Pantera Negra: Mitos Religiosos e o Respeito pela Ancestralidade (Religiosidade)

Ana Carolina Lopes
4 min readMar 30, 2019

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O filme pantera negra tem muita bagagem cultural e espiritual. O continente africano é rico em espiritualidade, conexão com o plano astral e a exaltação da natureza. Os wakandianos, representam os filhos do continente, sua ciência e sua tecnologia são dádivas dos ancestrais, que não são estrelas, mas filhos da terra. A divisão entre ciência e religião é uma deturpação europeia. A veneração dos ancestrais na cosmologia africana rejeita uma parede dura de separação entre os vivos e os mortos.

Wakanda é uma nação detentora de uma ciência espiritualizada, que representa a grandiosidade criada pelo povo negro, nunca reconhecida.

Na tradição candomblé jêje, Kpòsú é um vodun de luta, poder e força que funda o clã filhos de pantera. E no filme, o poder do Pantera Negra é referenciado como o “Espirito Pantera”, revelando um panteão de espíritos e deidades na espiritualidade sobrenatural, que pode dotar um crente com certas características, incluindo a força.

É possível perceber que os personagens quando se apresentam, não citam apenas seu nome, mas também sua descendência, pessoa X, filho de X ou então pessoa X de X lugar. O que é muito comum em tradições afro-brasileiras, como no candomblé e umbanda, que se apresentem dizendo de que Orixá são filhos (as) e respectivas casas, por exemplo: Mãe Stella, (filha) de Oxóssi. Essa descendência traz consigo uma característica de sua personalidade.

Como no filme, onde o ato de receber o espírito/poder da Pantera, traz a força do animal e sua representação como guerreiro. Podemos fazer uma associação dos personagens com possíveis orixás de quem seriam filhos.

O antigo rei T’Chaka, provavelmente um filho de Oxalá, tornou-se um ancestral e foi para o plano astral, de lá orienta seu herdeiro de como governar sempre com respeito a tradição e os ancestrais.

O príncipe T’Challa representa, como filho de Oxóssi o rei das matas, um caçador estrategista.

Erik, o vilão da obra, após o abandono da família virou um guerreiro (característica de um filho de Ogum) só que sanguinário, focando assim sua missão de assumir o trono de Wakanda para fazer justiça mundial ao povo negro, que sofre até hoje com os preconceitos.

A bela Nakia, grande amor de T’Challa, sedutora e estrategista, como a grande orixá Oxum, ambas conhecidas pela beleza e grande potencial para reinar.

A guerreira Okoye, sendo filha de Obá (senhora dos exércitos do reino africano de Oyó), é poderosa, leal, fiel e violenta para proteger o reino, bem como seu rei e seu povo.

Ramonda, a mãe de Shuri e T’Challa, claramente filha de Iemanjá (mãe de todos os orixás), é quem promove a paz entre as tribos e protege seus filhos.

Já Shuri, irmã de T’Challa, representa uma filha de Ewa (orixá do candomblé), ousada, indiscreta, expansiva, gosta de falar muito e tem uma personalidade instável.

O melhor amigo de T’Challa, W’Kabi, pode ser relacionado com Exu (o guardião dos caminhos e mensageiros dos orixás), por ser líder do exército da fronteira da nação.

M’Baku, chefe da tribo Jabari, mesmo não apoiando o governo de T’Challa, segue como aliado, possivelmente um filho de Xangô (aspira o poder e a justiça).

E por fim Zuri, o sacerdote de Wakanda, que transmitiu sua sabedoria dos ancestrais e responsável pelas ervas sagradas, que ativam o poder de Pantera Negra, um filho de Ossain (o senhor das folhas).

O xamã, sacerdote ou curador, é uma figura essencial na cosmologia africana e religiões afro-brasileiras (os pais e mães de santo), sendo o guardião da história e da memória descomunal. Da mesma forma, o Conselho de Anciãos de Wakanda que aconselha sobre questões de segurança nacional, espiritual e moral.

As mulheres guerreiras de Wakanda, foram inspiradas nas Minos, guerreiras do povo Fon do reino africano Daomé, que formavam regimentos militares contra colonizadores no século 19. Mulheres negras e guerreiras, sem o preceito de “sexo frágil”, o povo negro se enxerga guerreiro como um todo. Espelhados nos ancestrais, independente do gênero masculino ou feminino, todos carregam armas, podendo ser um machado, uma espada ou até mesmo um espelho, cada um com sua estratégia de batalha.

Wakanda ao ser comparada com religiões afro-brasileiras, pode ser considerado o próprio candomblé, o terreiro. O vibranium o axé, a força vital e sagrada, que permite a realização de todas as potencialidades. E sem contar a poderosa saudação wakandiana com os braços cruzados no peito, dizendo “ Wakanda para sempre! ”, fazendo referência aos oxês = machados de Xangô, reverenciando e saudando o rei de Oyó.

A cenas dos ritos de passagem e iniciação do rei são bastante intensas, lidam com a simbologia de morrer para renascer numa nova vida, no contexto o rei é enterrado após ingerir a erva do coração para se conectar com o plano astral, “Da terra viemos e para terra voltaremos”. Entende-se que o paraíso não está no céu, mas no sobrenatural sobreposto ao mundo real.

Essa simbologia se encaixa principalmente no processo de iniciação no candomblé, onde muitos candomblecistas dizem que durante o ritual, “morre-se” para renascer para o orixá.

Os ancestrais estão na terra, por isso que nas religiões afro-brasileiras se anda descalço, sauda o chão encostando a cabeça no mesmo, sauda a ancestralidade e os mais velhos, assumindo assim que sem eles, nada do que se vive no presente seria possível.

Axé pra quem é de axé. E axé pra quem não é também.

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