fale comigo verão em um dia de outono em curitiba

ana quer falar
6 min readJun 19, 2023

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hoje eu assisti “fale comigo verão: diário de um cineasta amador” no Olhar de Cinema, um festival internacional de cinema que tá rolando em curitiba entre os dias 14 e 22 desse mês. eu vi esse filme no Cinepasseio, um dos meus lugares favoritos da cidade, na sala Luz, aquela que fica no térreo, do ladinho da Coffeeterie.

hoje é domingo. geralmente o meu dia sagrado de descanso e dia-de-ficar-em-casa-hibernando-fazendo-nada-com-nada. mas hoje tive que sair já cedo para fazer uma prova no centro, naquela escola enorme e cor-de-rosa, lindíssima. aquele prédio que a gente passa na emiliano perneta, sempre correndo, e pensa “esse espaço deveria ser um museu!” e, na verdade, é um museu de juventudes. essas juventudes que vão ali, se criando, se enlaçando. hoje eu descobri, através de um papelzinho colado na parede que a R. me mostrou e que tinha escrito “helena kolody trabalhou na escola como professora durante 23 anos”. junto das palavras, aquela ou aquele estudante desenhou também um ramo de flores vermelhas e folhas verdes, em canetinha. veja, isso não é o museu mais lindo que poderia existir? um museu de vidas se construindo e relembrando com graça e em estado de graça vidas que já se foram desse mundo.

depois de fazer essa prova, encontrei as meninas despropositadamente lá fora, no portão da escola. a R. ficou responsável por nos guiar pelo caminho para chegarmos ao Cinepasseio para um café. fomos nós três: eu, a G. e a R. hoje fez um céu azul muito lindo, com poucas nuvens, um sol agradável. mas um sol de mentirinha, o dia todo passou aos 8º graus e tivemos que vestir as famosas japonas pra aguentar o frio. enfim, e fomos pelas ruas sempre frequentadas, em nada diferentes e em nada iguais. passamos pelas ruínas, no alto da São Francisco, e as barraquinhas da Feira do Largo de domingo já estavam quase totalmente recolhidas — porque a feira começa cedinho e vai se despedindo ali pelas duas da tarde, já era quase quatro. felizmente, ainda pudemos ouvir uma voz bonita, voz de mulher, cantando alguma coisa num dos bares. eu gosto de ouvir música e não saber de onde vem. sinto vontade de seguir o som e ir atrás. mas hoje, seguimos São Francisco abaixo. até a próxima parada: uma mulher estava sentada em uma mesa, na descida, próximo ao Memorial, lendo cartas de tarô. e agora? vamos pedir para ela ler pra nós? temos uma pergunta a fazer ao universo? vamos esperar ela?… depois de uma breve assembleia de garotas místicas, decidimos seguir viagem sem contar com o esclarecimento das cartas. e até que deu tudo certo.

enfim, chegamos ao 440 da rua riachuelo. um dos poucos prédios que não virou condomínio em curitiba, de fato. o Cinepasseio estava cheio. fora, uma massa de jovens jogando conversa fora e rindo, com seus copos de cerveja — nesse dia frio! — e suas opiniões cinéfilas. a galera underground de curitiba todinha estava ali, entre o começo e o fim do tapete vermelho do Cine, do início ao fim. cabelos coloridos, alegria de jovem. outras juventudes se construindo ali, de frame em frame, entre uma sessão e outra, subindo e descendo as escadas, entre as portas vermelhas das salas de cinema Ritz e Luz: todas as respostas, todos os Olhares de Cinema se olhando.

ficamos lá, como aqueles jovens, mas tomando nossos cafés da Coffeeterie lá dentro mesmo. sentadas no cantinho do espaço do café, naquelas cadeiras mais baixas, com uma mesinha de centro baixinha também. lá dentro, mais conversas, mais gente se olhando, olhando pro outro e, assim, imagino, se descobrindo um pouco mais ou um pouco menos a cada momento. o folheado de frango com requeijão de lá é divino, perfeito para um dia como hoje. naquela mesinha, definimos nossos próximos destinos: vamos pra SP, pra Buenos Aires, pro Chile, dar um rolê por ali e voltar lá, ler aquele livro, pensar aquele projeto, criar algo novo, dividimos segredos e rimos dos amigos. a parte boa de estar entre todos e estar entre os seus ao mesmo tempo é poder dividir tudo com um só olhar ou descobrir universos novos nas pessoas que você tem afeto, assim, levantando uma sobrancelha. então, pra você, que me lê aqui e agora, deixo esse grande conselho ou dica ou intromissão na sua vida que ia bem até agora: o melhor lugar pra criar vida é estando entre as pessoas, em público, em vida. só se cria vida participando da vida. não basta estar vivo para viver. é necessário, como diríamos em espanhol: formar parte de la vida.

e eu acho que isso tem tudo a ver com o verdadeiro propósito desse relato que queria, inicialmente, ser uma simples resenha (pobres das minhas sempre tão deturpadas intenções primeiras). fale comigo verão é um filme-memória do evandro scorsin, um rosto muito simpático nas telas e, pelo jeito, na vida e para a vida. eu vi o filme sozinha, minhas meninas queria ir pra casa. vi na cadeira do corredor da fila I da sala Luz. vi lá de cima um filme que me tocou tão profundamente que eu não quis deixar pra escrever depois, eu quis chegar em casa e escrever tudo aquilo que ele me provocou, do início ao fim. e, como o universo conversa com a gente, agora começou a tocar “despedida” da banda selvagens à procura de lei e, olha só, a frase é: “e quando vejo sua foto parece que você tá falando comigo”. pois, me lembro bem ainda,

a amizade é como uma fotografia

disse o evandro no filme, em algum momento, sobre alguma coisa, sobre amizade, sobre a vida. e eu gostei tanto disso! a amizade é aquilo que a gente pode voltar, olhar de novo. podemos reolhar. e, você, meu leitor ou leitora que aposto já estar cansado de me ler usando tanto diminutivos (eu sei, é uma patologia), percebe como tudo por aqui hoje anda versando sobre olhar? é, o olhar de cinema afeta nossos olhares.

fale comigo verão é uma obra que se entrega à vida e nasce para o mundo com uma sensibilidade de dizeres tão profunda que não bastaria escrever uma resenha contando a quem quisesse saber do que se trata o conteúdo sequencial do filme. é necessário dizer todas essas coisas, dizer o quanto eu gosto de andar pelas ruas de curitiba, das músicas do largo da ordem, das figuras que ficam esperando os turistas (e às vezes captam os curitibanos) nas mesas dos bares. isso tudo porque fale comigo verão é um filme sobre essa cidade de tão amarga esperança e essa sensação de estar buscando algo, de estar caminhando um caminho conhecido e completamente obscuro ao mesmo tempo. é sobre essa relação dolorosa, que corta como faca, dos jovens com a sua juventude. essa última que pode ser tão boa, mas sempre tão violenta, sempre em busca de uma adrenalina. a juventude odeia a mesmice. a juventude quer falar. a juventude quer voltar no tempo que era mais jovem. a juventude agora tem uma vida pra olhar pra trás, não é mais a infância que os ampara.

não há como saber se voltaremos à mostardas, se viveremos as novas juventudes que vem agora com outros nomes: adultudes? chegou a hora de quebrar outras janelas, evandro, aquelas já estão em pedaços. vamos em frente, vamos, vamos. o trabalho espera. a vida espera. o aluguel espera. a roupa espera na máquina (há dias!). todas as contas nos esperando e nós estamos esperando não-sei-o-que.

carpe diem? nós vivemos o dia

convido a todos, todas e todes a prestigiarem fale comigo verão na mostra Olhar de Cinema no Cinepasseio e a participarem das suas próprias vidas, a viverem o dia, a conhecerem curitiba (mas fiquem longe da família da folhas porque não há ninguém capaz de te defender disso).

aí vão algumas imagens que eu catei na internet pra ninguém dizer que eu só digo palavra:

dá uma olhada aqui: https://www.olhardecinema.com.br/film/fale-comigo-verao-o-diario-de-um-cineasta-amador/
essa fui eu mesminha que tirei. gostou?

e escutem selvagens porque é sempre uma boa ideia: https://www.youtube.com/watch?v=8HHhq6AGNLE

ps.: eu queria saber se “cineasta amador” é uma piadinha sobre amar demais…

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ana quer falar

apenas um poema em construção ou uma narrativa desconexa