo o guitarrista como sendo neto de um estuprador, assegurando que ele "ainda" não é um estuprador também.

Tão logo eles caem na estrada, começamos a ver o preço que David Brent paga por ser quem ele é. O personagem entra no ônibus da turnê, e em seguida sai porque disseram que não tinha espaço pra ele. Mais uma vez o viés metalinguistico da equipe de filmagem que acompanha a turnê sempre filmando de perto (às vezes de longe) justifica tais momentos que num filme "normal" dificilmente faria sentido. Temos David Brent voltando e encontrando a equipe que filmou ele sendo rejeitado (no próprio ônibus que ele pagou para levar todos da banda, que igualmente são pagos por ele). David Brent pode ser que falhe em criar as altas expectativas de que vai conseguir um contrato com alguma gravadora ou que os shows vão lotar, mas ele em nenhum momento fala mal dos companheiros de banda. Mesmo nesse momento, em que volta depois de ser recusado dentro do ônibus da sua banda, ele se esforça por enxergar com otimismo a atitude deles dizendo que "preferem que o líder e vocalista principal tenha privacidade em seu carro". Fica claro que ele sabe que não é verdade, ele sabe que não foi aceito pelo grupo, mas nem por isso fala mal deles pra câmera.

Tem uma cena que é emblemática dessa honestidade e que acontece no primeiro show da banda, quando logo no começo da primeira música ele fala “solo de guitarra” e tenta se apoiar nas costas do guitarrista. Sim, ele tenta fazer isso e ainda por cima diz “back to back” explicitando seu desejo de emular Axl Rose e Slash, e tantos outros rock stars. Mas nada disso adianta, o guitarrista simplesmente sai e ele cai no chão. A cena corria muito o risco de ficar espalhafatosa, buscando um riso fácil do público. Mas não, eu sequer consegui rir de tão constrangido que fiquei. Rick Gervais faz escolhas ousadas ao nos mostrar quem realmente é David Brent. Logo depois de se levantar ele pergunta para a banda “eles perceberam?”, querendo saber se o público notou. Ele não fica bravo com o guitarrista.

No final percebemos que ele é só um cara com sérios problemas de socialização que queria ser aceito por um grupo, se divertir com eles, dar risada, encher a cara com seus colegas de banda (ele chega a pagar pra banda beber com ele após um dos shows!). Na véspera do último show ocorre um tocante diálogo dele com o engenheiro de som. Ele tá ansioso com a música sobre Natal que ele vai tocar, e que vai ter uma máquina de fazer neve que vai trazer um "clima especial pro show". O engenheiro de som diz que é desnecessário, que vai custar muito caro e que ele já gastou muito, e tenta convencê-lo de que a máquina de fazer neve não vale a pena. David reluta, mas acaba cedendo e desiste da neve no último show. Em seguida, falando com equipe de TV ele diz: "Eu só queria uma porra de uma neve. Como um momento mágico, sabe?".

Acaba que eles tocam a música de Natal e o engenheiro de som o surpreende acionando o dispositivo que descarrega a neve em toda a banda. Nosso amigo David tem sim seu momento mágico em cima do palco. Logo após o show o mesmo que comprou a neve em segredo o recebe com uma cerveja, a música ainda está tocando. Não ouvimos o que eles conversam. O restante da banda chega, eles riem. David Brent finalmente está onde queria estar. Se divertindo com sua banda. Na estrada.

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