Tecnopaganismo — a Unificação dos Mistérios

Alissa Mune
4 min readSep 28, 2015

--

Tecnopaganismo surgiu no vocabulário pagão há aproximadamente trinta anos. É a vertente do paganismo (ou sub-vertente do neopaganismo) que acredita na espiritualidade, inclusive, dos dispositivos tecnológicos, como um carro ou um computador. Alguns tecnopagãos praticam rituais e performam feitiços para aumentar a capacidade de carros, proteger sua privacidade na internet e afins. Alguns afirmam até que pagãos que utilizam tecnologia para praticar seus rituais, como isqueiros nas fogueiras e headphones para as músicas, compartilham um pouco deste mundo pouco explorado.

Ele aprecia a tecnologia e a natureza, acreditando que não se pode separar um do outro, já que o ser humano desenvolve ferramentas para a prática de magia desde os mais primórdios tempos. O que ele prega, portanto, é a união em si do que foi separado pela mecanização realizada pelos humanos. A linha entre o que é vivo e o que não é vivo se parte, tornando duas palavras em uma totalidade.

Para atingir o equilíbrio é necessário se desapegar da velocidade da inovação, e do seu consumo. Ainda é essencial para os tecnopagãos que a natureza antes do homem seja respeitada, evitando assim a ilusão de que ela se vinga do mal feito a ela. A natureza é cíclica, e assim como um trem sem trilhos, despencará violentamente e causará destruição ao que encontrar em seu caminho se danificada.

Muitos pagãos atuais estão muito bem conectados. Viver no mundo ocidental do século XXI torna difícil a total exclusão do mundo tecnológico e isto talvez não seja desejável. O ciberespaço, termo cunhado por William Gibson em sua obra-prima Neuromancer, parece ser tão não-físico quanto o mundo mágico, tão inalcançável e invisível quanto fadas e mana. Seu manejo é quase ritualístico: tem música, dança, movimento, leitura, mantras e união. Mas como em quase tudo, incluindo a prática de magia tradicional, é necessário procurar equilíbrio. Não se pode depender apenas de feitiços e computadores para viver.

Agora, para além do uso das máquinas, o que significaria a espiritualidade de uma máquina?

A cena é do filme Ghost in The Shell. O clipe que exemplifica o texto tem apenas dois minutos de duração (47:52 até 49:52), mas recomendo o filme inteiro para uma reflexão mais profunda.

O tema envolve magia e filosofia, atingindo nada mais, nada menos, do que a ficção científica. A polarização entre tecnologia e espiritualidade é uma preocupação crescente com a inovação científica. No desenrolar do século XX o medo da ciência atingiu seu ápice: haveria algum dia androides que se rebelariam contra a humanidade? As guerras mundiais eram assuntos recentes e frescos nas grandes mentes da vanguarda da literatura (Aldous Huxley, Isaac Asimov, Ray Bradbury, Arthur Clarke) especulativa e aos poucos a tecnologia se tornou algo comum, intrínseca à vida de alguns. Surgiu, então, a possibilidade da união entre androides e humanos. Nasce aí o transhumanismo.

Esta corrente filosófica, colocada em pauta por outro Huxley (Andrew era irmão de Aldous Huxley). De acordo com Andrew o transhumanismo é o “homem continuando homem, mas transcendendo, ao perceber novas possibilidades de e para sua natureza humana”. Isto poderia incluir a total substituição do corpo orgânico, ou o surgimento de consciência em uma máquina sintética, como no filme acima.

A consciência, a alma, o espírito, são abordados desde Sócrates, de acordo com registros, mas possivelmente a existência do “eu” e seu funcionamento é especulado desde o início da racionalidade humana. Naturalmente, o interesse é mágico em sua essência, e pagão em totalidade caso exista crença de surgimento de alma em máquinas: que doutrina ortodoxa prega o desprendimento espiritual de um corpo orgânico? Várias religiões não creem nem que peixes tenham alma ou espírito, quem dirá um programa de computador.

O surgimento da inteligência artificial possibilita, então, a quebra das barreiras do que definiu o humano e a natureza até agora. Pelo que bem sabemos, poderíamos estar na matrix sem nos darmos conta.

Publicado originalmente em ginoides.com e no facebook.

--

--

Alissa Mune

Dedicada à revolução ginoide. Escritora de gêneros, números e graus.