Publicidade X Público Trans

A baixa representatividade do público trans na publicidade chamou a atenção do publicitário Pedro Lourenço, que decidiu fazer a monografia de finalização do curso sobre o tema.

Agência BG9
6 min readAug 25, 2016

Militante LGBT, Pedro descobriu em sua pesquisa que travestis, transexuais e transgêneros precisam ser representados na mídia com mais dignidade. Isso porque atualmente o público é agredido com a forma que está refletido na comunicação. O trabalho é “Transtorming: conhecimento, espaço e debate sobre trans-identidade entre publicitários e agências de comunicação” e vale a pena dividirmos com vocês. Com 22 anos, Pedro começou como estagiário do Gruponove e depois da união da agência com a Plano B, passou a ser Redator da BG9. Confira a nossa entrevista!

Pedro Lourenço, Redator da BG9

Como surgiu a ideia de fazer a sua monografia sobre o tema: Público trans na publicidade?

A ideia de falar sobre o tema surgiu do meu envolvimento com a militância LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), que com o tempo me abriu os olhos para a baixíssima representatividade das pessoas dessa comunidade na mídia, sobretudo na publicidade. Mas esse era apenas um dos muitos temas que eu levava em conta. A decisão final de estudá-lo só veio quando presenciei um amigo e colega de turma tecendo comentários transfóbicos sobre uma garota trans. Nesse momento ficou claro o quão necessário e urgente é debater esse tema nas universidades e agências.

O que você descobriu na sua pesquisa?

Que nós publicitários somos como um dos três macaquinhos da mitologia japonesa, o mudo: nós vemos e ouvimos, mas escolhemos não falar. Os resultados da minha pesquisa, feita com profissionais da criação e do planejamento de agências pernambucanas, mostrou que temos visto um considerável número de representações de travestis, transexuais e transgêneros na mídia. Os pesquisados responderam ainda que essas pessoas merecem mais espaço nos veículos midiáticos, e que devem ser representadas de forma mais digna, já que as representações atuais constantemente agridem os indivíduos trans, sendo a mídia brasileira uma das que mais pecam neste quesito quando comparada com a estrangeira. No entanto, mesmo percebendo a importância da representatividade na vida das pessoas trans, nós publicitários nos mostramos pouco inclinados a debater essa questão dentro das agências. Isso se deve a diversas razões, como insegurança, já que um pequeno número de profissionais no mercado estudou gênero e sexualidade na graduação, o que faz com que eles não se sintam preparados para falar com e sobre o público trans em campanhas. Ou a própria rotina das agências, que criou uma zona de conforto onde nos acostumamos a criar campanhas usando os mesmos estereótipos de sempre e fazendo permanecer invisíveis os indivíduos que sempre negligenciamos.

Quais dados você considera relevantes?

Acho que um dado que merece destaque é sobre a visão que os publicitários têm do próprio mercado. Quando perguntados sobre como as agências onde trabalham reagiriam diante da sugestão de ter uma de suas campanhas protagonizada por uma pessoa trans, a grande maioria dos pesquisados respondeu que com certeza a ideia seria reprovada. Na visão dos entrevistados, os mercados pernambucano e brasileiro de publicidade ainda são extremamente conservadores. A coisa muda de figura quando o analisado é o mercado internacional, que os profissionais consideram já muito mais aberto para debater questões ligadas à transexualidade e transgeneridade.

"Os cursos superiores pouco discutem gênero e sexualidade, o que contribui para a formação de profissionais despreparados para as transformações que vêm ocorrendo no mercado."

Como a publicidade vê o público trans hoje?

As primeiras representações “justas” de pessoas da comunidade LGBT em campanhas publicitárias começaram na década de 90, fora do Brasil. Por aqui as coisas só deslancharam nos últimos três anos. Já vemos casais homoafetivos em comerciais veiculados no horário nobre da TV brasileira, algo impensável cinco anos atrás. Quando olhamos especificamente para as pessoas trans, os números são menos expressivos, mas ainda representam avanços. Grandes, médias e pequenas marcas têm escolhido transexuais e transgêneros como seus garotos e garotas propaganda. Durante o desenvolvimento da minha monografia recebi diversas mensagens de amigos me avisando sobre novas campanhas veiculadas protagonizadas por mulheres e homens trans. Essas campanhas, no Brasil, ainda são veiculadas quase que exclusivamente nas redes sociais, longe dos horários nobres das mídias “tradicionais”, mas já representam algum avanço, e isso significa muita coisa. Posso dizer que comecei a produzir meu TCC num cenário e terminei em outro, muito mais animador.

Formado em Publicidade pela UFPE, Pedro decidiu abordar o tema ao ouvir um amigo tecendo comentários transfóbicos sobre uma garota trans.

Quais são as dificuldades, os principais desafios?

Os desafios são muitos e vêm de todos os lados. Os cursos superiores pouco discutem gênero e sexualidade, o que contribui para a formação de profissionais despreparados para as transformações que vêm ocorrendo no mercado. Resultam disso publicitários inseguros, desinteressados, “acovardados”, que julgam o mercado conservador, mas que não percebem que eles são o próprio mercado. É claro que o peso desse conservadorismo não pode ser posto apenas nas costas das agências. Os clientes têm muita responsabilidade sobre o cenário atual. Muitos deles já têm percebido que as coisas estão mudando, e têm se alinhado a estas mudanças. Com o tempo, os que resistem se tornarão minoria. Isso não significa, no entanto, que os problemas de representatividade da comunidade trans vão todos se resolver dentro de alguns anos. As lutas negras e feministas já se estendem por décadas, e mesmo assim ainda assistimos diariamente mulheres e negros sendo desrespeitados ou invisibilizados em campanhas publicitárias. A militância LGBT só se articulou nas últimas décadas do século XX, e a trans, especificamente, é ainda mais recente. A caminhada é longa, mas já estamos num cenário melhor do que o de ontem, e caminhamos para um muito melhor do que o de hoje.

Como as marcas devem olhar para esse público? O que falta?

Muitas marcas caem no erro de pensar que “não se posicionar” é o mais seguro a se fazer diante de temas delicados. Isso pode ter funcionado no passado, mas hoje, com o poder que as redes sociais deram aos consumidores, de dialogar com as marcas, e por consequência, cobrá-las e criticá-las, não se posicionar não é mais uma opção. É preciso que os anunciantes percebam que já vivemos num cenário onde as gerações mais jovens questionam diariamente e em todas as esferas de suas vidas os “papéis de gênero” atribuídos a eles. Estes jovens são conectados, influentes e têm poder de compra. São eles que usam as redes sociais para aplaudir as marcas que se mostram “amigas” da causa LGBT, e que, por outro lado, vão virar de cabeça pra baixo os anunciantes que adotarem discursos retrógrados, conservadores ou negligentes. Qualquer avanço, qualquer aproximação que as agências e marcas desejem fazer em relação às pessoas trans só será possível através do diálogo. As pessoas trans precisam ser ouvidas e suas pautas levadas em conta, pois só assim os anunciantes poderão criar relações sinceras com essa comunidade, que podem ser proveitosas para os dois lados. O diálogo é importante também para que nós, publicitários, não saiamos por aí falando do que não sabemos ou não entendemos. Mesmo que a intenção tenha sido boa, os prejuízos para a comunidade trans podem ser maiores do que os benefícios. E, por fim, nunca podemos esquecer que marcas são marcas, e, portanto, movidas por interesses econômicos. Nada do que é feito no discurso publicitário é feito por caridade, mas sim porque ele é um grande influenciador social e, portanto, tem certas responsabilidades, e também porque, com novas realidades sociais, surgem novas oportunidades de mercado. Eu mesmo tomei esse cuidado durante o desenvolvimento do meu projeto. Não busquei ocupar o lugar de fala das pessoas trans, pois só cabe a elas expor sua realidade e demandas. Escrevi a monografia me posicionando como o publicitário que sou, percebendo que o trabalho que faço dentro da agência pode ajudar a construir uma realidade menos desigual. “Transtorming” é isso: uma grande brainstorming sobre onde estamos e onde podemos chegar.

Clique aqui para ler a monografia completa.

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