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Probatório na academia. Fato ou mito?

Alexrafacho
7 min readJun 9, 2023

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Em um dos debates que venho tratando publicamente (LinkedIn) fui questionado sobre como via o estágio probatório na academia. Pois então vamos lá. Procurei tecer algo objetivo, me eximindo de trazer situações pontuais, mas focando no que considero construtivo.

Segundo consta em Lei que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais (Art. 20 da Lei nº 8.112), o servidor nomeado para o cargo de provimento efetivo estará sujeito a estágio probatório. O estágio probatório é definido como período em que o servidor terá sua aptidão e capacidade avaliada quanto ao desempenho nas seguintes atribuições: assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade, estando o mesmo sujeito a exoneração em não tendo atendido satisfatoriamente os requisitos supramencionados.

Nas Universidades Federais o estágio probatório se estende pelo período de 36 meses e são avaliados por meio de uma comissão designada pela chefia em exercício, constituída de 3 docentes (e respectivos suplentes) integrantes de classe igual ou superior à do avaliado. A esta comissão cabe não apenas avaliar as atribuições mencionadas a pouco, mas também acompanhar e orientar o(a) servidor(a) recém-contratado(a).

Em mais de uma década em que estou na UFSC, não soube de algum servidor que tenha sido exonerado por descumprir parte ou o conjunto de tais atribuições nesta instituição. Em textos anteriores apresentei algumas ponderações que se conectam com o presente tópico. São dois textos em que alerto para possíveis incongruências entre o perfil do contratado (servidor) e o perfil da contratante (instituição) durante um processo seletivo. Para maior entendimento, recomendo incluir a leitura destes dois textos (texto 1 e texto 2). Em suma, o ponto fulcral das críticas nestes textos é que é comum haver descompasso entre o que um candidato se propõe a entregar (plano de trabalho) e o que a instituição dispõe de contrapartidas. Em outras palavras, pode o candidato propor a execução de um conjunto de atividades (sem ter constatado a real viabilidade e exequibilidade na preterida instituição) e pode a instituição, representada pela banca, considerar que este plano de atividades corresponde aos anseios da instituição (mas não revela que as condições para tal execução poderá ser insuficientes). Então veja que aqui já teríamos duas situações que provavelmente resultariam no descumprimento de um plano de trabalho bem-sucedido. Então, como fica o acompanhamento, a avaliação e a orientação dos servidores em estágio probatório?

CENÁRIO 1 — Contexto de quem fez a lição de casa estudando a instituição a priori e propondo um plano de trabalho compatível com a realidade desta instituição. Ainda, visualizou a superação de possíveis obstáculos visando promover avanços no ensino, na pesquisa e/ou na extensão (deixaremos a parte de gestão de fora nesse momento):

Este é o caso excepcional, infelizmente, quando deveria ser a regra. Quando o(a) candidato(a) e a banca são cirúrgicos durante o processo seletivo, as chances de que o plano de trabalho seja executado em sua plenitude são elevadas. Ou seja, se o(a) candidato(a) for recebido(a) com as condições de trabalho adequadas e este(a) cumprir com sua proposta como planejado, tudo deverá prosseguir como o esperado. Diríamos que rolou um ‘matching’ e todas as partes estarão satisfeitas, inclusive a sociedade.

Aqui certamente não estamos considerando que a burocracia institucional, as deficiências estruturais e até mesmo a falta de recursos imediatos serão o problema nesse período probatório, pois as partes (servidor, comissão avaliadora, instituição, entre outros agentes) trabalharão em convergência e sintonia para que o plano de trabalho seja levado adiante (terão inclusive previsto estes solavancos). Esse seria o melhor dos mundos e neste caso há claramente mais do que razões para seguir com a aprovação de mérito do plano de trabalho executado no estágio probatório. Obs.: estamos avaliando o plano de trabalho, não a pessoa.

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CENÁRIO 2 — Contexto de quem se apresentou com boas intenções, mas não investigou as condições da instituição a priori e nem a banca foi atenta o suficiente ao fato:

Aqui é onde os desavisados propõem planos interessantes (ou nem tanto), mas não se dão conta de que diante das condições que encontrarão na instituição (fragilidades de diversas ordens) não conseguirão executar seu plano de trabalho. Lembrando que um plano é o que executará e não o que gostaria de executar. Mas acredite, poucos sabem disso num processo seletivo.

Neste caso, quem assume a falha? O(a) candidato(a), agora servidor(a), que não se atentou à esta questão? Ou a banca e a instituição que lhe acolheu, mas não lhe apresentou ou proveu as condições de trabalho? Diria que ambos têm sua parcela, mas veja a importância da montagem de editais coerentes e uma banca analítica. Perceba que aprovar um candidato sem contar-lhe a realidade que encontrará é no mínimo faltoso. Estamos falando de contratos perenes (20 a 35 anos), a não ser que, como também é comum, o servidor procure outra instituição para desenvolver suas competências (a famosa porta giratória). Contudo, aqui um acompanhamento e orientação construtiva pode salvar esse probatório e trazer esse(a) servidor(a) para um ambiente propositivo, estimulante e promissor, mesmo diante das incontáveis limitações. Mas, em não havendo o cumprimento do plano de trabalho e nem o apoio institucional, dificilmente verá um(a) servidor(a) exonerado(a) por não cumprir o que ‘vendeu’. Neste caso, perde a instituição, perde o servidor e perde a sociedade. Ficarão todos na ilusão de dias melhores.

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CENÁRIO 3 — Contexto de candidato que deliberadamente ‘vendeu’ o que não faria e a banca não foi capaz de sondar:

Apenas um parêntesis: como já discuti anteriormente, quem pontuar muito bem numa etapa escrita e didática de um concurso público federal poderá ter selado o destino do mesmo, não importe o que apresente a seguir no plano de trabalho (considerando que apresentou o mínimo para seguir). Seguindo, aqui entramos numa seara que caminha em direção à má-fé. Aqui também se pode incluir aqueles que ‘venderam’ ilusões no campo científico ou de extensão, por saberem desde sempre que se dedicariam apenas às atividades de ensino (apesar de astutamente esperarem vencer o período probatório para anunciar tal decisão) e a banca não teve como prever tal estratégia (agiu de boa-fé). Em ambos os perfis de candidatos (agora servidores) pode haver uma dissimulação durante o estágio probatório e/ou a comissão não ter captado a inadequação do que foi proposto no plano de trabalho e o que se está executando.

Em muitas instituições sequer é exigido um plano de trabalho a priori para o acompanhamento durante o estágio probatório. Aqui na UFSC por exemplo, se dá a posteriori. Então veja, se não é exigido do(a) servidor(a) recém-contratado(a) a descrição do que fará nos 3 anos que se seguirão, não há como a comissão fazer um balanço do que foi ou não foi realizado (ao menos até o primeiro relatório). Por isso é recomendável que a comissão solicite o plano de trabalho apresentado no processo seletivo, uma vez que ali o(a) candidato(a) previu o que faria e a banca endossou ao aprová-lo. Com isso, a comissão poderá colaborar no processo de acompanhamento e orientação que se dará ao longo dos relatórios parciais.

Mas a questão que fica é: e se o(a) servidor(a) deliberadamente ou dissimuladamente não executou o que se propôs a executar, neste caso incorreria em exoneração, certo? Errado. Ainda nos falta cultura para abordar o tema com a retidão que o tema pede. E sendo assim, mais uma vez quem perde é a sociedade que apostou 30 anos num profissional que não executará o plano de trabalho. E após vencido o período do estágio probatório não há mais risco de exoneração a não ser que se cometa atos de improbidade administrativa. Então, agora pode responder você mesmo(a): o probatório na academia é um fato ou um mito?

Destacado estes pontos, finalizo dizendo:

· Aos que cumprem com o plano de trabalho e vão além deste, meus parabéns. Os pagadores de impostos certamente contam com vocês!

· Aos que não acertaram no alvo, mas fizeram a correção pelo caminho, parabéns também. A busca pelo aprimoramento é recompensada pelo trabalho que devolvemos à sociedade.

· Àquele que opte por fazer o mínimo, que ao menos agradeça a sua estabilidade e cumpra com o mínimo, pois na iniciativa privada seria certamente convidado a se retirar.

· Então, fica a dica aos maratonistas da academia. Estude cuidadosamente a casa em que pretende dedicar toda uma vida profissional. Com isso, estará exercendo um trabalho e não apenas desempenhando um emprego.

· Mas é importante que se saiba de antemão a realidade que encontrará, com isso cabe ao candidato decidir ser parte da solução, com um plano de trabalho que tenha em conta essa realidade e se proponha, no mínimo, a propiciar o progresso local.

· Aos membros de banca e gestores, sejam claros com os candidatos e se certifiquem e terem deixado claro as condições locais. Essa conversa franca pode poupar anos de frustração de ambas as partes.

Por fim, reitero que nos falta a cultura da avaliação analítica e propositiva bem como a cultura da autocrítica. Qualquer passo que dermos nessa direção poderá ser um progresso.

Observação: referências ou citações que peçam maior aprofundamento ou que sejam de interesse do/a leitor/a podem ser obtidas clicando diretamente sobre os termos destacados de forma sublinhada.

Os textos também podem ser encontrados na Plataforma All.EDU

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Alexrafacho

Biólogo (UNESP), Ph.D. Fisiologia (UNICAMP) e docente na UFSC desde 2010. Me interesso por ciências, filosofia, educação, esportes & cultura. Um pai apaixonado!