RPG — Imersão e o Jogo Teatral [Parte 3— Jogando em Equipe!]

Anaíse
5 min readJun 12, 2019

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No segundo post, discutimos um pouco sobre empatia e a importância de deixar o grupo em um estado que seja confortável pra que todos consigam se colocar em jogo, diante uns dos outros, respeitando e superando suas limitações. Em resumo: desenvolver consciência de grupo.

Continuando minhas andanças e observações na comunidade RPGística, fiz uma pesquisa rápida no grupo Pensando Dungeons & Dragons e percebi que minhas suspeitas estavam corretas:

Embora as definições de trabalho em equipe que recebi não estejam incorretas, elas costumam focar em apenas um aspecto da construção coletiva do jogo. Quando falamos em consciência de grupo e jogar em equipe geralmente associamos isso a jogos que envolvem a formação de um grupo com todos os personagens nas mesmas cenas, praticamente o tempo todo e cooperando entre si (Olá, D&D!). Sabemos, contudo, que nem todos os jogos são assim (e que bom!).

Muitas vezes os personagens possuem motivações ou alinhamentos morais, ou mesmo personalidades e histórias completamente incompatíveis — e por esses e outros motivos é impossível que estejam do mesmo lado. O provável é que desenvolvam relações de antagonismo e/ou inimizade. Sendo assim, não dá pra jogar em equipe…certo?

Segura o spoiler: Errado.

Mas afinal, como é possível os jogadores pensarem em equipe se seus personagens querem se matar toda vez que se vêem?

Antes de mais nada, é preciso saber separar o que é a relação do grupo de jogadores das relações entre os personagens. Por isso, discordo tanto da visão estereotipada que temos de que interpretar bem é “ser um só com o personagem e estar 100% envolvido o tempo todo”. Também pode ser isso…mas calma — segurem os pocotós! Vamos chegar lá, eu prometo! Por enquanto quero ressaltar que uma distância entre jogador (ou ator) e personagem pode ser não somente desejável, como também saudável para construir coletivamente a narrativa. O que isso quer dizer?

Vez ou outra, nós, atores, precisamos fazer cenas que envolvem personagens que tem zero afinidade…ou pior: se odeiam. Geralmente, pra fazer uma cena como esta funcionar — pra parecer viva e interessante, é necessário saber jogar junto. A premissa de que é preciso “agir como o personagem agiria” não é falsa, entretanto até chegar lá, devemos aprofundar-nos: pra agir como o personagem agiria eu preciso, primeiro, a partir do que me foi proposto acessar as minhas referências e decidir de que forma este meu personagem poderia responder. O que é coerente? O que dá mais jogo entre nós? Esse é um processo que, numa improvisação, costuma durar poucos segundos — ou apenas uma fração. Quando estamos jogando (seja no Teatro ou no RPG) normalmente não percebemos a existência desse pequeno passo, especialmente quando já temos prática, mas ele está sempre lá! Nesse momento — por mais curto que seja, eu (ator/jogador) não estou pensando/agindo como o meu personagem, estou pensando em como meu personagem pensaria/reagiria! Somente então eu transformo este estímulo em cena. Nota: Ao narrar as ações dos nossos personagens também estamos fazendo isso!

Veja bem: é certo que quando assistimos a uma cena, pronta, dramatizada diante de nós, (tradicionalmente) não existe essa distinção entre ator e personagem, entretanto no espaço experimental (e o RPG ocorre dentro desse espaço), existe. Reforçando o que já foi dito: Seja no Teatro, na TV ou no Cinema, o produto que estamos vendo passou por várias e várias tentativas e repetições. Não adianta querer seguir por esse caminho tradicionalista, pois estamos em uma construção dramatúrgica pautada na improvisação e que provavelmente não será repetida. A gente querendo ou não, existe naturalmente uma distância mínima, que seja, entre jogador e personagem e ela deve ser abraçada pra que ocorra jogo!

Dito isso, a construção coletiva do RPG (e do Teatro) vai além de colocar a minha concepção, do meu personagem em cena. Pra conseguir jogar em equipe a gente precisa se permitir afetar (enquanto jogadores) pela proposta do outro. Jogar em equipe é cooperar com as propostas de seus colegas de mesa, não necessariamente transformando isso em uma cooperação entre personagens. Do contrário, a cena fica com dois focos que não dialogam entre si de forma alguma(se não for proposital, isso nem sempre é interessante, pois cria um jogo desconexo).

Não crie jogo somente para você. Crie também para os seus colegas!

Vou dar um exemplo de um Larp que participei, mas que poderia facilmente ter ocorrido em uma mesa. Minha personagem — Lavínia, a princesa das marés!!! (Leiam isto como se fosse o Gaston da Bela e a Fera, só que com voz de mulher), era uma ladina que estava praticamente falida. Pra não chegar numa cidade pequena, simplesmente causando e roubando e possivelmente sendo pega, ela saiu por aí vendendo quinquilharias inúteis. Com nenhuma má intenção em particular, só queria fazer uma graninha honesta (cof! cof!). Então ela vendeu para um grupo de nobres um par de luvas de cozinha. Sob a seguinte promessa: Estas autênticas luvas de cozinha vão te proteger contra os fogos das fornalhas mais quentes de todo o continente!

O que sei é que estas luvas começaram a circular por aí e em determinado ponto do Larp os personagens estavam acreditando que elas protegiam contra BOLA DE FOGO! Resultado, um personagem morreu por tentar tankar uma bola de fogo com as luvas. A cena que propus podia ter ficado por isso mesmo: vendi umas luvas de cozinha, ganhei um dinheirinho e acabou. Se fosse assim, tudo bem: teria outras possibilidades com as quais jogar. Porém, alguém (enquanto jogador, e não personagem) resolveu cooperar com o que eu estava propondo. Não estávamos jogando do mesmo lado, na verdade as motivações da minha personagem e do grupo geral do live eram bem diferentes…mas de alguma forma os jogadores se permitiram afetar por aquilo e gerou uma situação bastante inusitada e até engraçada (sem ressentimentos!).

Pra finalizar, é importante lembrar que mesmo jogando com personagens antagônicos, a nossa mentalidade não pode ser de agir independente de como isso afete a experiência do outro — este é um comportamento tóxico. É o que geralmente acontece quando ficamos na “nóia” de não sair do personagem nunca. A gente esquece de ter empatia como jogador. Ao invés disso, pensemos juntos (narrador incluso) em como tornar essas relações interessantes — tanto do ponto de vista da narrativa como da diversão dos jogadores.

O post de hoje não tem exercício, mas vou deixar alguns exemplos de personagens de filmes, séries e até de teatro musical que considero boas referências para a criação de jogos que envolvem rivalidade/antagonismos. Para os dois primeiros eu achei exemplos, para o restante é o desenvolvimento da relação entre os personagens num geral (independente de virarem amigos ou não, estou falando especificamente das cenas de conflito).

  • Ned Stark e Cersei Lannister — Game of Thrones, Você ganha ou você morre! (foi mal galera, não achei legendado)
  • Glinda e Elphaba, do musical Wicked, movidas pela força do ódio!
  • Keith e Lance — Voltron
  • Zuko e Aang — Avatar, a Lenda de Aang
  • Gimli e Legolas — O Senhor dos Anéis
  • Claudia e Rayla — O Príncipe Dragão

E vocês? Já aconteceu algum momento em que cooperaram como jogadores mas não como personagens? Consegue pensar em mais referências?

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Written by Anaíse

Atriz, cantora e pet sitter. Meio-elfa barda e humana artífice nas horas vagas.

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