Eu invadi o Facebook de uma criança de 10 anos que eu não conheço e troquei a senha dela

Ana Freitas
3 min readApr 25, 2015

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O dia em que A Metamorfose, O Processo e A Usurpadora se tornaram uma história só

Numa manhã de fevereiro, eu acordei e era outra pessoa.

Ao menos era isso que meu e-mail indicava. Eu estava recebendo correio endereçado a alguém chamado Ana Beatriz. Eram dezenas de e-mails do Facebook, notificações avisando sobre comentários, compartilhamentos e curtidas, amizades novas.

"uma prençeza"

Não entendi nada e cliquei em um dos links do e-mail. De repente, eu estava dentro do Facebook da moça. Logada e tudo mais — não me pergunte como isso aconteceu, já que eu não precisei digitar senha nenhuma. A Ana Beatriz era uma menina semi-alfabetizada de no máximo uns 10 anos e tinha acabado de criar um perfil (acho que isso é ilegal). Lá dentro, me senti mal invadindo a privacidade de uma criança, como se eu estivesse espiando dentro de uma gaveta de calcinhas ou da carteira de alguém sem ser convidada. Fechei a janela e comecei a pensar em como isso teria acontecido.

Dias antes, eu passei uma semana recebendo e-mails que indicavam que alguém estava tentando mudar minha senha do Facebook e a do meu e-mail. Isso aconteceu tantas vezes que eu, assustada, troquei o e-mail associado à minha conta do Facebook. Criei um novo correio, com um nome super bizarro, cheio de letras e números. Configurei meu e-mail principal para exigir verificação em duas etapas, pelo celular, e as tentativas de invasão nunca mais aconteceram.

Olhei de novo os e-mails do Facebook da Ana Beatriz que estavam chegando na minha caixa. Eles estavam sendo enviados não para o prefixo anabsf, que é o do meu endereço, mas para ana.bsf. E aí eu descobri que o Google não faz distinção do uso de pontos em um endereço do GMail: cheguevara@gmail.com e che.guevara@gmail.com são o mesmo e-mail, mesmo que o líder guerrilheiro em questão só tenha registrado uma versão.

Estava claro: essa criança tinha se enganado quanto ao e-mail real dela e assim que eu liberei o meu endereço, ela pôde criar a conta de Facebook que queria usando o meu e-mail.

Não fiz nada a respeito. Passei os últimos meses recebendo as notificações dela na minha caixa todos os dias:

Que Facebook agitado, o da Ana Beatriz

Recentemente, eu precisei voltar a usar o Facebook com a minha conta de e-mail principal e não consegui, pois ele já estava sendo usado em outra conta: a da Ana Beatriz, a usurpadora.

Escrevi para a Ana Beatriz no Messenger explicando a situação e, mesmo depois de mais de 10 dias, não obtive resposta. Diante da necessidade profissional de poder usar minha conta de e-mail na minha conta de Facebook, decidi o indecidível: entrar no Facebook dela e trocar o e-mail por outro, pra que o meu endereço fosse liberado no sistema.

Para logar na conta dela, precisei da senha, que eu redefini usando — obviamente — o meu próprio e-mail, que ela usou como dela. Deu certo. O efeito colateral que não me deixa dormir: Ana Beatriz provavelmente jamais entrará no Facebook dela, já que e-mail e senha são diferentes agora. Queria mesmo que eu pudesse fazer o meu e-mail voltar a ser só meu de uma maneira que não atrapalhasse o uso do Facebook por uma criança de 10 anos, mas fui incapaz de pensar em qualquer coisa.

O karma pro que eu fiz não tem como ser positivo, mas tinha que ter sido feito.

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