Entrevista com Cristine Gallisa

Formada em Jornalismo pela Universidade de Santa Cruz do Sul no ano de 2000, Cristine hoje é repórter da RBS TV do Rio Grande do Sul em Porto Alegre, e nos conta um pouco como foi a sua experiência como jornalista até hoje.

Amanda Bormida
8 min readJun 16, 2016
Reprodução: Twitter.

Primeiramente, o que te fez querer ser jornalista e seguir a profissão?

Na verdade, comigo foi uma coisa meio por acaso. Eu terminei o ensino médio, e fiquei um tempo tentando descobrir o que queria fazer. Eu morava em Cachoeira do Sul, e fui fazer um teste no jornal da cidade, que não contratava formados naquela época; se fazia um teste, sabia escrever, poderia trabalhar no jornal — jornal do interior, pequeno. Eu fiz um teste, e sempre fui muito boa em redação na escola, sempre gostei de escrever, eles gostaram do meu texto e me chamaram. E assim eu comecei a ser jornalista, como ofício de jornalista. […] Depois fui trabalhar em outro jornal, e depois fui pra TV, mas foi meio que por acaso. Não foi uma coisa assim “terminei o colégio, qual faculdade vou fazer agora?”, e acho que foi um caminho que me fez tomar uma decisão mais madura, quando eu decidi realmente ingressar na faculdade para fazer o Jornalismo, pra ter o diploma, acho que tomei essa decisão com mais maturidade, porque eu já sabia como era o ofício do jornalista.

O que prova que você está na área certa?

Foi bem por acaso mesmo. Eu segui isso depois porque me identifiquei muito. Eu trabalhava em jornal impresso no início, então eu gostava muito daquilo ali, gostava muito de escrever. Depois que eu fui pra faculdade que eu descobri como eram as outras áreas da profissão. Como tem a amplitude de televisão, rádio, internet (que na época ainda era uma coisa muito incipiente, mas que te dava outras possibilidades), e até uma proximidade muito grande com a área do cinema, se tu quer ser roteirista, se sabe escrever, se curte a área, tu pode ter um caminho pra isso também. Então eu acho que o que me fez continuar, me fez ter certeza, foi por causa da comunicação mesmo, eu sempre gostei de escrever, de ler muito, era uma coisa que eu tinha desde criança, então acho que meio que naturalizou, acho que nunca cheguei a questionar “se eu não for jornalista, o que eu vou ser?”, “acho que não quero mais ser isso, vou fazer outra coisa”; nunca questionei isso. Foi natural.

Como foi a jornada até onde você se encontra hoje em dia?

Comecei nesse jornal em Cachoeira, que é o Jornal do Povo, que é um jornal que tem bastante tradição na cidade. Fiquei um tempo lá, e me mudei para Santa Cruz do Sul, para fazer a faculdade de Jornalismo na UNISC (Universidade de Santa Cruz do Sul), aí comecei a trabalhar na Gazeta do Sul, que é um jornal que tem lá. Fiquei um tempo no jornal, aí depois fui para a TV lá em Santa Cruz. Fiz uma guinada, saí do impresso e fui pra TV; e de lá vim pra Porto Alegre. Me formei em 2000, já são 16 anos de formação, e de profissão mesmo, comecei a trabalhar em 1993, já são mais de 20 anos de profissão. Parece que foi ontem, mas já faz bastante tempo.

Poderia me contar um pouco como funciona a tua rotina diária aqui na TV? Existe, de fato, uma rotina fixa?

A gente não tem muita rotina, para o jornalista de televisão é menos ainda do que pro jornal impresso. No impresso tem mais o hábito de ficar dentro da redação, de apurar muita coisa por telefone, pela internet. A gente tem que estar muito na rua; o repórter de TV não tem como fazer o seu ofício sem estar na rua, então nunca um dia é igual ao outro. Nunca temos uma rotina de sempre fazer a mesma coisa, ou sempre cobrir o mesmo assunto. Chegamos em um determinado horário que está na escala (que não são fixas, são no máximo escalas semanais). […] Temos plantão nos finais de semana, então a gente trabalha um final de semana para folgar um inteiro, então trabalhamos duas semanas seguidas para ter uma de folga. Não tem folga em feriado, nossa rotina é bem puxada nesse aspecto.

O quanto de dedicação a profissão exige? Desde conhecimento continuo a estar conectado sempre. É necessário?

Bastante dedicação. Temos visto muitos colegas saírem da profissão por causa da questão do conflito com a vida pessoal. […] É uma dedicação bastante exclusiva. São oito horas do dia dedicadas aqui para a TV, e o resto do tempo que não estamos aqui, eu, por exemplo, fico recebendo muitas pautas no meu whatsapp, no meu e-mail. Estou ligada no trabalho mesmo não estando aqui, porque o jornalista tem muito isso de estar procurando pauta o tempo inteiro. Tu sai daqui e já está pensando na possibilidade de uma matéria, de uma pauta. Então tu fica muito envolvido com o trabalho não estando no trabalho.

Por que a TV e não outras áreas do jornalismo? Vir pra TV foi uma coisa natural depois de seguir a área do jornalismo impresso?

Foi uma coisa meio natural. Eu gostava muito do impresso, eu era editora e repórter de política, tinha uma coluna, e era muito identificada com esse tema. Mas a gente sempre pensa também na questão do crescimento profissional. E na empresa que eu estava, no momento que eu estava, não tinha mais onde crescer. Quando a TV me sondou para ser repórter lá em Santa Cruz, me convidou, quando realizei o teste, eu vi nisso também uma possibilidade de fazer uma coisa diferente na área, de me qualificar em uma outra coisa que eu não fazia. Acho que temos que ser versáteis nesse aspecto, claro que nem todo mundo que trabalha em jornal se identifica ou consegue trabalhar em TV, porque tem a questão do vídeo, da locução, enfim, tem outros aspectos que estão por trás. Mas pensei nesses dois aspectos; fazer uma coisa diferente, que eu só tinha experiência das disciplinas da faculdade, e também de ir para uma empresa maior, uma empresa que me possibilitasse crescer. Tanto que depois eu vim pra cá [Porto Alegre]. Então realmente é uma coisa de perspectiva profissional.

E pro jornal impresso, você voltaria?

Eu tenho saudades, sabe? Tenho vontade de escrever, porque no impresso escreve muito. Na TV tu não escreve, se faz pequenos textos com entrevistas no meio. Então isso eu tenho saudade, mas eu não sei se nesse momento em que o jornal impresso está vivendo uma crise muito significativa, e as pessoas estão se descolando tanto do jornal impresso, se eu voltaria nesse momento da minha vida. Claro que podemos pensar que ele está ali no online, que é um outro momento. Mas não sei! Eu nunca parei muito pra pensar, avaliar isso. Porque eu não queria pensar pra não me arrepender: “ah, o que eu fui fazer da minha vida?”.

Tem alguma reportagem/notícia que você já tenha feito que te marcou, ou que lembre até hoje?

De todos esses anos, uma coisa que pra mim realmente foi marcante, em primeiro lugar, é a cobertura da Boate Kiss. Fui pra Santa Maria para acompanhar toda a investigação da Polícia Civil, todos os desdobramentos, e depois a entrega do inquérito, a denúncia na justiça, toda a parte do Ministério Público. Fiquei uns dois meses em Santa Maria, direto. Fiquei cobrindo isso, e tivemos muita proximidade com as famílias, com todo o drama daquelas pessoas que perderam os filhos na tragédia. Então a gente convivia muito com os pais, eles nos procuravam muito. Essa carga emocional era muito forte, toda a expectativa, do país inteiro, de que acontecesse alguma coisa, então estávamos muito nos holofotes na época. Então, pra mim, foi a cobertura mais marcante.

Como jornalista, como funciona o quesito do seu ponto de vista pessoal? Existem muitos jornalistas esportivos, por exemplo, que não divulgam o time que torcem para se preservar. No cargo que tu ocupa existe algo do tipo? Alguma “restrição”, digamos assim?

Até é uma orientação da RBS, que não nos exponhamos muito. Porque hoje estamos muito expostos nas redes sociais; temos os perfis, e as pessoas querem nos seguir, adicionar como amigo, pois veem na TV e querem acompanhar. Eu tenho um cuidado de evitar me expor demais no debate político, porque acho que não podemos internalizar muito as nossas posições [políticas], pois isso pode contaminar o nosso trabalho e levar o público a achar a gente está encaminhando o nosso trabalho de acordo com a nossa orientação. A minha preocupação realmente é tentar evitar compartilhar coisas no meu perfil que possam associar a minha posição a da empresa [RBS], porque para o público lá fora, muitas vezes o que o repórter ou apresentador compartilha, eles podem achar que é a posição da RBS TV.

Esse episódio mais recente do estupro no Rio de Janeiro foi o que eu realmente compartilhei algumas coisas no Facebook, mas porque eu acho que existe um entendimento muito claro daquilo ali, que está acima de qualquer ideologia ou posição política. E que é uma questão realmente de respeito à mulher, então pra mim é uma matéria muito cara, tenho certa militância nisso, até em encaminhamentos de pautas aqui. Já fiz muita matéria sobre violência contra a mulher, então pra mim isso é uma questão muito importante. Não sou dogmática, não sou de levantar bandeira nem panfletar nada, mas acho que em alguns momentos a nossa posição é importante para reforçar algumas coisas.

Quando você começou a faculdade/trabalho, tinha uma percepção do jornalismo. Ainda é a mesma de hoje?

Não, acho que perdemos o romantismo. Temos a tendência de romantizar a profissão, de achar que tudo é muito lindo, de que somos heróis e vamos mudar o mundo. E talvez não mudemos o mundo, talvez façamos pequenas ações que possam mudar a vida de algumas pessoas, de alguma comunidade, que possa ajudar a denunciar problemas. Mas a gente tem que baixar um pouco essa coisa do pedestal. Acho que jornalista se coloca muito no pedestal, de se achar acima do bem e do mal, de achar que tem o poder da verdade, e acho que é uma tendência de enxergar a profissão de uma forma idealizada e romantizada. Mas somos seres humanos; a gente erra, e muito. E temos que todos os dias tomar cuidado pra não errar, e se policiar em relação a isso. Ao longo da maturidade da profissão e também da idade, vamos colocando o pé no chão, e vemos que as coisas são mais cruas, e não podemos nos achar infalíveis, que estamos acima do poder. “A imprensa vista como um quarto poder”, claro que muitas das coisas que acontecem no mundo só acontecem porque a imprensa denuncia. Mas acho que a gente tem que fazer isso com muita humildade.

Qual a melhor parte da profissão?

O que eu gosto mais é ter contato com as pessoas, e isso a TV me proporcionou. Depois que eu vim pra cá, comecei a frequentar lugares, e me relacionar com meios e pessoas, que no jornalismo impresso, como eu era muito segmentada na política, eu não tinha muito contato. No fundo, o jornalista não é uma pessoa comum nesse aspecto. Eu convivo e tenho contato profissional com pessoas e áreas que as pessoas “normais” não têm. Não é todo mundo que entra no Palácio Piratini, no gabinete do Governador, então essa é a parte legal da profissão. É não ter uma rotina e ter contato com coisas e pessoas, o que é muito incrível. É uma vivência muito rica nesse aspecto, de contato com o ser humano, de conhecer a história das pessoas, de ver que as pessoas esperem que se conte a história delas. E quando fazemos uma coisa que realmente impacta na vida de alguém, uma grande denúncia, quando levanta um problema. Isso é muito legal.

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