Como planejei uma festa para o meu pai, sabendo que ele não estaria nela

Anamaria Legori
4 min readAug 14, 2016

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Ficava imaginando como seria a minha festa de casamento, alguns meses antes dela acontecer. Se ia ser divertida, se a comida estaria boa, se eu morreria de frio com meu cropped sem mangas ou se aquela neblina típica da região ia ser o painel de fundo. Já fazia ideia de quem estaria presente e estava muito feliz que tantos amigos e familiares queridos estariam lá. Mas a única certeza era de que uma pessoa não estaria presente: o meu pai.

Ninguém passa impune por um momento tão importante como esse, sem ter por perto uma pessoa tão especial. Foi muito difícil planejar as coisas, com essa ausência. Porque exatamente tudo me fazia lembrar o meu pai.

Eu brincava que ele poderia ser guia turístico. Acordava bem-humorado todas as manhãs com uma bela recepção para quem cruzasse com ele. Enquanto eu tentava resmungar algo parecido com um bom dia. Meu pai era muito alegre.

Parêntese 1: ele manteve esse bom-humor inclusive nos dias mais difíceis, mesmo hospitalizado em tratamento de um tumor cerebral metastático. O que fazia com que a fisioterapeuta deixasse ele sempre por último no rodízio, pra dar um up no humor antes de sair do hospital.

Eu sabia que ele não estaria ali. Mas eu queria que a alegria dele estivesse presente no meu casamento. Por isso, as homenagens que fiz foram milimetricamente pensadas. Eu não queria cair no choro.

Um cravo vermelho, flor que ele mais gostava, no meio do buquê. Só um. Se o buquê fosse todo de cravos, a ausência dele ia bater mais forte e me faria levar um buquê afogado na cerimônia. Eu não queria isso. Um único cravo e várias flores coloridas ao redor. Ele amava cores. Eram tons alegres e essa era a vibe dele.

Eu e meu noivo queríamos abrir a festa dançando juntos. Nada de coreografias ou valsa. Só uma dança pra chamar os convidados pra pista. Pensei em fazermos isso ao som de Something, dos Beatles, já que era a música que ele mais gostava. Mas achei que poderia fazer o meu plano de não chorar cair por terra. Afinal, ele foi cremado com o refrão “ I don’t want to leave her now, You know I believe and how” ao fundo. Sinal vermelho. Escolhemos Let Me Roll It, do Paul McCartney que tem uma pegada pra cima. E Paul era um Beatle.

Parêntese 2: não consegui levar meu pai ao show do Paul McCartney no estádio do nosso time. As condições de saúde dele, a essa altura, já não eram boas. Ao menos nessa fase, ele não estava no hospital. Então, assistimos juntos pela TV. Eu cantava as músicas e ele entoava o seu famoso “diruô diruê”, letra inventada para cantar todas as músicas do mundo.

Eu queria ser aquela noiva que entra sorrindo. Era assim que ele gostaria de me ver! Planejar a entrada na cerimônia não foi fácil. Pensei em entrar com o meu irmão. Era a escolha mais lógica. Ou a minha mãe? Ou a minha irmã?Os meus cunhados? Os meus sobrinhos? As minhas sobrinhas? O meu sogro? Um dos meus tios? São todos especiais. Mas, eu não queria um substituto pra ele.

Combinei com meu noivo de entrarmos juntos. Estava decidido. Mas os dias passaram e achei que ainda assim ficaria faltando algo. Eu precisava mostrar a ausência do meu pai. Então, resolvi entrar sozinha. Decidi isso na semana do casamento. Sem o meu noivo saber.

Meses de terapia focada na ausência do meu pai na festa do meu casamento me fizeram entrar na cerimônia transbordando de alegria. Minha terapia já dura mais de cinco anos e começou como uma terapia do luto, antes mesmo do meu pai falecer.

Enquanto eu entrava sozinha, ao som de uma música cover do Metallica, o meu noivo recebeu uma carta avisando que eu iria buscá-lo. Inverti a ordem tradicional de um casamento. O foco não era mais a entrada da noiva e sim a entrada do noivo.

Mas não era só isso. Se eu tivesse entrado com o meu pai, ele daria a minha mão ao meu noivo. Ele era um entusiasta do nosso amor. Era um grande apoiador da minha escolha. Essa é uma grande e linda certeza. E quis mostrar justamente isso, esperando o meu noivo chegar, na entrada da cerimônia.

Então, entramos juntos. Os nossos sorrisos estavam de orelha à orelha. A nossa entrada foi muito alegre. A nossa dança foi linda e logo fez o salão encher. A festa quase saiu de controle de tanta loucura.

A alegria transbordou. A alegria estava presente.

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Anamaria Legori

Escritora no coletivo Nua e Crua: as mulheres e suas histórias | Consultora e Pesquisadora de Tendências |✉ analegori@gmail.com