O que BTS tem me ensinado sobre eventos inesperados

Amanda Vargas
6 min readSep 22, 2020

--

Na última vez em que eu vim me confessar à ponta do meu lápis, falei sobre transições e transformações pelas quais passamos ao longo da vida. No entanto, é interessante observar como esses processos, geralmente, são despertados por um evento inesperado que vem para chacoalhar todas as estruturas daquilo que acreditamos que somos, conhecemos ou fazemos.

Escutando um dos episódios do podcast “Speaking of Jung” (https://open.spotify.com/show/7ndyZNV5xYZxSYXhLzVpBl), pude acompanhar o Dr. Murray Stein trazendo mais uma perspectiva de significados sobre a música “Black Swan”. Como eu relatei na publicação anterior, essa faixa me cativou muito rapidamente por ter o mesmo nome de um dos meus filmes prediletos. Todavia, foi apenas depois de ouvir essa nova explicação que fui mais a fundo em busca da origem por trás desse termo hoje tão difundido.

O termo “Black Swan” (ou “Cisne Negro”) teve sua origem em um acontecimento bastante específico. Até meados do século 17, ainda se perdurava uma crença — usualmente ocidental — de que todos os cisnes existentes eram brancos, visto que apenas esses haviam sido contabilizados até então. No entanto, em 1697, o explorador holandês, Willem de Vlamingh, acabou descobrindo a existência de cisnes negros na Austrália. Assim, este foi um evento completamente inesperado na história que mudou profundamente, por exemplo, a zoologia. O mais engraçado é que, após o descobrimento do cisne negro, parecia óbvio que eles deveriam existir, assim como outros animais de cores variadas também existiam.

Um cisne negro

Mais recentemente, Nassim Nicholas Taleb — autor, matemático e estatístico líbano-americano — retomou o acontecimento descrito acima e postulou uma teoria fascinante. Com seu livro publicado em 2007, “A Lógica do Cisne Negro”, Taleb propôs uma metáfora que descreve um evento que vem como uma surpresa e que suscita efeitos importantes. Desse modo, a sua teoria busca explicar o papel de eventos raros e inesperados, os quais se caracterizam como difíceis ou impossíveis de se prever e que estão além do âmbito das expectativas normais na história, ciência, finanças e tecnologia.

Capa do livro de Taleb

Dito isso, a “Teoria do Cisne Negro” de Taleb se refere, em sua maioria, a eventos inesperados de grande magnitude e conseqüência sob uma dimensão mais coletiva. Entretanto, é nítido que eventos inesperados também afloram efeitos e consequências individuais, bem como podem acontecer em nossa dimensão pessoal.

Voltando ao podcast, foi pontuado pelo Dr. Stein que a música “Black Swan” foi lançada pelo BTS em 17 de janeiro desse ano, pouco antes de entrarmos em colapso com a COVID-19. Ele trouxe isso à tona pois Carl Jung, grande teórico e fundador da Psicologia Analítica, desenvolveu um conceito chamado “sincronicidade”, o qual busca compreender acontecimentos que se relacionam não por uma relação causal, mas por uma relação de significado. Em outras palavras, o que, muitas vezes, chamamos de “coincidências” são, na verdade, eventos sincronísticos não relacionados com o princípio da causalidade, mas por terem um significado igual ou semelhante. Por isso, Jung se referiu à sincronicidade também como “coincidência significativa”. E que “coincidência” foi o BTS ter lançado uma canção sobre um encontro inesperado porém inevitável com a sombra pouco antes de termos um encontro inesperado com um evento “cisne negro”, não é mesmo?

“Black Swan” MV

Para além disso, é fato que a chegada do coronavírus é um evento “cisne negro” sobre a história da humanidade e sobre as nossas histórias pessoais. Todos nós — seja eu, você, os membros do BTS ou qualquer outra pessoa — tínhamos planos e, talvez, metas projetadas para este ano. Inesperadamente e inevitavelmente, nos vimos trancados dentro de nossas casas ou expostos a formas de viver em conjunto absolutamente diferentes.

Porém, em momentos de limitação externa, se abrem a nós possibilidades infinitas em nossas jornadas internas. Estamos enfrentando, como já havia dito em uma publicação anterior, um momento de sombra coletiva — “umbra mundi” — e é possível que você, talvez, assim como eu, esteja enfrentando também um encontro com a sua sombra. Não esperávamos esse momento, mas ele veio a nós e podemos, por mais difícil e desafiador que seja, crescer por meio dele.

Voltando a nossa atenção sobre o BTS, seus membros e o que temos visto deles nos últimos meses, é perceptível como essa repentina “mudança de planos” tem sido dura e dolorosa para eles, bem como para todos nós. No entanto, se apoiando uns sobre os outros e sobre o amor e cuidados de ARMYs, eles têm nos proporcionado um ano repleto de lançamentos de músicas, álbuns, vídeos e uma diversidade imensa de conteúdos que, sinceramente, são o que me fazem levantar da cama em muitos dias.

“Map of the Soul: 7”, “Map of the Soul: 7 ~ The Journey”, “D-2”, “Dynamite” e, muito em breve, um novo álbum. BTS tem, mais uma vez, se reinventado. Diante desse “cisne negro”, eles têm encontrado meios de crescer, se desenvolver e se redescobrir em novos estágios de suas carreiras e, certamente, também de suas vidas pessoas — as quais não nos dizem respeito, a propósito.

Os dias têm passado voando por nós e, neles, não conseguimos encontrar certeza em quase nada. Por isso, como disse Jungkook em entrevista, precisamos encontrar algo — grande ou pequeno — em que nos agarremos e que nos dê motivos e força para, ainda assim, termos esperança e alegria para continuar.

Estou terminando de escrever essas palavras de frente para a janela do meu quarto e tomei alguns minutos para observar a paisagem. As montanhas, as casas, o pasto… Observando superficialmente, as coisas não parecem ter mudado. Enquanto lá fora tudo aparenta mover-se tão devagar, aqui, dentro de nós, a metamorfose parece constante diante desse “cisne negro” e isso definitivamente irá transformar o que conhecemos como mundo.

Porém, olhei para fora da janela uma última vez e percebi que, depois de uma chuva intensa que tivemos hoje, o sol estava ressurgindo por trás das nuvens, brilhante e inspirador, como em qualquer belo dia de primavera. A cena me trouxe à memória aquilo que tem me dado esperança: o amanhã, por mais incerto que ele ainda seja.

Foto que tirei do céu hoje

Assim, eu gostaria de deixar registrada a minha incondicional gratidão ao BTS por estar sendo como um sol sobre nós, assim como espero que nós estejamos sendo sobre eles. Nesse encontro de mãos estendidas diante do evento inesperado, vocês têm sido meu maior exemplo de reinvenção pessoal e eu realmente espero que nós encontremos conforto e força no amor uns dos outros enquanto esperamos a chegada da próxima primavera da vida — sim, ela vai chegar.

“Se você esperar um pouco mais

Se você continuar acordado por mais algumas noites

Eu vou te ver

Eu vou te buscar

Passado o fim deste frio inverno

Até que a primavera venha de novo

Até que as flores floresçam

Fique aí um pouco mais

Fique aí” (Spring Day — BTS)

Então fique aí um pouco mais, okay? Eu acredito em você, eu acredito em nós.

--

--