Design fora da medida

Alexandre Lemos Nogueira
7 min readApr 26, 2019

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Há muito tempo eu discuto um assunto com colegas designers que é um incômodo antigo meu, relacionado a como o designer entrega resultados e qual o valor do design em um projeto. É algo que sempre vejo indo à tona em debates acalorados nas redes sociais, especialmente quando o assunto são coisas como reformulações de identidade visual. Debates loucos, overposting, briga, xingamentos e nenhum consenso.

Antes, eu queria fazer um rápido retrospecto, para que você consiga entender o porquê deste assunto a da minha abordagem sobre ele.

“Que comece o #mimimi”

O flashback

Quando comecei a cursar Design na UnB, eu tinha uma pergunta que não saia da minha cabeça: Afinal, o que é um bom design?

Eu via que muita gente dizia ter muita clareza sobre isso, mas ninguém sabia me explicar muito bem o que era um bom design. No final das contas, entendi que um bom design era algo especulativo e incerto. Basicamente, bom design parecia ser a roupa do rei: Era bom porque alguém que você confia na opinião disse que é bom e fim. Sem dados. Tudo baseado na credibilidade de algumas pessoas.

Psicosigner (papapapa papapa…)

Logo no começo do curso eu me encantei pela Psicologia e cursei diversas matérias de lá. O que me atraia era a capacidade de parametrizar e medir fenômenos humanos. Como medir dor? Como medir memória? Como medir atenção? E por aí vai.

Tanto me empolguei com a Psicologia e com Ciências Cognitivas que resolvi fazer da minha diplomação em Design Gráfico não um projeto qualquer, mas uma metodologia para medir a quantidade de informação visual que uma pessoa retém na memória quando vê uma logo.

A metodologia tinha vários erros conceituais que um marinheiro de primeira viagem seguramente cometeria. Mas o importante mesmo foi que serviu para entender e mostrar que era possível sim medir algo que meus colegas diziam que “não dá pra medir, tem que sentir”.

Psicologia = Mind blow

A carreira

Eu segui a vida, deixa esse assunto de lado e fui focar em desenvolver projetos em Design Gráfico. Nessas andanças, virei sócio de um escritório de design chamado Grande Circular. Lá eu tive a oportunidade de empreender em design e trabalhar todos os aspectos de um negócio em design. E lá essa dúvida surgiu de novo, porque eu via a dificuldade que era defender os orçamentos.

Nós explicávamos como podíamos, mas ainda assim era abstrato para o cliente. E isso vinha acompanhado de diversas perguntas, como:
O que eu ganho por investir x em fazer este projeto com vocês?
O resultado é apenas mais bonito?
Qual a diferença entre vocês e o concorrente tal?

Por um desses caminhos da vida, eu vi a necessidade de desenvolver outras habilidades profissionais e saí do Grande Circular. Virei analista de negócios em uma empresa grande de Brasília. Nessa empresa, um belo dia, tudo ficou muito claro para mim.

(sons angelicais)

O óbvio não tão óbvio

Logo no começo do meu retorno ao mundo corporativo eu percebi o quanto essa “cabeça de designer” é importante e a gente nem percebe. Isso de querer saber sempre quem é o receptor daquilo que estamos criando e entregando, se colocar no lugar dele e tudo mais. Isso era o lado bom.

Mas por outro lado ficou nítido o que me limitou ao longo de toda carreira como designer:

O designer não tem indicadores. Para nada.

Eu monitorava indicadores das equipes de vendas todo dia nessa empresa. Eram os indicadores que me situavam sobre como estava o desempenho das equipes que eu precisava acompanhar. Eu conseguia inclusive perceber sinais de que alguém da equipe estava sem motivação ou fazendo abordagens erradas, para dali fazer uma análise qualitativa mais detalhada (escutar gravações de abordagens de vendas, chamar para conversar, etc).

Tudo era uma questão de ter os número certos, os parâmetros bem estabelecidos e fazer o registro e controle destes números com uma frequência estabelecida. Basicamente isso.

Quando fiz um paralelo com o meu universo como designer, percebi que não tínhamos indicadores nem qualitativos e nem quantitativos para orientar qualquer tomada de decisões sobre os projetos. Tínhamos indicadores para o negócio, sobre a saúde financeira, sobre as prospecções e etc. Mas sobre o trabalho de design em si, nada. Zero. Niente.

A minha dor ao longo da carreira era dividida em duas partes. A primeira em não ter indicadores qualitativos em um primeiro momento, relacionados ao impacto do que criamos no consumidor final da nossa solução, que foi o que busquei na psicologia. A segunda é sobre indicadores quantitativos, que meçam o resultado para o negócio do que criamos.

“Quem põe um número quer ver um número”

Tinha um professor na FGV que sempre dizia essa frase sobre vender projetos. Quem faz um investimento quer saber qual o seu retorno. Ou seja, algum parâmetro você precisa dar sobre o valor colocado. Caso contrário, se ninguém souber dar parâmetros, vence simplesmente o mais barato, que é o que acontece muitas vezes.

Se eu não sei quanto vai retornar e em que tempo, vou colocar o menos possível nisso. É lógico. Basta usar a tal da empatia, tão falada no Design Thinking, e entender como um cliente vê isso.

Vale mais a pena gastar 30 mil em identidade visual linda ou, digamos, no treinamento da equipe? Vamos dizer que exista um estudo que mostre que a cada 1 real colocado em treinamento, ele tende a gerar 3 reais, pela capacidade de fidelizar clientes e etc. Não importa se você concorda ou não com este estudo. Ele é uma informação importante em cima da mesa, reforçando o valor do treinamento.

Ok, e do lado do design? Uma logo mais bonita? Os materiais visuais padronizados? Uma fachada na proporção áurea? Tudo isso é muito legal, mas para o empresário não quer dizer nada.

Portanto, a percepção que eu tenho é que o designer acaba ficando apenas com os clientes que possuem um apreço maior por coisas bonitas, que não tenham tantas preocupações com orçamento, e podem investir a mais em coisas que, para ele, a nível pessoal, sejam esteticamente mais agradáveis. Em outras palavras, o designer acaba ficando com os clientes caprichosos.

E eu poderia fazer mil trocadilhos com Caprichoso e Garantido, mas eu vou poupar você, porque já deu pra entender.

Deixa pra lá… (link)

E agora, José?

Agora torça para aquele cliente que você está prospectando não esteja lendo isso. Brincadeira.

O que precisamos fazer é estabelecer um acordo daqui para frente:

Cláusula primeira: Culpa

A primeira coisa que de fato que precisa acontecer é o designer não culpar os outros pelo seu insucesso profissional (e financeiro também). Culpar o cliente. O mercado. O sobrinho do Corel. O micreiro. Toda a fauna e flora ao seu redor. Pare com isso. Apenas pare. Se o valor não é visto a culpa é sua e de mais ninguém.

Cláusula segunda: Empatia

Segundo, depois de engolir o choro, é hora de se colocar no lugar do cliente e entender o que ele busca, como busca e o que valoriza neste processo. O que é importante para ele? Que resultado ele espera alcançar contratando você? Isso pode ser importante, inclusive, para alinhar expectativas que possam ser irreais ou superdimensionadas. “Porque eu quero vender mais”, por exemplo, depende de muito mais do que um trabalho de design.

Cláusula terceira: Indicadores para o cliente

Uma vez que os pontos chaves para o cliente estão identificados, precisamos criar maneiras de medir como o nosso projeto contribui para o que ele valoriza e da forma que valoriza.

Algumas perguntas que podem ser interessantes de responder. Um pequeno brainstorm aqui:

  • Na visão do consumidor, a percepção de qualidade sobre a empresa mudou?
  • Os custos de produção de materiais diminuíram com a padronização da identidade visual?
  • Houve aumento do fluxo de consumidores após a nova identidade visual? Quantos destes consumidores disseram se interessar em entrar na loja porque gostaram da identidade?

Podem ser vários outros. Cabe a você entender o que o seu cliente busca e estruturar formas de medir um antes e depois.

Cláusula quarta: Indicadores para o consumidor

O auge disso tudo é quando somos capazes de medir o impacto das nossas criações. Já sabemos o que o cliente valoriza e agora precisamos medir de forma adequada se o que criamos está ajudando nos resultados do negócio. Isso servirá como evidência para o cliente, para outros clientes e para você, acima de tudo. É uma forma de percebermos onde devemos gastar mais ou menos energia para o sucesso dos nossos projetos.

Exemplos de indicadores. Outro mini-brainstorm:

  • Mais consumidores lembram de ter visto uma publicação em redes sociais ou uma peça publicitária com a identidade visual nova?
  • Foi mais fácil encontrar a loja com a nova identidade?
  • O consumidor pagaria mais com a identidade nova? A sua percepção de valor do produto e da empresa mudou?

De novo, os indicadores precisam ser avaliados e definidos de acordo com o seu cenário e os objetivos do seu cliente.

Por fim, enfim

O belo é importante. E aquele gut feeling também. Sempre seremos humanos e com espaço para nuances e sentimentos. Mas o designer precisa criar cenários mensuráveis, quantitativa e qualitativamente, se quiser alcançar maior projeção no mercado.

Este para mim é o ponto de virada na carreira de design: associar o processo criativo com uma visão de indicadores. É unir o melhor dos dois mundos. Significa aliar capacidade criativa com o poder de síntese de informações.

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