Como a empatia poderia ter salvo a ração dos pobres de Dória

Aleksei Salles
3 min readOct 17, 2017

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Estaria o prefeito da cidade de São Paulo, João Dória, preparando uma ração para os pobres? Calma!

Tecnicamente, a idéia soa genial. Quem não gostaria de evitar o desperdício de alimentos próximos à data de vencimento e ainda ajudar quem mais necessita com isso? O "serviço" criado pela equipe de Dória tem suas qualidades enquanto conceito, justamente pelo citado acima. Amenizar dois problemas sérios enfrentados na cidade com uma só solução seria o sonho de qualquer político -pelo menos os que realmente querem fazer algo pela população.

Contextualizando, Dória e sua equipe pretendem coletar alimentos que têm valor nutritivo, mas estão prestes a ter um fim em suas vidas úteis e transformá-los no que é chamado de composto alimentar granulado que seria distribuído para famílias de baixa renda da cidade.

E no que consiste esse composto? Os alimentos passariam por um processo chamado de liofilização. Esse processo basicamente envolve congelar os alimentos e expô-los a um ambiente com presença de vácuo, permitindo-lhes perder toda água em sua composição sem que a mesma passe pelo estado líquido, indo direto para o estado gasoso. A água presente nos alimentos acelera a proliferação de microorganismos que causam seu estrago. Esse processo é usado, por exemplo, pela NASA para enviar comida ao espaço pois possibilita que o alimento fique mais leve e demore mais tempo para estragar e usado pelo exército para enviar alimentos aos campos de batalha pelos mesmo motivos.

Acontece que muitas pessoas acharam o programa extremamente problemático, pois o que está sendo proposto é basicamente a distribuição do que parece ser uma ração aos pobres. Isso aliado à uma imagem do prefeito que sugere que ela seja um personagem caracterizado como "coxinha" faz-se associar essa história de maneira negativa. Como se o político com um histórico bem sucedido estivesse oferecendo aos pobres uma ração de alimento "reciclado", algo como os restos do que os cidadãos mais privilegiados consomem.

Análises nutricionais a parte, até porque entendo pouco, quiçá nada, sobre nutrição. O fato é que a idéia do governo de Dória pecou em um aspecto fundamental; a empatia.

Mesmo que sem intenção, houve uma desumanização da alimentação. Calma, vou explicar. A aparência do alimento carece em apelo visual. Honestamente, faz lembrar algo como um salgadinho ou um cereal sem corante. Tivessem os envolvidos no projeto ouvido os futuros usuários do produto/serviço, possivelmente chegariam à conclusão de que a má aparência é um fator decisivo na aceitação e apreciação de um alimento. Não é atoa que pagamos pequenas fortunas em restaurantes que muitas vezes oferecem uma comida sem nada de especial, mas que têm seus pratos com uma apresentação privilegiada. A aparência nesse caso tem um peso considerável, ainda mais com o contexto criado ao redor do projeto e as múltiplas interpretações que ele gera.

De repente se criado um discurso que levasse as pessoas a pensar nesse alimento como um cereal mais nutritivo que o habitual que viria para complementar sua alimentação diária, poderia ter sido visto com outros olhos.

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