O que Cedric Robinson quis dizer com Capitalismo Racial?

Allan Kardec Pereira
5 min readJul 26, 2020

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Tradução: Allan Kardec Pereira

A morte de Cedric J. Robinson este verão na idade de setenta e cinco anos de idade passou quase despercebida. Professor emérito de ciências políticas e black studies na Universidade da Califórnia, Santa Barbara, e, sem dúvida, um dos mais originais teóricos políticos de sua geração, nenhum dos principais jornais nos Estados Unidos considerou que a morte de Robinson merecia um único parágrafo. Embora ele tenha evitado deliberadamente as armadilhas da celebridade intelectual, sua influência foi maior do que talvez ele possa ter percebido. Os atuais movimentos negros insurgentes contra a violência do estado e o encarceramento em massa pedem o fim do “capitalismo racial” e veem seu trabalho como parte de uma “tradição radical negra”, termos relacionados ao trabalho de Robinson.

Nascido em 5 de novembro de 1940, Robinson cresceu em um bairro operário negro de West Oakland. Verdadeiro erudito educado em escolas públicas, ele passou horas na biblioteca pública absorvendo tudo, desde filosofia grega e história mundial até literatura moderna. De fala tranquila, mas nunca “quieto”, ele foi para a Universidade da Califórnia, Berkeley, onde se formou em antropologia social e ganhou destaque como ativista do campus. Ele ajudou a levar Malcolm X para o campus e protestou contra a invasão da Baia dos Porcos, o que lhe rendeu uma suspensão de um semestre. Após a formatura em 1963 e uma breve passagem no exército, Robinson trabalhou brevemente para o Alameda County Probation Department, onde se deparou tanto com um sistema de justiça criminal racialmente tendencioso, quanto com colegas de trabalho determinados a modifica-lo — incluindo sua futura esposa, Elizabeth Peters. E em 1967 o casal, inspirado pelas rebeliões urbanas e pelo movimento anti-guerra, optou por se juntar aos que estavam determinados a mudar o mundo, buscando uma vida de ativismo social e trabalho intelectual.

Em 1974, Robinson obteve seu doutorado em teoria política pela Universidade de Stanford. Sua dissertação, “Leadership: A Mythic Paradigm”, desafiava os conceitos de teorias liberais e marxistas de mudança política, argumentando que a liderança — a ideia de que a ação social eficaz é determinada por um líder separado ou acima da massa de pessoas — e a ordem política são essencialmente ficções. Afirmando que “o pensamento Ocidental ortodoxo não era nem universal nem coerente”, ele finalmente chega à conclusão de que “o político é uma ilusão…histórica”. Quando ele enviou um rascunho de sua dissertação em 1971, a academia estava mal preparada para dar legitimidade a um projeto que questionava os fundamentos epistemológicos de toda a disciplina. Como ninguém poderia razoavelmente rejeitar uma tese tão sólida, elegante e erudita, alguns membros renunciaram ao seu comitê citando uma incapacidade de entender o trabalho. Foram necessários três anos e uma ameaça de uma ação judicial para aprovar a tese e outros seis para publicá-la com o título de The Terms of Order: Political Science and the Myth of Leadership (1980).

A crítica de Robinson à ordem política e à autoridade da liderança antecipou as correntes políticas nos movimentos contemporâneos, como o Occupy Wall Street e o Black Lives Matter, um movimento que se organiza horizontalmente em vez de verticalmente. Seu monumental Black Marxism: The Making of the Black Radical Tradition (1983) credita a Karl Marx a incumbência de não compreender movimentos radicais fora da Europa. Ele reescreve a história do Ocidente desde a Antiguidade até meados do século XX, escrutinando a idéia de que as categorias de classe de Marx podem ser aplicadas universalmente fora da Europa. Em vez disso, ele caracterizou as rebeliões negras como expressões do que chamou de “tradição radical negra”, movimentos cujos objetivos e aspirações confundiam a análise social Ocidental. O marxismo também falhou em explicar o caráter racial do capitalismo. Tendo escrito grande parte do livro durante um ano sabático na Inglaterra, Robinson encontrou intelectuais que usavam a frase “capitalismo racial” para se referir à economia da África do Sul sob o apartheid. Ele o desenvolveu a partir da descrição de um sistema específico de entendimento da história geral do capitalismo moderno.

Então, o que Robinson quis dizer com “capitalismo racial”? Com base no trabalho de outro intelectual radical esquecido, o sociólogo Oliver Cox, Robinson desafiou a ideia marxista de que o capitalismo era uma negação revolucionária do feudalismo. Em vez disso, o capitalismo emergiu dentro da ordem feudal e floresceu no solo cultural de uma civilização Ocidental já completamente infundida de racialismo. O capitalismo e o racismo, em outras palavras, não romperam com a ordem antiga, mas evoluíram para produzir um sistema mundial moderno de “capitalismo racial”, dependente da escravidão, violência, imperialismo e genocídio. O capitalismo era “racial” não por causa de alguma conspiração para dividir trabalhadores ou justificar a escravidão e a desapropriação, mas porque o racialismo já havia permeado a sociedade feudal ocidental.

Os primeiros proletários europeus eram sujeitos raciais (irlandeses, judeus, romas ou ciganos, eslavos etc.) e foram vítimas de despossessão (confinamento), colonialismo e escravidão na Europa. De fato, Robinson sugeriu que a racialização na Europa era um processo colonial que envolvia invasão, assentamento, expropriação e hierarquia racial. Insistindo que o nacionalismo europeu moderno estava completamente ligado aos mitos racialistas, ele nos lembra que a ideologia de Herrenvolk (governança por maioria étnica) que impulsionou a colonização alemã da Europa central e dos territórios “eslavos” “explicava a inevitabilidade e a naturalidade do domínio de alguns europeus por outros europeus”. Reconhecer isso não é diminuir o racismo anti-negro ou a escravidão africana, mas sim reconhecer que o capitalismo não foi o grande modernizador que deu à luz ao proletariado europeu como sujeito universal, e a “tendência da civilização européia através do capitalismo era, portanto, não homogeneizar, mas diferenciar — exagerar as diferenças regionais, subculturais e dialéticas nas ‘raciais’.”

Black Marxism foi amplamente ignorado por duas décadas, até que a sua republicação em 2000 despertou um interesse renovado. E, no entanto, enquanto Black Marxism e sua discussão sobre o capitalismo racial e a “tradição radical” ocuparam o centro do palco, Robinson deixa um vasto corpo de trabalho como teórico político e cultural, notavelmente Black Movements in America (1997), An Anthropology of Marxism (2001), e Forgeries of Memory and Meaning: Blacks and the Regimes of Race in American Theater and Film Before World War II (2007).

Robinson era um pensador desafiador que entendeu que as verdades mais intensas e profundas tendem a desconcertar, a romper com os paradigmas herdados e com o “senso comum”. Quando solicitado a definir seus compromissos políticos, ele respondeu: “Existem alguns âmbitos em que nomes, nomeação, são prematuros. Minhas únicas lealdades são a um mundo moralmente justo; e minha melhor oportunidade e a mais imponente para lidar com a corrupção e o engano são com outras pessoas negras”.

Originalmente publicado na Boston Review com o título deWhat Did Cedric Robinson Mean by Racial Capitalism?”, em 12 de janeiro de 2017.

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Allan Kardec Pereira

Parahybano, doutorando em História pela UFRGS. Estudo o Black Lives Matter e o Afropessimismo https://twitter.com/allan_ksp