Mudança organizacional: armadilhas no caminho para a flexibilidade e o papel do consultor interno
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Por Letiene Ferreira
Pode parecer contraditório - e até mesmo incoerente - mas é comum que consultores façam movimentos contrários à mudança, potencializando a resistência cultural dentro das organizações, em vez de conduzir às transições necessárias. Precisamos entender que mudar faz parte do processo e que, ao acolher o que emerge, podemos abrir caminhos para a aprendizagem. A contradição pode surgir quando o consultor se insere de maneira imprevista nas normas, crenças e comportamentos do cliente. Quando entra no dia a dia das organizações, o consultor se expõe à cultura e aos processos estabelecidos. Nesse lugar, surgem as armadilhas e convites - muitas vezes inconscientes - feitos aos profissionais, que podemos categorizar. Explorar esses papéis com curiosidade pode trazer aprendizados diversos sobre nossa atuação no ambiente de trabalho. Identificamos e classificamos quatro armadilhas para o consultor no processo de mudança organizacional, ampliados abaixo.
SERVIÇO POSTAL OU MENSAGEIRO
Quando gestor (enquanto cliente) ou a área de Desenvolvimento Humano ou o colaborador da equipe da área cliente esperam que o consultor faça a interlocução de suas demandas e depositam no consultor a responsabilidade de enviar informações claras e coerentes de uma ponta a outra.
Esse convite pode se tornar desgastante e potencializar ruídos de comunicação em culturas onde acordos de colaboração não acontecem de forma produtiva.
Exemplo de fala: “O RH precisa melhorar seus processos! Fala com sua gerência sobre isso. É preciso resolver”.
NEGOCIADOR DE FRENTE
Quando a diretoria ou área de Desenvolvimento Humano sugere que o consultor exerça sua influência para convencer ou negociar em nome dos mesmos junto ao gestor ou equipe da área cliente.
Exemplo de fala: “O gestor daquela área não está cumprindo algumas diretrizes, é importante levar esses resultados para ele e definir ações. Achamos (RH) que ele não entendeu muito bem a proposta. Contamos contigo para isso”.
PSEUDO ESTRATÉGICO
É a repetição do discurso “estratégico” da organização com muita linguagem de negócios, mas muitas vezes não existe um olhar e um pensar consciente sobre se as “ações estratégicas” são realmente importantes ou não, e quais seus impactos nas pessoas, no negócio. Desconexão entre o pensar, sentir e agir.
Exemplo de fala: “Vamos lá, a meta da pesquisa de engajamento é de 80% de satisfação, está escrito no planejamento estratégico! ”
CONSELHEIRO
Também conhecido como “oráculo da fonte”. É aquele que sabe as respostas, que direciona ações e tem sempre uma solução na manga.
Exemplo de fala: “Que bom que você chegou (cliente falando ao consultor), agora você vai me dizer o que eu devo fazer”.
Todos esses convites e armadilhas são úteis e valiosos para o processo de tomada de consciência do consultor como facilitador e impulsionador de mudanças organizacionais. Eles são potenciais bloqueios que servem como sinalizadores do caminho a ser percorrido. Contudo, para que o consultor faça uso deles de forma produtiva e consciente, é necessário, em muitos casos, que as ações sejam modeladas e rumos diferentes das expectativas iniciais dos envolvidos na organização sejam tomados.
O essencial é vivido na presença, as objetividades, no passado - Martin Buber
Isso é desafiador, uma vez que requer sair da zona de conforto, da zona da certeza, das respostas ‘certas’ e dos caminhos conhecidos. Requer reconsiderar, reavaliar o pensamento e as práticas. Requer sentir o que acontece a cada momento na relação com o cliente, expandindo isso para interconexões no contexto organizacional. Requer o uso da experimentação consciente e genuína como alternativa a solução.