Cuidados com sua energia criativa

Comece respirando

Aline Valek
5 min readJan 30, 2018

Inspire. Expire.

Demorei uns 30 anos de vida para enfim prestar atenção à respiração. Inspire, expire. Respirar é o que você faz sem precisar saber. Flui naturalmente. Você nasceu para isso. Então como pude demorar tanto para aprender?

Claro que, como tudo que fazemos, desde conversar até fotografar paisagens, quando fazemos com atenção, fazemos melhor. Com a respiração não é diferente. Inspire, expire. E é importante tomar consciência desse movimento dos seus pulmões porque eles ensinam muito sobre como ser uma pessoa mais criativa.

“Mas quê?”

Vivo falando isso: criatividade não é habilidade exclusiva de quem escreve, pinta, faz música ou participa de competições de culinária na TV. A criatividade é humana. Não importa no que você trabalhe: você é uma pessoa criativa. Combinado?

Criatividade não é sobre ser artista, é sobre resolver problemas.

Não importa a profissão, se é de “exatas” ou de “humanas”, estamos cercadas de pessoas que estão, todos os dias, buscando soluções criativas para seu cotidiano ou para seu trabalho. Acho importante lembrar isso, para você saber que a conversa a seguir é com você!

(imagine que estou apontando o dedo para você e falando com entonação de propaganda de Polishop: sim, isso mesmo, você!)

Me entristece quando vejo que as pessoas acreditam que podem ser mais criativas através de consumo: fazer oficina de escrita com fulano de tal (e geralmente custa uma nota), comprar o material da marca x, usar o aplicativo ou programa y, ler esse ou aquele livro. Tudo isso ajuda, evidente, mas é acessório. Nada disso nos torna criativos, porque já somos criativos. Já temos dentro de nós o que precisamos, mas temos que aprender a usar o que já temos, até para aproveitar melhor o que os recursos, ferramentas e materiais têm a nos oferecer.

Ser mais criativo é uma mudança de postura, sobretudo. Vem de dentro.

Como a respiração: inspirar, expirar. Por que estou te lembrando disso a cada parágrafo? Em primeiro lugar, porque o cérebro, nossa máquina criativa, precisa de oxigênio. Já experimentou exercitar sua respiração, inspirando por 4 segundos, prendendo o ar por 4 segundos, soltando o ar por 4 segundos, e repetir aumentando o tempo aos poucos? Dá até um barato.

Mas a respiração também é pertinente para esse papo porque a mente criativa precisa de energia. E, muitas vezes, não tomamos consciência do que fazemos com essa energia. Jogamos fora sem perceber.

E são tantos os ralos e vampiros que esgotam nossa energia criativa: leituras que não nos acrescentam nada, pessoas que nos desgastam, maratonar séries até o cérebro derreter, abuso de drogas e redes sociais (porque as duas coisas viciam), excesso de informação, desorganização, estar sempre disponível para os outros, ficar nos comparando o tempo inteiro com as outras pessoas, e até aqueles pensamentos autodepreciativos muito cômodos: “não sou boa nisso mesmo, não vou nem tentar”.

Não tem segredo, não tem fórmula mágica: aproveitar melhor nossa energia criativa tem a ver com mudar o foco. Pra mudar o foco, primeiro precisamos prestar atenção. Consciência no inspirar e no expirar: ou seja, prestar atenção no que colocamos para dentro e no que colocamos para fora.

“Ah, agora sim”.

Inspirar é cuidar do input, do que alimenta nossa criatividade: selecionar melhor as informações que estamos lendo, buscar leituras de mais qualidade, valorizar conteúdos e pessoas que nos inspiram e nos ensinam. Tirar algo bom e proveitoso de cada experiência. Focar no que importa.

Mas só é possível focar no que ou em quem importa quando você para, tenta tomar consciência e se pergunta: o que importa pra mim? Não tenha medo de ser egoísta; essa é uma recomendação até nas cartilhas de segurança de avião: coloque sua própria máscara de oxigênio antes de ajudar a colocar em outras pessoas. Não adianta tentar fazer coisas pelos outros se, em primeiro lugar, você não está minimamente bem.

Expirar é cuidar do output: cuidar para que o que saia de você seja tão bom quanto as referências das quais você se alimenta. Falar o necessário. Ser mais consciente com cada coisa que você produz e joga no mundo.

Será que não estamos contribuindo com o entulho de informação desnecessária da qual o mundo já está cheio? Tenho pensando muito: por que vou postar isso? Preciso? Pra quê? Se não tenho uma justificativa, guardo pra mim, até para elaborar mais o pensamento e expirar na forma de algo melhor.

(esse texto, por exemplo, passou no crivo)

Não é que eu já faça tudo isso; estou tentando fazer. Estou na busca por ser mais consciente, mas estar nesse tipo de jornada significa falhar com frequência. As poucas medidas que tomei, no entanto, já fizeram muita diferença.

Por exemplo: parei de participar do Twitter. Só estava servindo para escoar minha energia e alimentar minha ansiedade. Acompanhar em tempo real cada desastre político, tragédia humana e novos memes estava me servindo de quê, se eu não podia fazer nada a respeito? Se uma notícia for realmente importante, ela vai chegar até mim de outra forma; conversando com as pessoas, por exemplo.

Já o Instagram é onde falho retumbantemente. Tenho perdido tempo demais navegando nas fotos e stories, até porque é a rede social por onde acompanho o trabalho de artistas e ilustradores de que gosto. É minha fonte de referências, mas isso de me alimentar de cada momento da vida dos outros me desgasta. Talvez eu devesse criar uma outra conta só com os perfis de artistas, pra acompanhar com mais frequência? É uma ideia.

Dizer “não” tem sido o mais difícil. Fui criada para ser uma boa proletária: estar à disposição, obedecer, servir. Mas se eu quero priorizar os meus projetos, preciso me impor mais, proteger meu tempo. Tive que dizer “não” para vários convites e até para o convívio das pessoas mais próximas (mas geralmente elas entendem quando você não pode se encontrar com elas num final de semana porque está trabalhando, até porque tá todo mundo ralando o cu na ostra de tanto trabalhar, né nom? Um beijo, amo vocês, amigos workaholics).

Pensar no respirar também ajuda. No meio de tanto ruído, nada como mandar um pouco de oxigênio para o cérebro. Pela respiração de qualidade, sua criatividade agradece.

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Aline Valek

Escritora e ilustradora. Autora do romance "As águas-vivas não sabem de si"