Qual a importância de se ter uma mulher negra como ministra do STF?

Ana Beatriz Aith
5 min readOct 26, 2023

26 de outubro de 2023

Por Ana Beatriz Aith

STF — Reprodução: Conselho Nacional de Justiça

O Supremo Tribunal Federal (STF) é composto por 11 ministros, indicados pelo presidente e aprovados pelo Senado Federal. O cargo que ocupam é vitalício, o que faz com que permaneçam nele até a morte ou a aposentadoria — que é o caso de Rosa Weber, ministra que se aposentou este ano. Com sua saída, o atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, é responsável por escolher um(a) novo(a) ministro(a), e a pressão colocada nele é para que escolha uma mulher negra para o cargo.

Histórico de ministros do Supremo

No Brasil, o Supremo Tribunal foi fundado em 1808. Até hoje, contou apenas com três mulheres — Ellen Gracie, Cármen Lúcia e Rosa Weber — e 171 homens ministros. Além disso, do número total de homens ocupantes do cargo, apenas três foram homens negros: Pedro Augusto Carneiro Lessa, Hermenegildo Rodrigues de Barros e Joaquim Barbosa — escolhido pelo presidente Lula em seu mandato anterior.

Por que é ruim ter majoritariamente homens brancos no poder?

O Brasil é o sétimo país mais populoso do mundo, sua nação é composta 51,1% por mulheres e 56,1% por pessoas negras. Assim, seria necessário que o órgão público de maior relevância nacional representasse sua população — mas esse não é o caso do Brasil.

Para ter políticas públicas que contemplem por completo a população brasileira, as pessoas no poder devem estar alinhadas com suas necessidades. A falta de mulheres e pessoas negras no poder, bem como membros da comunidade LGBTQIA+, contribui para um país injusto e desigual, que não atende às demandas de sua maioria — e menos ainda de suas minorias.

Maria Palmira da Silva, mulher negra e diretora acadêmica da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), compartilhou seu ponto de vista. Para ela é muito importante que os espaços de poder sejam ocupados por mulheres e pessoas negras, mas que deve haver cuidado para que se tenha a característica mais importante: progressismo.

“Não basta ter apenas a cor de pele escura, ser mulher preta, por que a gente pode também cair num equívoco de você apenas indicar uma pessoa de pele escura, de pele preta, e ter uma pessoa extremamente reacionária lá no STF. […] Tivemos no governo passado pessoas de pele preta que eram extremamente reacionárias, pessoas que eram totalmente contrárias a políticas de ações afirmativas, eram pessoas que trabalhavam destruindo tudo aquilo que se construiu em prol dessa população, da população negra.”

Campanhas e repercussão internacional

Com todos esses dados divulgados, a escolha que está nas mãos de Lula passou a gerar uma mobilização no país e ao redor do mundo. Tendo em vista a urgência de se ter, pela primeira vez, uma mulher negra no poder, campanhas estão fazendo barulho para pressionar o presidente a tomar a decisão correta e necessária. No Brasil, as mulheres negras estão expostas à extrema vulnerabilidade, sendo as mais afetadas pela fome, desemprego e miséria. Elas são 25,4% da população total do país, mas nunca foram representadas no Supremo.

Por todo o país, projeções e posters são espalhados diariamente pedindo ao presidente Lula que escolha uma mulher negra para a cadeira a ser ocupada no STF. A Coalizão Nacional de Mulheres (CNM), que reúne lideranças feministas e progressistas no Brasil, é a responsável por organizar essa pressão coletiva ao presidente. Para isso, elas se uniram a outras frentes sociais com o objetivo de amplificar o clamor ao redor do país, rompendo barreiras e se propagando também ao redor do mundo.

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Em Nova Iorque, as telas enormes da Times Square projetaram a campanha que pede pela indicação de uma mulher negra, juntamente ao filme “Todo Mundo tem um Sonho”, que conta a história de uma garotinha que sonha em ser ministra do STF — a ideia foi orquestrada pelo Instituto de Defesa da População Negra (IDPN) e pela Coalizão Negra por Direitos.

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A campanha chegou também a Nova Délhi, na Índia, onde o presidente Lula esteve para uma reunião do G20. Posters com a frase “Em 132 anos, o Brasil nunca teve uma mulher negra no Supremo Tribunal” estavam espalhados por toda a cidade, que recebeu importantes figuras políticas do mundo todo.

Lucineia

A versão brasileira da revista francesa Marie Claire, bem como o jornal Brasil de Fato, reuniram — a partir de uma apuração da Coalizão Nacional de Mulheres (CNM) — algumas juristas negras que Lula poderia indicar para o posto de ministra. Dentre elas, escolhemos uma para falar melhor sobre: Lucineia Rosa dos Santos.

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A advogada de 59 anos é também conselheira da Fundação Padre Anchieta e professora de direitos humanos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ela se formou em administração pela Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) e, posteriormente, se graduou em direito pela PUC-SP, onde também fez seu mestrado em direito do trabalho e seu doutorado em direitos humanos. Seus estudos incluem temas como o assédio sexual na relação de trabalho e a inclusão de pessoas negras no mercado de trabalho.

Ela se declara uma mulher de esquerda e já fez parte do grupo Prerrogativas, criado em oposição à Operação Lava-Jato. Lucineia defende a indicação de uma mulher negra ao STF como forma de impactar problemas fundamentais, como o encarceramento em massa. A professora Maria Palmira possui posicionamento similar ao de Lucineia:

“Tem que desencarcerar, eu acho que o desencarceramento em massa, essa política não deu resultados até agora e precisa ser superada na nossa sociedade. […] Nos estudos da psicologia social, a gente observa que quando você tem casos envolvendo jovens negros e o júri é totalmente branco, a chance de aumento de pena para essa juventude negra é muito grande, bem maior do que quando tem juris mistos”.

Admirada por seus alunos por inspirá-los a lutar por um mundo menos desigual e mais justo, Lucineia recebeu apoio público deles em uma campanha midiática, além de ter sido apoiada pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (CEERT).

O posicionamento de Lula

Em resposta à pressão, o presidente Luís Inácio fez uma declaração afirmando que não está com pressa para escolher alguém para a vaga livre no Supremo, e que sua escolha não se baseará em critérios como gênero e cor.

Para além de seu posicionamento, as campanhas por uma mulher negra no STF seguem ganhando força e espaço. Cármen Lúcia, uma das três mulheres que se tornaram ministras no Brasil, concorda com o apelo do público. Ela pontuou em uma entrevista à Marie Claire que já passou muito da hora de ter uma mulher negra no STF e que não há motivos para não ter.

Não para agradar a opinião pública, mas para manter sua promessa de um governo plural e diverso, Lula deve, sem dúvidas, indicar uma das juristas negras para compor o Supremo Tribunal Federal. Para além disso, esse deve se tornar um evento repetido ao longo dos próximos anos, uma decisão tomada por Lula hoje e pelos próximos(as) presidentes nos anos seguintes. Não pode ser restrito à oportunidade que se apresenta atualmente, de aposentadoria de Rosa Weber.

“Por isso, não só uma, mas as próximas indicações têm que seguir esse indicativo de continuar sendo mulheres, mulheres negras, mulheres que são ali da região norte-nordeste, porque não tem, a maior parte são homens brancos e aqui da nossa região, da região sul-sudeste.” — Maria Palmira

Se concorda com a necessidade e urgência de ter uma mulher negra no Supremo Tribunal Federal, você pode apoiar a campanha através do site: https://ministranegranostf.com.br/.

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Ana Beatriz Aith

Jornalista e cientista social em formação. Gosto de escrever sobre temas da atualidade, política, feminismo e cultura :)