Quando aceitar participar e como proceder em uma avaliação científica?
No post anterior discorri sobre uma realidade que aflige as bancas examinadoras em trabalhos de conclusão de curso: o desconhecimento de muitos candidatos de sua própria tese. Mas comentei também que não é incomum encontrarmos, dentre os membros da banca examinadora, aqueles que dominam pouco sobre o assunto (ou dominam o assunto num aspecto mais técnico) e deixam de captar falhas metodológicas ou conceituais do trabalho ou do(a) candidato(a) em que fora convidado a avaliar.
Pois é, para alguns parecerei um tanto crítico, mas acredito que aqui é um bom ponto de partida para iniciarmos essa reflexão. A palavra crítica no contexto científico se refere a ação de julgar, de examinar algo ou alguém detalhadamente, de submeter o trabalho e o(a) candidato(a) ao crivo científico. Mas para criticar, eu não deveria ser uma referência sobre dado assunto? Ou ao menos possuir experiência comprovada no tópico de modo que me qualifique a julgar cientificamente o trabalho e o(a) candidato(a)? A resposta é sim! Para o nosso respiro, felizmente nos deparamos com inúmeros cientistas qualificados para executar tal tarefa, mas isso não tem sido a regra ou ao menos não é tão homogêneo quanto deveria ser.
A questão é que dependendo de como fomos formados ou orientados, neste caso mal formados/orientados, não percebemos o impacto de um aceite para avaliar algo quando não temos as credenciais científicas para tal. Podemos estender esse convite a ‘n’ situações: você pode ser convidado a participar de avaliações em atividades regulares no ensino de graduação ou pós-graduação (i.e., apresentações orais de seminários ou pôsteres, propostas de projetos de pesquisa, qualificações ou defesas de mestrado ou doutorado). Você também pode ser convidado a emitir pareceres em rotinas científicas que incluem a avaliação de um dado manuscrito científico, uma revisão científica, um capítulo de livro, projetos de pesquisa científicos encaminhados à agências de fomento e até participar de bancas examinadoras em concursos públicos para provimento de cargo ou de promoção na carreira. Vejam que esses são apenas alguns exemplos de ocasiões em que você poderá contribuir com a avaliação de atividades científicas.
Então, quando não devo aceitar um convite? A resposta é simples: se questione o quanto se sente preparado para emitir juízo sobre algo ou alguém naquele dado assunto ou contexto científico. Se a resposta for não, ou seja, não me sinto apropriado de conhecimento para fazer tal crítica, então recuse o convite. É natural que fiquemos lisonjeados com tais convites, especialmente quando se trata dos primeiros convites de nossas carreiras. Isso nos enche de satisfação e nos manda a mensagem de que enfim chegamos num momento da maratona acadêmica em que fomos vistos e reconhecidos. E é isso mesmo. Até aí não há nada de errado. A falha no processo se inicia quando você não faz o filtro para o quê está sendo convidado. Digamos que você é convidado para avaliar um manuscrito científico ou participar de uma banca examinadora de doutorado e percebe que você não se encaixa com aquele conteúdo ou desconfia que não poderá contribuir para colaborar construtivamente a partir de suas críticas. Essa é a hora de agradecer o convite e dizer que não se sente apropriado de conhecimento para julgar aquele determinado assunto. Essa é uma atitude sensata, honrosa e ética. Ao não se colocar a frente da análise, contribuiu para que outro em condições o faça! Isso já é uma contribuição enorme. Infelizmente muitos optam por encorpar seu currículo ou aceitar descomedidamente por se colocarem a frente do convite sem antes fazer essa autoanálise.
Mas quando devo aceitar um convite? A resposta é tão simples quanto a anterior. Se julgar que está devidamente preparado e apropriado de bagagem científica suficiente para começar a nobre tarefa de avaliar algo ou alguém (no contexto científico), então a resposta será sim. Isso vem naturalmente na medida que vai participando da ciência por meio de suas contribuições científicas, sejam elas publicações científicas, participação de eventos científicos com a divulgação de seus estudos, envolvimento com a formação de recursos humanos na pós-graduação, realização de palestras em sua linha de investigação, entre outros. Por exemplo, ao ler o resumo de um manuscrito ou o título de uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado no momento do convite terá ideia do quanto estará em condições de colaborar construtivamente, pois esse é o ponto alto de uma avaliação . Você precisa considerar que fará apontamentos visando colaborar construtivamente, ou seja, buscará melhorar o trabalho do outro! O papel de um(a) avaliador(a) é encontrar padrões, questões, erros, etc que não foram notados pelo autor/candidato. E, quanto mais pontos vulneráveis você identificar no trabalho ou candidato, mais estará contribuindo para o avanço daquele trabalho ou para o progresso daquele(a) candidato(a). Perceba que há membros em bancas examinadoras ou revisores de manuscritos que mais se autopromovem do que avaliam o trabalho ou o(a) candidato(a).
Infelizmente também há a patrulha do politicamente correto que tem distorcido esse momento e apontado avaliadores probos como autoritários quando na verdade deveriam apreciá-los como autoridades. Promover essa inversão de valores é aplaudir a pseudoavaliação e apostar na pseudotitulação. A ciência merece mais que isso.
E, justamente pegando esse gancho, como proceder numa avaliação? Se estiver diante de um documento escrito, deve se atentar, no mínimo, aos aspectos metodológicos, lógicos, epistemológicos. Checar se todas as partes de um trabalho foram atendidas. Em outras palavras: i) se a pergunta está bem justificada e fundamentada em premissas científicas sólidas, ii) se os objetivos e hipóteses (quando houver) estão claros, iii) se o desenho experimental e os métodos quantitativo-qualitativos são os mais adequados para se testar sua hipótese ou descrever/caracterizar um dado fenômeno, iv) se a apresentação dos dados e as análises estatísticas (quando houver) são as mais apropriadas para demonstrar o que se encontrou, v) se a interpretação dos dados foi bem explorada sobre vários prismas, desde o reconhecimento de pontos fortes até eventuais questões em abertas ou vulneráveis, vi) se a conclusão responde ao menos a pergunta inicial e contempla as implicações dos achados para a especialidade ou área, vii) se o trabalho apresentou algo novo e original, que tenha contribuído para o entendimento ou avanço de uma determinada questão em aberto em sua especialidade ou área.
Quanto ao candidato, segue algumas sugestões, mas não limitadas a tais: i) deve ser verificado sua postura diante de uma exposição oral e ao longo da arguição, perante uma banca examinadora, ii) capacidade de síntese, lógica e clareza ao responder e defender seus posicionamentos científicos, iii) cumprimento do tempo (quando exigido), iv) conhecimento do estado da arte (aquilo que está além da bibliografia citada no documento escrito), v) domínio dos aspectos metodológicos, lógicos e epistemológicos supracitados no contexto do documento escrito, vi) posicionamento crítico e autocrítico com relação ao próprio trabalho e ao dos outros, além das implicações de seu estudo.
Percebam o tamanho da responsabilidade ao assumir avaliar um trabalho científico e/ou um cientista. E saiba que é uma atitude nobre, pois é feita de forma voluntária, sem envolvimento de honorários.
Seja você graduando, pós-graduando ou orientador, ao definirem nomes de uma banca examinadora ou para avaliação de um trabalho escrito, considerem indicar os experts do assunto e evitem o caminho com atalhos, desvios, ou seja, o caminho da análise fácil, envolvendo o coleguismo, o corporativismo. Seja avaliado pelos melhores! E você, avaliador(a), apenas aceite essa nobre tarefa quando perceber que poderá honestamente e competentemente contribuir com o avanço daquele conteúdo ou candidato(a). E viva a ciência!
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