Ensaio: O Impressionismo, o sonho e o Esbaço. (Ensaios de Estética 01).

Teteus
5 min readMar 4, 2022

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Em 2019, na época do meu primeiro ano de faculdade, ainda antes da pandemia. Tinha o costume de passar boa parte do meu tempo livre na biblioteca. Fosse no meu notebook, escrevendo alguma coisa, fosse lendo algum livro, ou até mesmo apenas descansando. Em uma dessas ocasiões, eu estava pesquisando sobre pinturas, quando encontrei um quadro que me chamou a atenção: “Jeanne Samary em um vestido Necked Baixa”. Do pintor francês Auguste Renoir.

Imagem retirada do site: https://pt.wahooart.com

Não sou, nem nunca fui, um entendedor de artes num geral. Como estudante de audiovisual, e aspirante a escritor, claro que conheço técnicas de ambas as áreas, mas, em geral, não me peça para explicar uma pintura com detalhes, na maioria das vezes o que vou fazer é dizer: “Sim é bonita”.

Naquele momento, entretanto, me peguei olhando fixamente para esta imagem. Algo nela parecia me fazer me perder completamente nela. Talvez eu tivesse me apaixonado pela mulher da pintura? Talvez, mas não era esse o ponto. A pintura me chamava atenção pois parecia uma espécie de sonho. Como se eu estivesse adentrando o mundo da imaginação. Me perdendo naquele lugar. Tudo parecia irreal demais, e minha mente, que odeia não conseguir explicar as coisas, buscava incessantemente uma forma de explicar aquela sensação.

Comecei a pesquisar outras pinturas de Renoir. Todas elas me passavam a mesma impressão de me perder em um sonho. Algumas mais, outras menos. Entre elas. Uma outra que também me chamou muito a atenção foi “Mulher com Sombrinha”.

Imagem retirada do site: http://amoesauwe.blogspot.com/2011/11/obras-de-monet.html#.YiITX3rMKUl

De novo eu parecia estar perdido. Dessa vez, parecia mais uma memória vaga do que um sonho. Não que os dois fossem muito diferentes. A ideia era que as pinturas de Renoir, me causavam uma sensação de pensamentos dispersos, de irrealidade. Eu estava me perdendo naquelas pinturas. Tudo parecia embaçado, espaçoso, e minha mente, que tende a ser muito explicativa, na ânsia de buscar algo que definisse aquela sensação, criou uma palavra totalmente do nada: “Esbaço”. Era uma mistura de embaçado, com espaçoso. Uma espécie de ato falho, uma confusão mental que aconteceu comigo na hora. Essa palavra nem existe. Mas ao invés de jogar fora, eu guardei aquele termo. Eu precisava de uma palavra para explicar o que eu sentia, ou minha mente ia continuar incessantemente buscando. Era isso então, “Esbaço”. Mesmo que eu não soubesse exatamente o que eu queria dizer com aquela recém inventada palavra.

Impressão, nascer do sol (1872), de Claude Monet. Imagem do site: https://www.todamateria.com.br/impressionismo/

Continuei pesquisando outras obras de Renoir, e rapidamente descobri que o artista fazia parte do movimento impressionista. Movimento artístico que surgiu na Europa durante a Belle Époque, no século 19. Em que os pintores, desenhavam ao ar livre, tentando captar os movimentos do dia a dia e da luz solar. Tal vanguarda, teve início com a pintura acima: Impressão, de Claude Monet.

Nunca fui um grande fã de história da arte, e nem mesmo tais pinturas despertaram qualquer interesse histórico no impressionismo. Meu objetivo aqui não é dar aula de história da arte. O que acabei fazendo foi passar horas olhando pinturas impressionistas. Notando que a grande maioria delas me causava a mesma sensação, ou uma sensação parecida pelo menos, das pinturas de Renoir. O sonho, a imaginação, a sensação de se perder.

Após algum tempo, comecei a perceber um padrão nas pinturas. Como não entendo basicamente nada de desenho e pintura, considerei isso um grande feito para mim. As obras impressionistas não tinham contornos muito claros. As pessoas e o fundo, pareciam se misturar de maneira suave na pintura. Na verdade tudo parecia se misturar em algum nível. A maneira como os quadros eram pintados davam a impressão de um desenho feito com pinceladas curtas. Era “quase” como se não houvesse um desenho, uma delimitação de cada coisa. Mas uma pintura direta, onde as cores se misturavam e os contornos de borravam. Dá para ilustrar isso com uma comparação entre as duas pinturas abaixo.

O Nascimento de Vênus. De Botticelli. Retirado do site: http://www.falandodeartes.com.br/2014/10/
In the Garden at Maurecourt. De Berthe Morisot. Retirado do site: https://arthistoryproject.com/artists/berthe-morisot/in-the-garden-at-maurecourt/

Vamos fazer uma comparação rápida entre as duas obras. O nascimento de Vênus, é uma pintura renascentistas, finalizada em 1486. Já, In the Garden at Maurecourt, foi finalizada em 1884, e é uma obra impressionista.

Percebam como O nascimento de Vênus possui contornos muito mais bem definidos. Figuras humanas (ou divinas) são figuras humanas (ou divinas), e o fundo é o fundo. Isso talvez seja o mais esperado. Além disso, os renascentistas estavam começando a entender luz e sombra, e já criavam a perspectiva, dando início ao que seria chamado no futuro de arte acadêmica. Tradição que os impressionistas estavam buscando se afastar.

Já em In the Garden at Maurecourt, note como a pintura é feita sem muita preocupação com a perspectiva (não que ela não exista). Também, a forma de pintar é diferente. Dá para perceber os traços dos pincéis. Traços pequenos, que vão se acumulando e dando forma a pintura. Essa técnica cria uma imagem em que os contornos são pouco definidos, pois a tinta se mistura. As figuras humanas parecem se misturar levemente à paisagem. E os elementos da paisagem então, se misturam absurdamente. É essa ausência de contornos claros, que trazia a sensação, para mim, do sonho, da imaginação. Ora. Sonhos nunca foram conhecidos por fazerem muito sentido. As próprias imagens dos sonhos são um tanto confusas e embaçadas. Você não consegue distinguir direito as coisas nos sonhos, estas coisas apenas são, e você sabe que elas estão lá. Mas os cenários nos sonhos são pouco definidos (pelo menos eu posso dizer que para mim eles são assim), e é por isso que as pinturas impressionistas causam essa sensação. Elas são como sonhos ou memórias que temos no dia a dia que se perdem, borram, embaçam. Foi essa qualidade, essa característica, de algo com poucos contornos, com formas pouco definidas, de coisas que parecem se embaçar uma nas outras, que eu passei a chamar de Esbaço.

O Pescador (1874) de Pierre-Auguste Renoir.

Esbaço não é uma palavra que eu tenho qualquer pretensão de sair usando por aí. Eu a criei para explicar uma sensação pessoal minha, e pretendo mantê-la a esta finalidade. Porém, vou continuar usando esse conceito em textos futuros, pois ainda tenho mais a explorar a partir dessa ideia.

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Teteus

Formado em Comunicação, aspirante a escritor e roteirista, e interessado em aleatoriedades