Black Lives Matter pode ser o maior movimento da história dos EUA

Allan Kardec Pereira
6 min readJul 4, 2020

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Tradução: Allan Kardec Pereira

Por: Larry Buchanan, Quoctrung Bui e Jungal K. Patel

Os recentes protestos do Black Lives Matter atingiram o pico em 6 de junho, quando meio milhão de pessoas compareceram em quase 550 lugares nos Estados Unidos. Esse foi um único dia em mais de um mês de protestos que ainda continuam até hoje.

Quatro pesquisas recentes — incluindo uma divulgada esta semana pela Civis Analytic, companhia de ciência de dados que trabalha com empresas e campanhas democratas — sugerem que cerca de 15 a 26 milhões de pessoas nos Estados Unidos participaram de manifestações pela morte de George Floyd e outros em últimas semanas.

Esses números tornariam os protestos recentes o maior movimento da história do país, de acordo com entrevistas com estudiosos e especialistas em contagem de multidões.

“Nunca vi relatos de participação de protesto tão altos sobre uma questão específica em um período tão curto”, disse Neal Caren, professor associado da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, que estuda movimentos sociais nos Estados Unidos.

Embora seja possível que mais pessoas disseram que protestaram do que realmente tenham feito, mesmo que apenas metade tenha dito a verdade, as pesquisas sugerem que mais de sete milhões de pessoas participaram de manifestações recentes.

A Women’s March de 2017 teve uma participação de cerca de três a cinco milhões de pessoas em um único dia, mas esse foi um evento altamente organizado. Coletivamente, os recentes protestos do Black Lives Matter — de natureza mais orgânica — parecem ter superado em muito esses números, segundo pesquisas.

“Realmente, é difícil exagerar a dimensão desse movimento”, disse Deva Woodly, professora de política da New School.

A professora Woodly disse que as marchas dos direitos civis na década de 1960 eram consideravelmente menores em número. “Se somamos todos esses protestos durante esse período, estamos falando de centenas de milhares de pessoas, mas não de milhões”, disse ela.

Mesmo protestos por independência ou para destituir lideranças governamentais geralmente são bem-sucedidos quando envolvem 3,5% da população no auge, de acordo com uma revisão de protestos internacionais feita por Erica Chenoweth, professora da Harvard Kennedy School que co-dirige o Crowd Counting Consortium, que coleta dados sobre o tamanho da multidão de protestos políticos.

Por que esse movimento é diferente

A participação precisa nos protestos é difícil de contar e levou a algumas disputas famosas . Um amálgama de estimativas dos organizadores, da polícia e das notícias locais frequentemente compõe o total oficial.

Mas os registros de equipes de contadores de multidões estão revelando números de escala extraordinária. Em 6 de junho, por exemplo, pelo menos 50.000 pessoas compareceram na Filadélfia, 20.000 no Union Park de Chicago e até 10.000 na Golden Gate Bridge, segundo estimativas de Edwin Chow, professor associado da Texas State University, e pesquisadores do Crowd Counting Consortium.

Nos Estados Unidos, houve mais de 4.700 manifestações, ou uma média de 140 por dia, desde o início dos primeiros protestos em Minneapolis, em 26 de maio, segundo uma análise do Times. A participação varia de dezenas a dezenas de milhares em cerca de 2.500 pequenas e grandes cidades.

“A disseminação geográfica dos protestos é uma característica realmente importante e ajuda a sinalizar a profundidade e a amplitude do apoio de um movimento”, disse Kenneth Andrews, professor de sociologia da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill.

Uma das razões pelas quais houve protestos em muitos lugares nos Estados Unidos é o apoio de organizações como o Black Lives Matter. Embora o grupo não esteja necessariamente dirigindo cada protesto, ele fornece materiais, orientação e uma estrutura para novos ativistas, disse Woodly. Esses ativistas estão indo às mídias sociais para compartilhar rapidamente detalhes de protestos para uma ampla audiência.

O Black Lives Matter existe desde 2013, mas houve uma grande mudança na opinião pública sobre o movimento, além de um apoio mais amplo a protestos recentes. Um dilúvio de apoio público de organizações como a NFL e a NASCAR para o Black Lives Matter também pode ter incentivado o envolvimento dos apoiadores que normalmente ficam à margem.

Os protestos também podem estar se beneficiando de um país que está mais condicionado a protestar. A posição contraditória que o governo Trump adotou em questões como armas, mudança climática e imigração levou a mais protestos do que sob qualquer outra presidência desde a Guerra Fria.

De acordo com uma pesquisa do Washington Post e da Kaiser Family Foundation, um em cada cinco americanos disse ter participado de um protesto desde o início do governo Trump, e 19% disseram serem iniciantes em protestar.

Quem está protestando

Mais de 40% dos condados dos Estados Unidos — pelo menos 1.360 — tiveram um protesto. Ao contrário dos protestos anteriores do Black Lives Matter, quase 95% dos condados que protestaram recentemente são majoritariamente brancos, e quase três quartos dos condados são mais de 75% brancos.

“Sem contrariar a realidade e o significado do apoio generalizado dos brancos no movimento nos anos 60, o número de brancos que atuavam de maneira sustentada na luta era relativamente pequeno, e certamente nada como as porcentagens que vimos participando nas recentes semanas”, disse Douglas McAdam, professor emérito da Universidade de Stanford que estuda movimentos sociais.

Segundo a pesquisa do Civis Analytics, o movimento parece ter atraído manifestantes mais jovens e ricos. A faixa etária com a maior parcela de manifestantes era de pessoas com menos de 35 anos e a faixa de renda com a maior parcela de manifestantes era a que ganhava mais de US$ 150.000.

Metade dos que disseram ter protestado disseram que era a primeira vez que se envolviam com uma forma de ativismo ou manifestação. A maioria disse que assistiu a um vídeo de violência policial contra manifestantes ou a comunidade negra no último ano. E dessas pessoas, metade disse que isso as tornava mais favoráveis ​​ao movimento Black Lives Matter.

Os protestos estão colidindo com outro momento decisivo: a pandemia mais devastadora do país na história moderna.

“Estar em casa e não ser capaz de fazer muita coisa, pode estar amplificando algo que já é meio crítico, algo que já é um poderoso catalisador e isso é o vídeo”, disse Daniel Q. Gillion, professor da Universidade da Pensilvânia, que escreveu vários livros sobre protestos e política.

“Se você não se emociona com o vídeo de George Floyd, é porque está morto por dentro”, disse ele. “E esse catalisador agora pode ser amplificado pelo fato de que os indivíduos provavelmente têm mais tempo para se engajar em atividades de protesto”.

Além do aumento nas manifestações no Juneteeth, o número de protestos caiu consideravelmente nas últimas duas semanas, de acordo com o Crowd Counting Consortium.

Mas a quantidade de mudanças que os protestos foram capazes de produzir em um período tão curto de tempo é significativa. Em Minneapolis, o Conselho da Cidade prometeu desmantelar seu departamento de polícia. Em Nova York, os legisladores revogaram uma lei que mantinha em segredo os registros disciplinares da polícia. Cidades e estados de todo o país aprovaram novas leis que proíbem os estrangulamentos. Os legisladores do Mississippi votaram para retirar sua bandeira do estado, que destaca um emblema de batalha Confederado.

“Parece que, para todo o mundo, esses protestos estão alcançando o que poucos fazem: iniciando um período de mudanças políticas, sociais significativas, sustentadas e generalizadas”, disse o professor McAdam. “Parece que estamos experimentando um ponto crítico de mudança social — isso é tão raro na sociedade quanto potencialmente instigante”.

Texto originalmente publicado no site The New York Times com o título “Black Lives Matter May Be the Largest Movement in U.S. History”, em 3 de julho de 2020.

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Allan Kardec Pereira

Parahybano, doutorando em História pela UFRGS. Estudo o Black Lives Matter e o Afropessimismo https://twitter.com/allan_ksp