Como o e-mail mudou minha forma de blogar

Minha experiência ao criar uma newsletter e como isso transformou minha forma de escrever.

Aline Valek
8 min readAug 13, 2014

Escrever é o meu trabalho – e parte desse trabalho consiste em escrever na internet – o que até posso dizer que gosto de fazer, APESAR de ser na internet. Convenhamos: escrever na internet não é exatamente uma maravilha.

Além do espaço de comentários ter se tornado uma área livre para agressões e outras barbaridades, os textos são mais efêmeros na internet. Assim como na feira, aqui o frescor é tudo. A diferença é que na feira, pelo menos, é possível encontrar coisas mais saudáveis.

Desde 2009 mantenho um blog em domínio próprio na internet e, durante esses anos, já quase desisti dele várias vezes. Algumas delas se deveram ao pouco retorno dos leitores; outras vezes, ao desânimo de passar dias, às vezes semanas, elaborando um raciocínio ou uma ideia para transformar em texto e saber que ele seria lido por no máximo dois dias. Depois disso, já seria #old.

Eu nunca desejei continuar escrevendo para manter essa roda girando cada vez mais rápido, alimentando a fome incontrolável de um motor movido a polêmicas. Nunca foi minha intenção escrever apenas para preencher um espaço. Por essa razão, blogar estava se tornando cada vez mais difícil.

O Facebook deu o empurrão que eu precisava para começar a mudar esta situação. Não que ele tenha ajudado; pelo contrário até. Divulgar meu trabalho no Facebook ficava mais inviável a cada dia, ao mostrar para cada vez menos gente as postagens que eu publicava por lá. Na época, com cerca de 8 mil pessoas seguindo minha página, minhas postagens divulgando os textos novos do blog alcançavam, em um dia normal, pouco mais de mil seguidores (atualmente, com mais de 10 mil seguidores da página, o conteúdo que posto ali é visualizado, em média, por 2 mil pessoas).

Esta lógica de cobrar para que o conteúdo alcance mais pessoas pode até fazer sentido para empresas, mas não para produtores de conteúdo – e muito menos para as pessoas que querem receber esse conteúdo que produzo. Por essa razão, decidi dar uma banana para o Facebook e arrumar uma outra alternativa para divulgar meus textos e manter contato com meus leitores.

Foi quando percebi que criar uma newsletter poderia ser uma boa ideia. Eu já conhecia pelo menos três escritores que usavam esse meio de divulgação e achei particularmente interessante a ideia de receber os textos do meu interesse diretamente no e-mail.

Criei uma lista de assinantes e, em fevereiro de 2014, enviei a primeira edição da newsletter semanal Bobagens Imperdíveis.

Inicialmente, minha newsletter tinha o propósito de divulgar os textos que eu havia publicado na semana e trazer outras novidades que eu normalmente postaria em minha página no Facebook. Mas logo ela acabou crescendo e ganhando uma nova dimensão, o que se deveu às próprias características desse meio de comunicação.

Montando a edição #26 no Mailchimp

Uma conversa

De cara, o melhor foi saber que meu conteúdo de fato chegaria às pessoas que comunicaram desejar recebê-lo. Ao deixar de concorrer com outras milhares de postagens diárias pelas quais as pessoas passavam nas timelines das redes sociais, muitas vezes com indiferença, este conteúdo passou a habitar um espaço mais restrito – a caixa de entrada – o que o revestia com uma aura de especial. De repente, as pessoas estavam prestando atenção.

Tratava-se da blogueira, que antes deixava o texto ali para quem o quisesse ler, agora os estar enviando diretamente para o e-mail de uma pessoa. Era um contato de pessoa para pessoa. Isso mudou tudo; a começar pela linguagem que passei a utilizar. O tom mais apropriado deveria ser o de uma conversa.

Com isso, o resultado que destaco como mais importante desde a criação da newsletter foi a qualidade da conexão que consegui estabelecer com o público. Tendo a consciência de que era uma conversa, as pessoas passaram a me responder, o que permitiu que eu conhecesse melhor quem lia meus textos. Agora eu tinha alguma ideia de quem eram, o que pensavam.

Outra vantagem que partiu daí foi o tipo de feedback que passei a receber. No meu blog, eu já tinha fechado o espaço para comentários fazia um bom tempo. Eu estava convencida de que nada de bom poderia sair dali, um espaço onde eu normalmente encontrava críticas de quem só lia o o título e já se arvorava a comentar, agressões, desfile de preconceitos e até ameaças.

Eu já tinha observado que o fato de alguém enviar um comentário que outras pessoas não pudessem ler desencorajava os trolls. Imaginei que as pessoas dispostas a agredir não veriam nenhuma graça em fazer isso em um e-mail direto pra mim, sem nenhuma audiência. Apenas isso já significaria um considerável aumento de qualidade nos e-mails que eu receberia. Mas, muito além do que eu esperava, as respostas que recebi traziam a preocupação de acrescentar algo, com sinceridade e generosidade.

Mais do que trazer comentários sobre as coisas que eu escrevia, as pessoas começaram a me falar DELAS. Como numa conversa qualquer, sentiam-se à vontade para falar sobre elas mesmas, a partir de algum tema que eu levantava. Soube então que eu de fato estava em um diálogo. Vi que eu poderia pedir dicas e conselhos aos assinantes, como quando perguntei se eu estaria sendo babaca se fosse embora de um compromisso se a pessoa demorasse mais de vinte minutos do que o horário marcado – e me mandaram um monte de respostas!

Da mesma forma que se sentiam à vontade para falar delas, também passei a escrever de uma forma mais pessoal. Enquanto os textos que eu pensava para o blog eram mais atemporais e com uma preocupação de ter um argumento mais aprofundado, na newsletter me permiti escrever sobre as coisas que tinham acontecido comigo, ou ainda comentar o que eu tinha visto durante a semana, ou ainda compartilhar meus pensamentos, ideias e opiniões sem me preocupar muito se era algo pronto para ser publicado. O que eu posto na newsletter faz parte de um diálogo e, portanto, está em constante construção.

No e-mail não há o apelo de curtir e compartilhar, que normalmente é o que orienta o consumo de conteúdo na internet. Interagir com os meus textos se deu em outro nível: o de realmente me ouvir. Pelos relatórios do Mailchimp, tive uma pista de que as pessoas realmente clicam nos links que recomendo na newsletter. Mesmo quando elas não me respondem, sei que estão prestando atenção.

Esse meio também me permitiu experimentar mais. A cada edição eu podia inventar uma coisa diferente. Poder escrever uma miscelânea de textos e ainda compartilhar links de leituras legais era um formato novo para mim e que eu não conseguia visualizar acontecendo dentro do meu blog. Mas fazia todo o sentido como newsletter.

Cheguei a escrever uma história que também só fazia sentido por e-mail. “Fora de Lugar” era uma novelinha dividida em capítulos que eu enviava a cada edição e que trazia, como um dos personagens principais, a própria assinante da newsletter, com 10 anos de idade. Ver-se protagonista de uma história chamou a atenção das pessoas e também representou um desafio para mim: para a “magia” funcionar, tive que escrever tomando todo o cuidado para o gênero do personagem ser neutro. Mas se parecia divertido para quem lia, também era uma diversão para quem escrevia.

Comentários

Além disso tudo, tenho outros motivos para gostar tanto de escrever a newsletter. Como os comentários que recebo. Alguns deles:

“Pode parecer bobo, mas tô amando essa newsletter especialmente por conta do meu nomezinho nos e-mails e pelo uso do ‘você’, assim, bem direto, no singular. Valekinha está falando comigo.”

“Assinei a newsletter do blog por único motivo: não queria congestionar a timeline do Facebook com mais uma assinatura que, provavelmente, iria ficar soterrada no meio de tanta tralha virtual. Foi a melhor coisa que fiz. Até agorinha, recebi apenas duas mailletters [o que me deixa feliz por não ser floodado] e li as duas inteirinhas de ponta a ponta. Pelo menos pra mim, a experiência de leitura é muito mais calma. Tua escrita segura minha atenção sem truques baratos de redatores que proliferam pelas internets afora e ainda sem nenhuma afobação em *ter de* curtir, compartilhar ou — pior ainda — encontrar algum troll comentando.”

“Cada vez + intrigado com ‘Fora de Lugar’ a história seriada exclusiva para assinantes da newsletter da @alinevalek. Imperdível as usual!”

“O que mais gosto na newsletter da @alinevalek é que parece que ela está ao vivo trocando uma ideia comigo.”

“As Bobagens Imperdíveis andam cada vez mais necessárias mesmo. Essa sua ideia de reunir assuntos e misturar suas opiniões tem um resultado muito agradável, Aline. E o que dizer das aventuras do Fora de Lugar? Tudo bem que meu personagem é apenas um garotinho mas espero que ele seja vital no enredo da história.”

O que mudou?

Meu blog ainda está no ar e continuo escrevendo textos para publicar lá. Claro, nem toda semana tem post. Enquanto isso, enviar uma nova edição de Bobagens Imperdíveis virou um compromisso semanal – ainda que ela tenha sido criada para divulgar os textos do blog, ela é enviada independente de ter algo novo. Ela acabou se tornando, por si só, a novidade. A frequência, nesse caso, é outro fator importante: as pessoas sabem que sábado é dia de newsletter e já estão esperando por ela!

(ah, tão diferente da época em que eu rezava para que alguém no Facebook visse que eu tinha postado coisa nova!)

Hoje Bobagens Imperdíveis chega a quase 1000 assinantes, um número muito inferior aos 10 mil seguidores da página no Facebook, mas que já me deram um retorno muito maior. Porque o que essa experiência me acrescentou foi muito além dos números.

Não se trata de quantos mil acessos eu tive a mais ou a menos no blog, ou ainda de quantos likes eu recebo agora, ou de toda essa história de “engajamento”, “alcance” e todos esses termos que os social media gostam de usar bastante para medir a relevância de um conteúdo.

Mais do que métricas, a newsletter me proporcionou uma experiência mais humana. Pude entender melhor as pessoas que liam meus textos, pude aprender a dialogar com elas (e ainda aprendo), descobri ainda a necessidade que temos de estabelecer um contato mais próximo, mais íntimo. Tanto quem ouve, quanto quem escreve.

Com Bobagens Imperdíveis, aprendi a me aproximar das pessoas. Escrevendo.

Tudo isso pode não ser grande novidade levando em consideração que os blogs surgiram como um tipo de diário. Mas é no mínimo interessante que esse formato possa ser resgatado pelo e-mail, justamente em tempos de redes sociais sendo usadas em seu máximo.

Depois de me desanimar tanto com os blogs, veio a newsletter para me mostrar que outro caminho era possível. E que esse caminho tinha como endereço a caixa de entrada de alguém.

Bobagens Imperdíveis pode ser assinada de graça aqui.

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Aline Valek

Escritora e ilustradora. Autora do romance "As águas-vivas não sabem de si"