Vaca profana

Aline Salvador
3 min readAug 12, 2019

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Reprodução: Google Imagens.

Esse final de semana eu entrei na mira de um grupo de mais de 700 radicais de extrema direita por uma publicação de 2018 que eu compartilhei do projeto Elas por Elas sobre (pasmem) local de fala. A publicação não é minha, eu apenas compartilhei uma imagem, um quadro explicativo sobre o assunto, porque condiz com o que eu acredito. Não marquei absolutamente ninguém, não enviei para ninguém, não respondi a ninguém.

E a partir daí eu entendi a dimensão da nossa realidade atual, do quanto as pessoas estão cegas em ambos os lados que nós mesmos construímos a partir da ilusão de que somos diferentes, de que diferentes coisas nos afetam e interferem em nossa vida, de que o que atinge ao outro não chega até nós. Essas pessoas se incomodaram com um tema tão simples e dispensaram seu tempo e energia para me procurar nas redes sociais, para vasculhar meu perfil e deixarem sua mensagem por lá. Talvez isso devesse me intimidar, talvez isso devesse me dizer para fazer silêncio, para me esconder e esperar a poeira abaixar, esperar que eles me esqueçam e encontrem um novo alvo. Só que no meio de todas essas pessoas incomodadas e me enviando tanta energia densa, eu acabei chamando a atenção de pessoas que se identificaram com a publicação e com o meu perfil. A visibilidade que esse movimento (des)organizado me deu, chamou a atenção de pessoas que eu quero que estejam aqui, pessoas pra quem eu falo, sobre quem eu falo.

De modo geral, anos atrás, quando eu resolvi que iria bancar a pessoa que eu sou e falar sobre ela, escrever sobre ela, sobre tudo o que envolve ser uma mulher pobre, gorda e bissexual diante da realidade que eu vivo, quando eu resolvi que iria viver a minha vida de peito aberto sobre tudo isso, eu sabia (no fundo, bem lá no fundo!) que isso iria me custar relações interpessoais, vagas de emprego e uma falsa tranquilidade que eu achava que tinha. A paz não. A minha paz não me tiram. Eu já vivi bastante, embora tenha nessa vida ainda somente trinta anos. Eu já sobrevivi há muito mais violência do que pensei que poderia existir por aí. E como dizia Bukowski, “sobrevivi a tudo isso e podem me dar porradas com suas vidas raivosas e me queimar em meu leito de morte, mas de algum modo encontrei uma paz perpétua que nunca conseguirão tirar de mim”.

E por isso tudo, por tudo o que envolve essa história, por tudo o que envolve a minha história, eu vou continuar falando sobre o que eu acredito, sobre local de fala, sobre feminismo, sobre bissexualidade, sobre consciência de classe e movimentos sociais em geral, sobre o Lula e como ele mudou a história desse país pra melhor, sobre essa raiva que parece estar entranhada na gente, mal canalizada e banalizada de um modo extremamente ignorante, sobre trivialidades e sobre como foi que nós passamos de um país inteiro na rua mobilizado por vinte centavos para uma distopia conservadora evangélica, em que o presidente é o tio do pavê e as pessoas fazem da internet o seu passe livre de algoz.

Vaca profana põe teus cornos pra fora e acima da manada, bom dia bom dia bom dia!

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Aline Salvador

Preciso escrever como preciso respirar. Falo sobre os meus sentimentos, ando por aí com a língua pra fora, esbaforida, sentindo o vento na cara. @sribeiroali