Procurar Unicórnios ou Viver com os Rinocerontes ?

Amon Costa
4 min readFeb 1, 2019

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Como é mesmo essa história de bilhão? Quantos o têm? Quantos exatamente virão a tê-lo? Uma sociedade anônima? Mas como assim? Cadê o nome dos responsáveis por tudo isso?

O modelo do Vale do Silício em muitos aspectos é apenas uma grande fantasia criada por pessoas privilegiadas (no sentido mais amplo da palavra), que não necessariamente conhecem o mundo real.

Essas pessoas em boa parte passaram tempo demais no mundo virtual. Nesse contexto, o termo “unicórnio” (designação referente às startups que alcançam o valor de mercado de US$ 1 bilhão de dólares) faz jus ao que descreve — um animal fantástico, dócil, encantador, mas que não existe — ao menos para a grande maioria dos empreendedores. Talvez precisemos parar de dar tanta atenção para esse conto de fadas.

Na verdade, as empresas rinocerontes brancos constituem a maior inovação empresarial que está por vir, porque elas inovam ao olhar para o meio ambiente, ao tratar as comunidades com respeito e ao agir com verdade e propósito.

Que unicórnio que nada; queremos mesmo é mais rinocerontes brancos.

Como parâmetro, consideremos que, segundo a “ The Economist “ , existem hoje cerca de 70 empresas unicórnios no setor tecnológico dos EUA, cujo valor total de mercado estimado equivale à quantia de US$ 273 bilhões de dólares. Esse número de empresas unicórnio representa incríveis 0,07% do total de empresas de base tecnológica do país e equivale a 0,15% do produto interno bruto da economia americana. Apesar das cifras impressionantes, o número relativo de empresas unicórnio parece irrisório.

Além de o valor de mercado atribuído a essas empresas ser questionável, devido à singularidade das técnicas de avaliação (que podem ser discutidas em uma outra conversa), parece ser também evidente a falta de aplicabilidade desses modelos em larga escala e para contextos distintos do planeta. Não se trata apenas de concentração de riquezas, mas sim da propagação fantasiosa de um modelo que tem raríssimas chances de se tornar viável para a maioria absoluta dos negócios do planeta. E se no setor tecnológico dos EUA são apenas 0,07% de empresas unicórnios, imaginemos no restante do mundo…

E o que dizer em relação às outras 99,93% de empresas americanas? Sobre aquelas empresas “normais”, que lutam para implementar seus modelos de negócios todos os dias frente às barreiras legais, burocráticas e mercadológicas que existem. Ou em relação às outras tantas empresas instaladas em diversos países do mundo, que buscam o sucesso diariamente, assumindo riscos às próprias custas. Como mensurar o benefício que essas empresas trazem para a sociedade? Melhor, como dar a essas empresas o reconhecimento de seus devidos papéis? Como valorizar as empresas, cujos modelos de negócios geram benefícios locais e distribuídos? E como incentivar as empresas que acreditam que podem mudar a realidade socioambiental de um lugar — ou melhor, que podem regenerar a sociedade e o meio ambiente, porém sem se enquadrarem no modelo necessariamente divulgado como sonho dos empreendedores? A essas empresas não deveríamos dar toda a nossa atenção?

Poderíamos começar intitulando tais iniciativas como rinocerontes brancos , como referência a este belo, tosco e pesado animal, extinto em 2018 e cheio do significado que carrega: a responsabilidade do ser humano em relação a todas as comunidades e a todas as espécies que povoam REALMENTE o planeta, de verdade.

Há mais de 200 anos que consumimos recursos desenfreadamente, sendo o modus operandi da nossa economia pautado por números associados primariamente à produção econômica, sem levar em consideração as condições necessárias para a manutenção básica da prosperidade e da saúde dos seres vivos no planeta. Por isso, mais do que nunca parece ser necessário mudar e abrir espaço para propostas destacadas do padrão usual de operação de negócios, para que seja construído um novo paradigma de relacionamento entre as empresas, a sociedade e o meio ambiente. Além de representar uma oportunidade de diferenciação econômica em relação a outras organizações, tais propostas poderão resultar em benefícios diretos e indiretos para todos os ecossistemas vivos.

Toda vez que deixamos resquícios da visão tradicional e conservadora permearem as nossas atitudes, abrimos brecha para que mais um rinoceronte branco seja extinto. Lidar de forma superficial com as nossas atividades sociais é também dar possibilidade para criarmos danos irreparáveis no planeta. Tem sido assim já faz algum tempo, e por isso caminhamos para a sexta extinção em massa (como discutido por Elisabeth Kolbert em “A Sexta Extinção”). E nem o uso de todo o valor de mercado de um unicórnio pode trazer de volta um rinoceronte extinto.

Como o estado do planeta em vários aspectos é alarmante, não parece ser conveniente esperarmos mais. Por isso, precisamos aprofundar alguns pontos e questionarmos as raízes de alguns conceitos aparentemente estabelecidos, para fazermos jus ao benefício das consequências. Sendo assim, a questão que se propõe é a seguinte: os unicórnios não existem, mas os rinocerontes, por enquanto, sim. Rinocerontes são animais tão fantásticos quanto os primeiros, mas estão sendo dizimados. Que tal darmos alguma atenção a eles? Seria muito especial podermos nos reconectar com a natureza e ver a citação de Lewis Carrol reeditada para a conversa de um rinoceronte com Alice (do País das Maravilhas), ao invés de um unicórnio:

“Se você acreditar em mim, vou acreditar em você. Isso é um trato?” , diria o rinoceronte aos seres humanos.

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Amon Costa
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Written by Amon Costa

Gestor ambiental, Designer e Empreendedor social. Fundador da Zebu Mídias, da Mancha Orgânica e da Biobeads.

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