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Quando se preparar para um concurso na maratona acadêmica, lembre-se dessa dica.

Alexrafacho
7 min readAug 26, 2022

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Essa dica é para você que está se preparando ou que se preparará em algum momento para os concursos públicos nas instituições acadêmicas (de ensino superior), seja em instituições públicas ou privadas. Desejo que no seu caso isso seja dito no singular!

Me focarei na instituição pública federal e estadual, mas a dica certamente se aplica às universidades privadas. Também estou considerando que você já está suficientemente esclarecido de que atuará tanto no ensino quanto na pesquisa (ou no ensino e extensão). Digo isso porque há quem espera que seja possível ser apenas docente ou apenas pesquisador numa universidade pública. Ao menos quando se apresentar para o concurso público, não cometa esse deslize. Aliás, se espera ser apenas pesquisador, leia-se cientista, considere alternativas. Hoje há inúmeros setores de olho no recurso humano formado em bons programas de pós-graduação para atuarem como pesquisadores. Já, se seu objetivo é atuar exclusivamente como docente, considere atuar em faculdades ou instituições que não foquem em pós-graduação. Na pós-graduação formamos recurso humano qualificado por meio do método científico (pesquisa científica), visando a construção do conhecimento no âmbito da ciência.

Muito bem, então prossigamos. Ao postular uma vaga numa universidade pública deverá apresentar alguns documentos que serão devidamente detalhados nos editais. Entre eles constará o pedido de um Memorial Descritivo, que basicamente consiste em sua autobiografia acadêmica e a descrição comprovada de todas as suas atividades e produções científicas relevantes até o momento do concurso (escreverei sobre isso num post futuro). Outro documento muito importante, talvez o mais relevante, é o Plano de Trabalho. Isso mesmo, Plano de Trabalho. Em suma, quais propostas você tem a apresentar para essa determinada instituição acadêmica. Se você já captou a mensagem, muito bem, se não captou, vou repetir: quais propostas você tem a apresentar para ESSA instituição. Percebeu? Essa instituição, e não para quaisquer instituições. Basicamente aqui está o cerne desta reflexão. Você não pode simplesmente ter uma mesma proposta para qualquer instituição. A sua proposta até pode ser a mais adequada para uma dada instituição, mas isso não quer dizer que é a mais adequada para qualquer instituição.

O Plano de Trabalho deve contemplar propostas para os seguintes tópicos: 1) ensino de graduação, 2) ensino de pós-graduação, 3) projeto de pesquisa, 4) projeto ou atividades de extensão (facultativo), 5) formação de recurso humano e 6) atividades de gestão ou administração (facultativo). Não precisa ser exatamente nessa ordem e pode ser que nem todos os tópicos sejam apontados no edital, pois fica subentendido que o(a) candidato(a) saiba disso (até funciona como forma de saber se os candidatos estão antenados com a estrutura universitária). Esse Plano deve propor algo exequível para ao menos 3 anos de trabalho (normalmente o período de um estágio probatório). Aliás, tema para outro post futuro. Quanto aos tópicos destacados como facultativos, é porque são deveres da instituição, ou seja, enquanto candidato(a), você não tem que obrigatoriamente dominar e apresentar proposta para todos esses tópicos. Mas, se vale a dica, apresente algo para todos os tópicos. Isso mesmo, infelizmente, há uma cultura equivocada que pode chegar até alguns membros de bancas examinadoras que acham que você tem que ser bom em todas essas frentes. Saiba que é dever das universidades, mas não de todos os servidores, prestarem esses serviços (eg., atividades de extensão). Ou conhece alguém que seja um exímio docente, pesquisador, extensionista e administrador? Se sim, espero que essa pessoa tenha vida além do trabalho.

Imagem de Emilian Robert Vicol por Pixabay

E onde está a dica? Passaremos a ela. Atenção. É apenas uma dica. Mas acredito muito em sua validade depois de vivenciar e ver de perto as consequências danosas para os profissionais e para as instituições quando essa dica não é observada pelas partes. A dica é: conheça a instituição para onde está se apresentando como candidato(a) antes de se inscrever no concurso.

Veja como isso direcionará todo o seu Plano de Trabalho:

  1. Seu Plano de Trabalho deve contemplar propostas que você executará e não o que gostaria de executar. Aqui alguns contestarão dizendo que por não conhecer bem a instituição não há como saber ou prever se o que se propõe será de fato exequível ou não. Perceba como é justamente por isso que você deve conhecer a instituição antes! E como proceder? Simples, use todos os recursos disponíveis que vão desde uma visita in loco (quando possível), contato pessoal ou por e-mail com docentes/pesquisadores atuantes no departamento alvo, consulta de webpages do centro/instituto/faculdade/departamento, consulta as webpages dos programas de pós-graduação e laboratórios vinculados aquele dado centro e departamento de ensino, até a análise dos currículos e publicações dos principais docentes daquele dado departamento e programa de pós-graduação. Inclusive é mandatório que na banca examinadora contenha um membro do departamento e é muito comum que quem presida a banca examinadora seja esse membro (quando não é exercido pela própria chefia do departamento no ato do concurso). Só não inclui membro(s) do departamento se houver conflito entre todos os membros do departamento (eg., relação de colaboração científica nos últimos 3–5 anos) com algum candidato inscrito no concurso, o que é muito incomum.
  2. Seu Plano de Trabalho deve ser exequível de acordo com a realidade local, mas sempre visando um salto qualitativo ao grupo. Seu Plano de Trabalho não só deverá ser planejado com aquilo que executará, mas deve garantir que alavanque o grupo. Suponha que você já chegue com recursos (R$) para elaborar um determinado projeto de pesquisa ou de extensão ou que não possua recurso, mas sondou um ou dois nomes do departamento e sabe que em colaboração com esse(s) nome(s) (de preferência faça um contato prévio) conseguirá prosseguir com sua proposta. Veja que se certificando antes, conseguirá propor o que fará e não o que gostaria de fazer. Contudo, reitero, é muito importante que você vá além, ou seja, que sua expertise não só esteja a altura dos colegas, mas que introduza novas abordagens compatíveis com a realidade local (eg., introdução de novos modelos experimentais ou de novas técnicas científicas). Ao não fazer essa lição de casa, perceba que pode, por exemplo, propor um projeto utilizando inúmeras ferramentas de biologia molecular num grupo ou instituição que não dispõe de infraestrutura adequada ou que esteja numa região sem tradição em fontes de financiamento. Você até pode se destacar no concurso por essa visão audaciosa e a banca se inspirar em sua proposta, mas a frustração virá num piscar de olhos e ambas as partes estarão lamentando, quando não se desentendendo.
  3. Seu Plano de Trabalho deve prever abordagens de ensino e, mais importante, conteúdos que deixe claro sua identidade científica e o quanto elas contribuirão para o avanço intelectual do grupo. Além de apresentar como e quais conteúdos ministrará, esteja atento para que sua proposta contemple novos conteúdos ao grupo. Mais uma vez, ter feito a lição de casa te guiará nesse Plano de Trabalho. Perceba que, ao ter conhecimento de quais disciplinas o departamento se encarrega na graduação, você será assertivo na ementa que apresentará (dificilmente vai modificar as ementas de disciplinas da graduação por já estarem bem estabelecidas), mas apresente sua versão. Já, com relação ao ensino de pós-graduação, novamente a lição de casa te guiará na definição de qual programa se veria credenciado (conhecendo antecipadamente os critérios de credenciamento na webpage do programa) e como sua especialidade poderá contribuir para o desenvolvimento daquele grupo. E, nesse caso, não depende de recurso financeiro algum.
  4. Esteja ciente da região, cultura e infraestrutura (se matriz ou campi avançado). É muito comum não nos atentarmos a essas questões pela empolgação ou pela necessidade de conseguir um trabalho). Mas já vou logo dizendo, nem sempre conseguirá se adequar às realidades locais, a cultura, ao clima, a distância dos familiares, do cônjuge, entre tantas outras questões. O Brasil é um país continental com uma diversidade cultural, gastronômica, climática que pode contar e muito. Se é daqueles que preferem cidades grandes, poderá sofrer com a rotina de cidades pequenas, e vice-versa. Um ponto muito constatado e que recomendo muita atenção aos candidatos é o tema da instituição matriz versus campi avançados. Se você espera que nos campi avançados encontrará a mesma infraestrutura e condições de trabalho da matriz, não culpe a instituição ou espere que cada campi se torne o equivalente a uma matriz num curto espaço de tempo. Você deve fazer a lição de casa e procurar conhecer a realidade em cada caso. E se engana quem acha que é simples passar de porta-em-porta saltando entre instituições até alcançar a sonhada instituição de trabalho. Uma vez que está contratado, será inundado de atribuições e sua produtividade (leia competitividade) poderá ficar rapidamente defasada. Assim, estude com cautela e faça a escolha mais assertiva possível, em cidades que se vê construindo seu futuro.
  5. Não se esqueça procurar conhecer as atribuições administrativas existentes em cada instituição de ensino. Se não sabe, saiba agora que são os servidores docentes que assumem todos os cargos deliberativos (reitoria, pró-reitorias, secretarias, direção, chefias, coordenações, comitês, etc). Alguns cargos pagam gratificação salarial e outros não. As gratificações serão mais convidativas quando maiores forem as responsabilidades. Assim, esteja ciente disso e surpreenda a banca demonstrando que conhece as principais instâncias administrativas de sua instituição alvo.
  6. Por fim. Seja honesto consigo e com a instituição que lhe acolhe. O pior dos cenários é quando promete o que não cumpre, como conhecemos no mundo político. Mas diferente da ‘carreira’ política (ao menos para os que não são caciques), uma vez que assumiu uma posição na universidade pública, você ficará por lá até os 65-70 anos de idade. Então, imagine o tamanho de sua responsabilidade e o quanto esse ambiente influenciará sua vida.

Tudo facilita se chegar em um grupo (departamento) competente, sério e que se preparou para lhe receber, que tenha feito uma seleção bastante criteriosa. Que se organizou para lhe dar a melhor condição de trabalho. Infelizmente, são poucos os grupos que assim o fazem nessa nossa complexa academia brasileira. Seja você esse agente, uma vez que seja parte de uma instituição!

Obrigado por me acompanharem e fiquem à vontade para compartilharem, criticarem ou sugerirem temas.

Os textos também podem ser encontrados na Plataforma All.EDU

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Alexrafacho

Biólogo (UNESP), Ph.D. Fisiologia (UNICAMP) e docente na UFSC desde 2010. Me interesso por ciências, filosofia, educação, esportes & cultura. Um pai apaixonado!