Me acorde quando eu for um gênio: Um texto sobre Adam Sandler

Alex Maniezo
13 min readJul 6, 2020

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A internet flutua, preenchida diariamente pelas groselhas que falamos . Pois aqui vai uma: Daqui uns quinze, no mais tardar trinta anos, Adam Sandler será considerado um gênio. Não só porque as pessoas gostam dos filmes deles — tanto os realmente bons quantos os ruins de doer o cu -, mas porque ele se tornou um tipo de personagem por si só, como Clint Eastwood, como Claudia Cardinale, como o Tony Ramos fazendo estrangeiro nas novelas da globo.

Você sabe o que esperar por ele simbolizar algo, um tipo de comédia — geralmente romântica — que tem bases sólidas dentro da mente do espectador.

Isso isoladamente sustenta meu ponto, entretanto existe um outro aspecto: o ex-SNL possui, por simples média aritmética, a mesma quantidade de filmes bons que grande parte das “figuras emblemáticas” do cinema, que hoje são cultuadas por serem velhas, por estarem mortas, porque a New Yorker falou que é maneiro ou porque ganhou Cannes.

Inclusive, não existe nada errado em ser glorificado por isso, a maioria das pessoas merece, fizeram coisas realmente boas e em nenhum momento vai rolar aqui a tentativa de classificar o ator cabeçudo como “bom porque não é cult”.

Isso é coisa de idiota, se você é assim, vai tomar no seu cu.

Enfim, vamos em frente.

l ARQUÉTIPO

Para quem já assistiu um filme do nosso objeto de estudo, existem alguns padrões que se repetem. Geralmente o filme o coloca em alguma situação de conflito que beira o absurdo — um time de futebol na prisão, um controle que para o tempo, alienígenas em formato de video game ou simplesmente ser o amigo rico da turma — em companhia de uma mulher atraente ao absurdo que se apaixona por seu senso de humor e que acaba envolvida nesse conflito do qual ele faz parte. Como protagonista Sandler sempre tem alguma — ou muitas — habilidades especiais. O mais comum é ser nos esportes, mas ele também já foi arquiteto, figurão de hollywood, bombeiro. Enfim, a lista é gigantesca.

De qualquer modo, isso não é uma formula estanque. Elementos somam ou são retirados dela conforme o filme. O que mais se repete é ele como figura extremamente carismática. Longas que fogem disso costumam brincar com a figura do ator ou são tentativas miseráveis de transformá-lo em um “ator sério” — Já falamos delas daqui a pouco.

Com isso em mente podemos começar a analisar a carreira dele com um filme que entra na categoria de “primeiro filme que me fez chorar”. Adam Sandler seu filho da puta.

Adam Sandler e Cole no filme O paizão

“O Paizão” estreou na TV brasileira nos entremeio de meus três anos de idade. Meus pais eram muito jovens - 23 e 19 anos - e estavam vendo um filme sobre um jovem criando uma criança. Ou uma criança criando outra se formos por esse lado. De qualquer forma, o filme de 1999 trazia Sandler no papel de Sonny Doufax, um cara que decide criar um filho para mostrar sua maturidade para uma garota. Padrão Fifa até ai.

Neste longa vemos o molde completo do que um personagem “humildão” do nova iorquino, com suas comidas baratas, seus amigos em situações igualmente complicadas — inclusive um Rob Schneider que já imaginava a grana poderosa prestes a embolsar na companhia daquele cara — e soluções criativas para problemas que seriam resolvidos de outra forma.

Esses aspectos existem em outras situações de humor em diversos filmes, mas os personagens de Sandler possuem em si uma inocência genuína. O ator é muito bom em transmitir situações extravagantes como totalmente plausíveis para ele. Era um cara que, até ali, transitava no impossível sem se vangloriar .

Outra coisa que faz O Paizão ganhar pontos é o roteiro pueril da coisa. Não é uma história melo dramática, apesar de seus momentos emocionantes, e ao contrário do que veríamos no futuro, não existe uma clara lição de moral.

Você faz as coisas porque precisa, tenta dar os exemplos possíveis para criar um outro ser humano decente. Um cara que no final se mostra tão puro quanto aquele menino que teve de criar. É o clássico papel de evolução na paternidade feito por um ator que não precisava forçar para entrar no papel: ele era completamente habituado a estar fora da linha, uma criança judia de nova iorque em sua cápsula de casualidades.

Talvez a coisa comece a escalar em Herança de Mister Deeds.

A história é a mesma: mano que não liga para dinheiro fica milionário e ta pouco ai pra bosta enquanto tem que se proteger dos gigantes gananciosos e literalmente bigodudos. O elenco, além do Adão no papel de Longfellow Deeds, tem Winona Ryder encarnando a jornalista desencantada com a profissão, mas em busca daquele big break, Babe Bennett.

A escolha da atriz é um primeiro passo rumo as companheiras de filme cada vez mais lindas e apaixonadas por Sandler. Contudo, Ryder não se resume a isso. Ela é a escolha perfeita num longa em que as pessoas da cidade grande são filhas da puta perdidas tentando sobreviver sem “vender a alma”. Deeds, ao inverso, é cheio de alma, de bondade, o homem que tem tudo, mas queria pouquíssimo. Inclusive esse personagem é bem mais parecido com o Super Homem do que a interpretação do Snyder/Cavill, só dizendo.

Enfim, ele já é o cara foda habilidoso carismático em sua força total. É bom no tênis, escala as porra toda para salvar pessoas do incêndio e tem um coração que quer o bem comum, tratando a todos “como gente”.

Adam Sandler sorrindo ao lado de Winona Ryder no filme Herança de mister deeds

A crítica do filme é básica e ai já entramos na lição de moral: No mundo de hoje ninguém se trata direito e para alcançar esse caráter de ouro você precisa ser um pouco criança. Por isso o filme fala muito sobre histórias de antigamente, sobre identidade, sobre sangue, mas de uma maneira simplória. A gente não fala disso por que é um filme bobo, de fato. A resolução final em que ele faz um discurso, a mina fala umas groselhas do diário e tudo se resolve? Merda total. Da mesma forma que é merda, também é o final feliz, inocente como todo o resto da história, perfeito para aquele filme, então a gente aceita.

A Herança de Mister Deeds é uma das melhores empreitadas da carreira de Adam Sandler e o mostra em toda sua força, com as ferramentas que nós usaremos para dissecar a próxima parte do processo: carismático, inocente, essencialmente bom e encubado até a orelha de problemas.

A MÉDIA

A formula funcionou? Vamo botar pra fuder! É assim que funciona a vida mes amigas. A coisa começou a escalar e rápido. Os personagens dele tornaram-se mil vezes mais foda no que fazem, mas perderam parte da inocência que tinham.

Em Click por exemplo boa parte das coisas do padrão FIFA estão ali, mas ao invés de um cara humilde ele é um arquiteto ganancioso e impaciente. Se existe uma habilidade que o comediante cultivou muito bem durante sua carreira é fazer transparecer incomodo e agonia. O diretor que pedir para o Adam Sandler chorar sentido e não espera algo ridículo disso se fudeu.

Por outro lado, colocá-lo em situações que ele vai explodir a menos que tudo exploda é a melhor coisa. Como Paul Thomas Anderson disse em uma entrevista sobre quando trabalhou com o ator, as coisas ficavam dark bem rápido. Adam tinha a habilidade de pirar como um ser humano real de fato surta. Não são dramaticamente plásticos os atos de uma pessoa que esta prestes a tomar no cu fortíssimo e se tem uma coisa que Adam Sandler não é, é plástico.

Só que ele passou de um astro de comédias para um top draw de comédias românticas com moral da história.

Isso gerou coisas ótimas como o remake “Golpe Baixo” — inclusive fazer remake é outra marca importante — e “Como se Fosse a Primeira Vez” ao mesmo tempo que merdas como Click ainda estão ai e fazem sucesso com a quantidade de gente devida.

É um filme marcante para uma boa parte do público e, não fosse alguns exageros aqui e ali? Eu provavelmente gostaria de Click também. Acho que Sandler vai muito bem no papel de profissional sub aproveitado e constrangido.

Ele tem a família Americana perfeita, mas aquilo não é suficiente. Ele quer A VIDA PERFEITA e as vezes o que você tem já é o melhor que qualquer um poderia conseguir e ao passar disso o leite entorna e suja o fogão.

Inclusive essa metáfora é tão precisa quanto aos filmes do ator que tivemos ai a tentativa mais marcante de mudança de paradigma na carreira do Hollywood. Reine Sobre Mim talvez seja um filme bom, mas eu odiei ele com todas as minhas forças quando assisti — e eu assisti duas vezes. Minha família sempre foi fissurada pelo Nova Iorquino e filmes de comédia, então quando surgiu outro plastificado na banquinha pirata ele apareceu lá em casa mais rápido que pulga em festa de cachorro sujo.

Mas era só um cachorro sujo mesmo. Reine Sobre Mim (2007) na minha memória é uma história sofrível sobre um cara que anda de patins elétrico e perdeu a família nos atentados de 11 de Setembro de 2001. Don Cheadle está lá, foda, e Adam Sandler está lá, fora de sua zona de conforto. Isso PODE ser bom, não fosse o modo como o ator é usado.

A obra mostra um Sandler seco, sem carisma, sem esperança e, por incrível que pareça, sem agonias. Eu lembro de não gostar dele nesse filme e não gostar do filme também. Era estranho, era fora de tom e parecia querer transformar um martelo numa agulha de crochê. Todo ator é uma ferramenta, contudo use-a para a coisa errada e você acabará com um amontoado de linhas feias. Reine Sobre Mim é isso e uma conversa sobre o Falcão da Marvel.

Okay, mas e a média? A média é boa. Num mar de comparações não tão equivalentes é possível traçar alguns paralelos. Primeiro que ninguém tem uma filmografia perfeita. Contudo não é preciso ir muito longe para alcançar o principal nome da comédia hollywoodiana dos últimos 50 anos, seja escrevendo ou dirigindo. Estava lá em Nova Iorque, também de família judia e também com complexo de ser um cara amado por belas mulheres e com habilidades incríveis.

O problema é que Woody Allen é auto depreciativo e lacônico e isso é um pouco mais chique. Também existe o fato dele dirigir de maneira confiante e escrever muito bem. Contudo, porque o diretor acusado de pedofilia e que é casado com a filha adotiva de sua ex mulher é considerado tão grande tendo tantos filmes ruins?

(parentese rápido aqui só pra dizer: que se foda o Woody Allen velho escroto do caralho. Pronto)

Se cavucarmos na filmografia dele existem coisas tão medonhas quanto um Cada um tem a gêmea que merece ou Zohan, com o mesmo uso do arquétipo do Woody Allen — que existe — de maneira bem porquinha e mal conduzida. E eu não sei se existe nos filmes do Herdeiro Deeds algo tão bom quanto Annie Hall ou Manhattan, mas certamente existem tão bons quanto Tiros na Brodway, Matchpoint e outros.

Ah E até onde eu sei o Adam Sandler não é pedófilo, então show.

Primeiro passo está ai: ele tem acertos e erros suficientes para ser alguma coisa, grandes o suficiente para elevá-lo a algum título.

Quanto aos erros, são realmente terríveis e dão vontade de morrer, quem diz isso é uma pessoa que cometeu o erro de assistir Cada um tem a gêmea que merece DUAS VEZES no cinema. Era para eu ter assistido Millenium, mas não deu tempo e quando fomos já tinha saído de cartaz; enfim, histórias para outro dia.

Falando em histórias, vamos a mais uma que exemplifica o porque os erros de Adam Sandler também deveriam ser pilastras desse novo patamar ao qual estamos tentando leva-lo.

Por mais que muita gente goste — eu incluso — Gente Grande é um filme MERDA. Possui todos os erros que um filme pode ter em caracterização, exploração de personagens femininas e piadas de mal gosto. Também faz algo de que falamos acima, exagerando os aspectos do personagem do seu protagonista Lenny Feder aos céus.

Não só dele, mas também de Rob Schneider, Chris Rock, Kevin James e David Spade, que formam o quinteto infernal de basquete da escola qualquer coisa, reunidos após trinta anos com suas famílias para um quatro de julho após o técnico do maldito time morrer.

O filme é dirigido por Dennis Dugan, que fez Zohan, fez Eu os Declaro Marido…e Larry e, por incrível que pareça, também dirigiu O Paizão. Ou seja, é um cara que acertou algumas vezes com Sandler, mas que agora repete a mesma coisa e nesse faz um personagem extremamente rico, não tão humilde, um tanto escroto e completamente bom em tudo que se propõe a fazer. Mais que isso, é um filme de super time, como se, na cabeça dele, o filme fosse um mercenários da comédia.

Não é, é uma merda MESMO, com uma grande lição de moral no final, que as vezes os perdedores precisam ganhar e tal e coisa.

Mas se esse filme é tão péssimo, porque ajudaria no argumento proposto? Porque atores grandes e bons fazem esse tipo de exagero. Porra, o Oscar Isaac tava fazendo o Apocalypse esses dias, o JK Simmons faz um filme bom a cada cinco anos, a Reese Whiterspoon fez legalmente loira e todos esses são caras que estão na história do cinema sem dúvida.

Então por mais que você acerte, é necessário um erro catastrófico, uma grande queda, uma merda divertida e vergonhosa para que você possa ter uma pequena infecção, uma falha que vai corroer seu corpo pouco a pouco. É isso que vai trazer coisas piores, mas também vai puxar o último ponto.

Depois de não ter tons de preto verdadeiros ou tons de branco para fortalecer suas cores, Adam Sandler precisava de algo não editado, cru. Era preciso ser ele, mas em um mundo que não estava adaptado a ele.

QUEBRANDO O ARQUÉTIPO

Então, manja Os Imperdoáveis do Clint Eastwood ou o que Crepúsculo dos Deuses é para a Gloria Swanson? É isso que acontece quando você representa algo para uma indústria. Nos vimos isso recentemente com Logan e apesar de Hugh Jackman não ser sempre o mesmo ator em todo filme, a imagem do Wolverine como o fodão indestrutível era sólida o suficiente para, bom, ser quebrada.

Por esse motivo os filmes realmente muito bons que saíram com Adam Sandler nos últimos tempos — incluindo o controverso Joias Brutas — de forma alguma existiriam em sua total força não fosse a carreira longeva do ator, carreira essa que geralmente é execrada por aqueles que amaram essa “nova onda” ou que adoravam o “Sandler do começo” com Punch Drunk Love ou Maluco no Golfe. Era necessário uma quantidade de filmes bons e filmes ruins para que a imagem dele firmasse, para que soubessemos o que esperar quando o inesperado viesse.

O primeiro exemplo de subversão da imagem é no filme de Noah Baumbach Os Meyerouwitz: Família não se Escolhe. Encarnando Danny Adam Sandler faz um merdão de família rica com relações fudidas e uma violência, física e psicológica, que é tão desajeitada e real que o tira um pouco daquele mundo DELE.

E por mais que o personagem pareça diferente do que geralmente o ator interpreta, não é. Ele esta numa situação da qual precisa sair, ele precisa provar um ponto, para o pai artista, a filha cinetasta, o irmão pedante, o mundo, e por mais que ele tente parecer normal ele é essencialmente quebrado.

Tal quebra é o que liga a vida dele com a dos outros tantos personagens que vimos aqui. Todos eles foram quebrados a partir do momento que saíram da zona de conforto deles, indo para prisão ou cortando cabelo.

Agora não existe quebra maior do que a vista em Joias Brutas.

Meu tio disse que foi o pior filme que ele assistiu na vida, muito pior que qualquer filme que o ator amado já havia feito — e acredite, ele adora, viu vários.

A diferença é que não há diferença. O filme de Benny e Josh Safdie é um filme típico do Adam Sandler SOBRE o Adam Sandler. Desde a capa até o título — Uncut Gems em inglês — o filme é um retrato de toda a carreira do ator. Entramos nesse universo através de uma pedra crua que nos leva, metafórica e literalmente, para dentro do ator.

E através de 135 minutos de agonia a gente acompanha um homem em sua jornada mais absurda por um sucesso que ele pensa ser merecido. Seu nome é Howard Ratner e ele é um cara que se acha extremamente atraente, engraçado, bom nos esportes e carismático a ponto de sair dos mais fundos poços de merda com uma piada ou uma desculpa. Se fosse no mundo polido das comédias que amamos odiar ou odiamos adorar, estaria tudo bem. Mas é um mundo arisco, tão real que é inimaginável, quase mágico, a ponto de fechar todas as portas que estariam abertas para Howard caso ele fosse um protagonista de outro filme do Adam Sandler.

Após o Netflix lançar o longa muitas pessoas falaram que agora o ator havia feito um trabalho bom, de fôlego, que estava atuando para caralho. Mas estava tudo ali, o tempo todo. A agonia, a bomba relógio, as situações tão desesperadoras de tão vergonhosas, o medo do fracasso, o inúmeras vezes ganhador do Framboesa de Ouro sempre teve isso, só era preciso que as pessoas parassem de rir.

Quando você submerge desse longa a risada é a única coisa que pode te trazer de volta o fôlego, como o louco rindo do absurdo de tudo, como o próprio Howard que ria na cara de Kevin Garnett ou do seu cunhado mafioso. A diferença única era que o mundo estava sisudo neste dia, e ai rir sozinho se torna auto piedade.

Eu não vi mais nada que ele fez, nem sei se fez, depois disso. Entretanto, mesmo que ele volte as mesmas comédias de antes, esse filme talvez traga um pequeno lampejo de porque as outras obras, boas ou ruins, funcionam com ele.

Adam Sandler é genial porque se propõe a fazer algo e é extremamente eficaz em fazê-lo. Ser um cara que não liga para as taxações de merda e continua empilhando lixo em cima de lixo, lata por lata, com papéis colados num formato estranho. Até que você nota um belo traço e fala “Olha só, talvez ele saiba desenhar”.

Por isso eu acredito fielmente que daqui um tempo será possível olhar de longe essa escultura, entender onde cada um desses pedaços de ouro ou de merda se encaixa e ver o que se forma.

Eu espero que não seja um Rob Schneider gigante.

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Alex Maniezo

Eu desenho e escrevo sobre Pro Wrestling, filmes e quadrinhos. Nada de bom