O mesmo cara

Marcell Alves
2 min readJan 23, 2015

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Outro dia reencontrei um antigo colega. Fazia muito tempo que não tínhamos contato, mas nem parecia. Pelo que eu me lembrava, ele ainda usava as mesmas roupas, o mesmo par de óculos, os mesmos sapatos surrados. A mesma marca de suor debaixo do braço, a mesma maletinha de mão herdada do pai. O mesmo semblante, o mesmo corte de cabelo. Parecia que o tempo não havia passado para ele.

Durante a conversa, percebi que a sua vida também não tinha mudado: ele ainda estava trabalhando na mesma empresa, com a mesma namorada, morando na mesma casa (da mãe) e com o mesmo carro dando os mesmos problemas de sempre. As piadas eram repetidas, os gestos eram iguais, assim como os tiques. Até o cachorro era o mesmo.

Como sempre, ele reclamava bastante da vida, do calor, do trabalho, da mãe, do carro, da namorada. Ele ainda mantinha os antigos hábitos, e ainda compartilhava alguns interesses comigo. A conversa fluiu bem, como sempre, nem parecia que tinha tanto tempo que não nos encontrávamos.

Nos despedimos com a costumeira promessa de marcarmos qualquer coisa qualquer dia desses, ambos tendo a certeza que o qualquer dia desses nunca chegaria, como nunca chegou antes.

Refletindo sobre esse breve encontro, fiquei um pouco triste pelo meu colega. Ele ainda era o mesmo cara. Ele estava estático no tempo. Nada havia mudado na sua vida, ele estava simplesmente reproduzindo a sua velha rotina cotidiana, dia após dia, como se estivesse preso em um feitiço do tempo.

Isso me ensinou uma lição: nunca quero ser o mesmo cara. Quero viver de modo que, se algum antigo conhecido me encontrar na rua, vai ouvir novidades, histórias, piadas novas. Estarei um pouco diferente, talvez mais bronzeado, com um novo corte de cabelo, talvez mais barrigudo, talvez mais ranzinza. Terei viajado, estarei com novos projetos, estarei planejando algo, terei comprado um gato. Quero que pessoa comente depois com algum conhecido comum: “nossa, encontrei com o fulano e ele mudou demais”. Quero quebrar a cara, quero ter novas conquistas, quero melhorar como pessoa.

Mas não, não quero ser o mesmo cara.

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Marcell Alves

Um amontoado de células que por algum motivo insondável tem vida.