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O que vem depois da maratona? Outra maratona!

Alexrafacho

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Recentemente, olhando para um relógio de parede, me aturdi diante do ritmo do ponteiro dos segundos. Aquele inexorável movimento me transportou para longe do que estava fazendo no momento. Fiquei incrédulo ao me questionar com que tempo a vida ainda me brindará? Que o tempo é relativo para cada ser e em cada estágio de nossas vidas, não resta dúvidas. Mas algo não se pode relativizar; o tempo não para (como nos cantaria Cazuza).

Vejamos que alguns segundos pode definir toda uma vida dedicada ao treinamento, ao trabalho, quando verificamos, por exemplo, uma disputa pela primeira posição numa prova de maratona atlética. Há poucos dias refleti sobre olharmos para o nosso retrovisor, o retrovisor da vida, e nos perguntarmos o que construímos? Que legado estamos deixando aos que virão? Também refleti sobre a maratona que empreendemos para alcançarmos o nosso tão almejado trabalho. Numa analogia com os maratonistas, é como termos cruzado a linha de chegada. Ironicamente, ou não, este termo definido como ‘linha de chegada’ está relacionado ‘apenas’ ao final daquela prova, no caso, daquele plano traçado e o seu objetivo alcançado. Mas, afinal, o que vem depois dessa linha de chegada? O que nos move para a frente, então?

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Quando li ’12 regras para a vida’ do autor Jordan Peterson me detive por alguns segundos com a seguinte reflexão: “Talvez a felicidade será sempre encontrada na jornada morro acima, e não na sensação passageira de satisfação aguardando pelo próximo cume” (ao tê-lo atingido) — destaque meu. O fato de sermos seres racionais, seres pensantes, nos coloca diuturnamente em contato com a nossa existência e o que dela colhemos ou provemos. Não há dúvida que a expectativa do prêmio é o que nos move em grande parte ao longo da jornada, o que nos motiva, nos inspira, mas o ser humano que se vê como agente propulsor precisa visualizar o prêmio seguinte, e o seguinte, quase como num ciclo ad infinitum (projetando o próximo cume). Questão incômoda, mas corriqueira. E é aí que me acerco à questão sem resposta do post anterior. O que vem depois da chegada à academia?

Uma pausa: o que afirmarei aqui resulta de minhas experiências, minha maneira de ver as coisas, meus valores e meus critérios de moralidade e de ética. Logo, não falo pela ‘categoria’ e nem a ela me dirijo. Estou apenas a expressar pontos de vista no atual estágio de minha carreira — onze anos de atividade em instituição de ensino superior (IES) federal.

O acesso a academia é, para muitos, felizmente, apenas o começo de uma nova maratona que será percorrida, a nova jornada morro acima (provavelmente até sua aposentadoria), com muitos, ou muitíssimos obstáculos até o(s) cume(s) visado(s). Outra pausa: se chegou a academia sem qualquer contribuição previdenciária, e espera se aposentar com 100% do que lhe será de direito, precisará exercer seu trabalho por 40 anos! Retornando aos obstáculos, o primeiro deles é que se você se propôs a fazer ciência, deverá antes estar docente. Na outra ponta, se você se propôs a ensinar (na sua especialidade) não lhe é imputado o dever de fazer ciência. Você pode, obviamente, ser docente e ser cientista (ao menos é o que a banca constituída em um concurso público nas IES procura encontrar, tópico para futuras reflexões). A academia, com seus primórdios em Platão, sempre foi e deverá ser a casa da pluralidade de ideias, da construção do saber (científico), da formação de quadros profissionais de nível superior (de excelência), da extensão (interação com a sociedade) e de domínio e cultivo do saber humano. É o que almejamos. Se é o que encontramos, isso cabe a futuras reflexões.

Saí de São Paulo (UNESP e UNICAMP) chegando ao Departamento de Ciências Fisiológicas da UFSC sem saber ao certo o que encontrar, mas com a certeza do que tinha a entregar. Tudo o que construí aqui na UFSC, construí do zero. Sem amigos e sem referências locais pré-estabelecidas, apenas eu e minha motivação. Ao chegar, apenas cruzei a linha de chegada. É importante salientar que as condições das IES são as mais variadas. A unidade executora na IES normalmente se dá no nível Departamental, que por sua vez está vinculado a um Centro (ou Instituto, ou Faculdade) e este, por sua vez, está sob a égide da Universidade.

As adversidades, com frequência e magnitude de todos os sabores, sempre se farão presentes em qualquer IES pública (e quem dera fosse apenas nas instituições públicas), mas perceba que “cada adversidade traz consigo a semente de uma oportunidade equivalente”, como nos diz Napoleon Hill em seu ‘best-seller’ ‘+ esperto que o diabo’. Voltando ao, ser cientista e ser docente, foquemos no primeiro (o segundo é uma regra na academia, não uma exceção, ainda que hajam docentes e docentes — veja a definição do cargo: professor do magistério superior). Para ser cientista você precisa, acima de tudo, desejar ser cientista. Uma das lições tiradas da extensa obra do mestre *Gilson Volpato é que se você não se identifica e não se envolve emocionalmente com o que faz na ciência, muito provavelmente estará se afastando dela. *Para conhecer melhor seu trabalho, acesse IGVEC. Lembre-se, enquanto no emprego reside sua fonte de renda, em seu trabalho (no seu caso, ser cientista e ser docente) residirá sua fonte de vida.

Se você chegou sem contatos prévios, sem relação com grupos locais, também terá de remar do zero. Isso não será uma agrura se chegar numa Universidade (leia-se Departamento também) com vocação para ciência, com visão acadêmica de excelência, com uma equipe de entusiastas. Provavelmente terá uma estrutura (ex., laboratório, escritório, etc) a sua espera, ou ao menos será integrado em um grupo consolidado. Percebam a importância de você saber para onde está se dirigindo num concurso público (ou instituição privada) e a importância das IES (Departamentos) em se organizarem para receberem os profissionais certos. Assim, não há garantia de que suas expectativas (acumuladas durante as maratonas que te fez cruzar essa linha de chegada) sejam concretizadas no acesso, e sequer ao longo de sua permanência na instituição, se não houver essa simbiose.

Imagem de Gerd Altmann por Pixabay.

Se você chegar com estrutura, com apoio, haverá boas chances de desenvolver um excelente trabalho. Importante frisar a importância vital do contínuo apoio público ao sistema de pós-graduação (CAPES) bem como do fomento às pesquisas científicas (CNPq). Mas, e se chegar sem aquela recepção profissional, o que fazer então? Diria que é motivo de grande frustração, mas, se lembre, em cada adversidade encontrará uma oportunidade equivalente. Dê o seu melhor dentro daquilo que estiver ao seu alcance e verá que no tempo certo deverá encontrar as alternativas (com ou sem apoio institucional).

A academia deve ser um ambiente próspero, construtivo, que nos ajude a iluminar o desconhecido. Se for docente, considere ser cientista, afinal, chegou até aqui por meio de suas contribuições científicas. A rotina científica nos brinda com inúmeras surpresas e oportunidades. Se for cientista, seja um docente igualmente dedicado e verás quão poderá influenciar positivamente na formação de seus discentes. Viva e experiencie todas as atribuições que façam sentido na sua carreira científica e de docência, exercite o seu trabalho primando pela excelência (no nível internacional), forme profissionais que sejam melhores que você, ajude a balizar, a orientar e a construir um ambiente propositivo, que dê significado aos envolvidos. Por fim, seja fiel aos propósitos da universidade e não se submeta aos devaneios daqueles que querem tomar a universidade para si. E por fim, se for se comparar com alguém, que seja consigo mesmo, e se cerque de pessoas boas (como também nos alerta Jordan Peterson).

Observação: referências ou citações que peçam maior aprofundamento ou que sejam de interesse do/a leitor/a podem ser obtidas clicando diretamente sobre os termos destacados de forma sublinhada.

Livro citado: Jordan B Peterson. 12 regras para a vida: um antídoto para o caos. Editora Alta Books. 1ª edição (2018).

Os textos também podem ser encontrados na Plataforma All.EDU

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Alexrafacho

Biólogo (UNESP), Ph.D. Fisiologia (UNICAMP) e docente na UFSC desde 2010. Me interesso por ciências, filosofia, educação, esportes & cultura. Um pai apaixonado!