Ah, se a vida tivesse trilha sonora!
E não é que ela tem?
Olha, confesso que tenho esse livro há uns anos. Tentei ler na época que comprei e achei chato. O desafio me animou a tirar a poeira dele e botar pra jogo novamente. E é aí que mora a maravilhosidade do amadurecimento: dessa vez adorei a leitura.
Não tem como ler sem ouvir as faixas sobre as quais ele fala. Fiz uma playlist com as músicas que achei no Spotify e, durante 2h por dia no ônibus indo e voltando do trabalho, ouvi e li música.
Antes de mais nada, não, não são todas as músicas que o Nick associa com um momento da vida dele, estilo trilha sonora. Ele usa as músicas como bengala para argumentos que ele quer fazer. 'I'm like a bird' da Nelly Furtado (única que eu conhecia dentre as 31) ele usa para falar de preconceito musical, de como as pessoas se sentem superiores a gêneros inteiros e não dão chance para coisas novas. Ele associa isso a insegurança, medo de parecer alguma coisa para os outros que não é aquilo com que nos identificamos. Ele termina falando também de identificação, mas de um jeito muito menos esnobe:
I was sitting in a doctor's waiting-room the other day, and four little Afro-Caribbean girls, patiently sitting out their mother's appointment, suddenly launched into Nelly Furtado's song. They were word-perfect, and they had a couple of dance moves, and they sang with enormous appetite and glee, and I liked it that we had something in common, temporarily; I felt as though we all lived in the same world, and that doesn't happen so often.
Nick argumenta que, se você realmente gosta de música, poucas vão marcar um fato específico da sua vida, pois a canção vai te acompanhar por muito tempo, e a memória específica será desgastada pelo tempo e pelo replay.
Contrariando isso, as duas músicas que eu mais gostei marcaram algo da vida dele.
Smoke - Ben Folds Five
🎵 Você pode escutar a música aqui
Essa ele usa para falar que, diferente do que muita gente acha, música pop pode ter letra inteligente sim, não precisa ser vazia e chiclete.
Leaf by leaf and page by page
Throw this book away
(…)
Here’s an evening dark with shame
(Throw it on the fire)
Here’s a time I took the blame
(Throw it on the fire)
Here is a time we didn’t speak
It seemed for years and years
And here’s a secret
No one will ever know
The reasons for the tears
They are smoke
Ele associa a metáfora da letra àquele momento condenado de cada relacionamento em que as duas pessoas estão esgotadas, e tudo o que querem é começar de novo zeradas. Como quem não quer nada ele conta que ouviu muito na época do próprio divórcio. Eu não esperava esses vislumbres autobiográficos, e fiquei surpresa com cada pequena confissão. Você acaba sentindo um certo vínculo com ele, que vai crescendo a cada música dissecada.
A Minor Incident - Badly Drawn Boy
🎵 Você pode escutar a música aqui
Essa pertence à trilha sonora da adaptação cinematográfica do livro About a Boy do Hornby e é uma oportunidade para ele nos contar algumas coisas curiosas.
Ele nos dá conselhos engraçados de 'nunca escreva um título que começa com preposição, senão você vai passar o resto da vida se arrependendo e tentando se esquivar de frases como Speaking about About Boy...’. Também faz confissões de que um escritor jamais fica animado com uma estreia de um filme de seu livro, porque isso faz seu trabalho voltar a ser criticado, além de mostrar que muitos de seus amigos próximos nunca leram sua obra.
Ele passa um tempo explicando que o garoto do livro não é inspirado em seu filho, que no máximo ele pode ter se sentido mais propenso a escrever sobre uma criança depois de ser pai mas que não há ali nenhuma similaridade. Porém, ao escutar a música feita para uma passagem do filme ele tem um momento de encanto:
There’s nothing you could never do to ever let me down
O filho dele foi diagnosticado com autismo cedo, e são as coisas que ele nunca irá fazer que fazem Nick se sentir mais protetor e ligado à criança. Para alguém que diz ser escritor porque não tem talento para escrever músicas, esse foi um presentão.
I write a book that isn’t about my kid, and then someone writes a beautiful song based on an episode in my book that turns out to mean something much more personal to me than my book ever did.
Se você já leu Nick Hornby sabe que ele é louco com música.
E, se você gostou do trabalho dele, esse livro vai te dar algumas pérolas: você vai saber de onde ele pegou inspiração para algumas cenas de Alta Fidelidade, vai ter insights da vida dele e aprender um pouco sobre como ele pensa.
Se você não é fã nem quer saber da vida de um cara aleatório, leia pelas músicas. E pela curiosidade dos vínculos que fazemos com elas.
Você vai se pegar pensando sobre as suas próprias marcas.
No final ele dá outra lista mais atualizada de 40 músicas preferidas.
Também fiz uma playlist, para quem se interessar 🙃