“Equanimidade” Chagdud Tulku em “Mudança de Coração — o Treinamento de Paz do Bodisatva”

Tradução do terceiro capítulo (“Equanimity”) da primeira parte do livro “Change of Heart — The Bodhisattva Peace Training” de Chagdud Tulku Rinpoche

zhiOmn Ormando
Ormando zhiOmn
20 min readNov 1, 2018

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Para sermos de maior benefício, nós devemos desenvolver equanimidade, uma consideração igual por todos os seres; compaixão, o desejo de que todo o sofrimento acabe: amor, a aspiração de que todos os seres encontrem felicidade temporária e duradoura; e a habilidade de se alegrar com a boa fortuna dos outros. Equanimidade, compaixão, amor, e alegria com a boa fortuna dos outros — aperfeiçoadas por todos os grandes bodisatvas — são chamadas de as quatro qualidades incomensuráveis. Quanto mais nós praticarmos elas, maior será o alcance do nosso impacto nessa vida e nas vidas futuras.

TO BE OF GREATER BENEFIT, we must develop equanimity, an equal regard for all beings; compassion, the wish that all suffering come to an end; love, the aspiration that all beings find both temporary and lasting happiness; and the ability to rejoice in others’ good fortune. Equanimity, compassion, love, and rejoicing — perfected by all great bodhisattvas — are called the four immeasurable qualities. The more we practice them, the more far-reaching our impact will be in this and future lives.

Apesar de nós talvez desejarmos amar e ajudar todos os seres igualmente, nós continuamente dividimos as pessoas em categorias — aquelas que nós gostamos, aquelas que nós não gostamos, e aquelas que tem pouco efeito sobre nós, que nós geralmente ignoramos. Desde o princípio nós devemos enfrentar essa tendência de discriminar. Para estender o amor e a compaixão para todas as pessoas — igualmente a amigos e inimigos, sem distinção — nós devemos ter a certeza de que todos os seres são igualmente merecedores da nossa bondade e compaixão. Nossa equanimidade tem que ser genuína, não apenas um conceito teórico, ou nós nunca vamos mudar a forma como nós nos relacionamos uns com os outros.

Though we may wish to love and help all beings equally, we continually sort people into categories — those we like, those we don’t, and those who have little effect on us, whom we usually disregard. Right from the start, we must address this tendency to discriminate. To extend love and compassion to everyone — friends and enemies alike without distinction — we must come to the certainty that all beings are equally deserving of our kindness and compassion. Our equanimity has to be genuine, not just a theoretical concept, or we will never change the way we relate to one another.

O espaço é ilimitado, imensurável, e preenchido com incontáveis seres, cada um dos seres experiencia alguma forma de sofrimento. Uma chave para desenvolver equanimidade é reconhecer que todos os seres encaram a mesma situação: Eles todos querem encontrar a felicidade e evitar o sofrimento. Ainda assim, as chances deles alcançarem a felicidade são comprometidas pelos esforços mal orientados que eles fazem para alcançar a felicidade. Dirigidos por necessidades auto-centradas, eles fazem tudo que for possível para satisfazerem essas necessidades, mas no processo eles falham em encontrar satisfação e com frequência machucam os outros. Cada ato de egoísmo, dano, ou raiva diminui o potencial deles de contentamento e envenena o futuro deles. Não conhecendo as causas da felicidade, os seres agravam o próprio sofrimento desesperadamente. Não sabendo como eliminar as causas do sofrimento, eles meramente perpetuam o sofrimento, suportando infindáveis ciclos de miséria.

Space is limitless, immeasurable, and filled with countless beings, each of whom experiences some form of suffering. A key to developing equanimity is to recognize that all beings face the same predicament: They all want to find happiness and avoid suffering. Yet their chances for happiness are undermined by their misguided efforts to achieve it. Driven by self-centered needs, they do everything possible to fulfill them, but in the process fail to find satisfaction and often harm others. Every act of selfishness, harm, or anger diminishes their potential for contentment and poisons their future. Not knowing the causes of happiness, beings hopelessly compound their suffering. Not knowing how to eliminate the causes of suffering, they merely perpetuate it, enduring endless cycles of misery.

Nosso desafio é abandonar nossos julgamentos e preconceitos, incluindo a distinção que nós fazemos entre vítima e agressor. Se uma tragédia acontece com um parente, ou mesmo com um estranho, a maioria de nós sente compaixão. Mas nós tendemos a nos alegrar quando um inimigo sofre. Nós pensamos que ele merece isso porque ele feriu de alguma forma a nós ou “aos nossos”. Essa atitude não apenas falha em ajudar qualquer pessoa, mas também cria não-virtude. Quando nós machucamos alguém com nossas palavras ou ações, ou mesmo apenas desejamos que a pessoa se machuque, na verdade nós machucamos a nós mesmos.

Our challenge is to let go of our judgments and biases, including the distinction we make between victim and aggressor. If tragedy befalls a relative, or even a stranger, most of us are moved to compassion. But we tend to rejoice when an enemy suffers. We think he deserves it because he has hurt us or “ours” in some way. This attitude not only fails to aid anyone, but also creates nonvirtue. When we hurt someone with our words or actions, or just wish him harm, we actually harm ourselves.

A repercussão karmica de bater em alguém, por exemplo, é muito pior do que a dor de ser golpeado. A mente é um campo fértil no qual uma única semente karmica pode produzir muitos frutos, assim como uma única semente de maçã pode crescer até se tornar uma árvore produzindo centenas de maçãs, ano após ano. Se um agressor que agiu a partir de ignorância e confusão não purificar o karma que ele fez, sua dor no futuro vai ser muito maior do que a dor da vítima dele. É como se a vítima estivesse experienciando agora as consequências de ter engolido veneno no passado, e como se o agressor estivesse bebendo uma dose muito mais mortal. Nós precisamos encontrar uma forma de ajudar os ambos.

The karmic repercussion of hitting someone, for example, is much worse than the pain of being hit. The mind is a fertile field in which a single karmic seed can produce many fruits, just as a single apple seed can grow into a tree bearing hundreds of apples, year after year. If an aggressor who has acted out of ignorance and confusion does not purify the karma he has made, his pain in the future will be much greater than that of his victim. It’s as if the victim is now experiencing the consequences of having swallowed poison in the past, even as the aggressor himself is drinking a far deadlier dose. We need to find a way to help them both.

Um veterano do Vietnam e meditador relatou um incidente em um dos primeiros Treinamentos de Paz do Bodisatva. Afortunadamente, ele não havia se envolvido em nenhum tipo de atrocidades daquela guerra, mas um membro da unidade dele nos Fuzileiros Navais não havia sido tão sortudo. Ele e outro homem haviam jogado biscoitos envenenados para crianças correndo atrás do tanque deles. O homem pensou que eles iriam logo sair da área, mas em vez disso eles receberam ordens para ficar. Eles foram forçados a testemunhar os resultados das ações deles enquanto as crianças se contorciam de agonia. As mães delas correram das suas cabanas e, segurando as crianças nos braços, carregaram elas até o tanque. Elas não conseguiam entender o que havia acontecido.

A Vietnam veteran and meditator related an incident at one of the first Bodhisattva Peace Trainings. Fortunately, he had not been involved in any of the atrocities of that war, but a member of his unit in the Marines had not been so lucky. He and another man had thrown poisoned cookies to children running after their tank. The men thought they would soon be leaving the area, but instead received orders to stay. They were forced to witness the results of their actions as the children writhed in agony. Their mothers ran from their huts and, holding the children in their arms, carried them to the tank. They couldn’t understand what had happened.

Fotógrafo: Nick Ut’s —Título: ‘Napalm Girl’ — Ano: 1972— Fonte: https://allthatsinteresting.com/napalm-girl

Ele depois confessou, “Desde então, eu não tenho sido capaz de sentar em um sala com uma criança. Eu não consigo olhar nos olhos de uma mulher. Eu não consigo dormir a noite. Eu vivo com essas imagens dia após dia”. Ele disse que muitas noite ele sentou com uma arma na própria boca porque ele não conseguia suportar a dor. Sua história é um exemplo pungente de como todas as pessoas perdem em um conflito violento.

He later confessed, “Since then, I haven’t been able to sit in a room with a child. I can’t look into a woman’s eyes. I can’t sleep at night. I live with these images day after day.” He said that many nights he sat with a gun in his mouth because he couldn’t bear the pain. His story is a poignant example of how everybody loses in violent conflict.

Eu vi isso claramente no Tibete durante a invasão Comunista Chinesa. A maioria daqueles que vieram a ocupar o Tibete não queriam estar lá mas não tinham escolha, tendo sido mandados para lá pelos seus superiores. Muitos Chineses, assim como Tibetanos, perderam suas vidas durante aquele tempo.

I saw this clearly in Tibet during the Communist Chinese invasion. Most of those who came to occupy Tibet didn’t want to be there but had no choice, having been sent by their superiors. Many Chinese, as well as Tibetans, lost their lives during that time.

Os soldados Chineses haviam se tornado muito endurecidos. Eles se moveram em direção ao Tibete como um enxame de formigas. O povo Tibetano não teve chance; eles rezaram que as bênçãos das suas práticas meditativas pudessem apoiá-los e vestiram “cordas de proteção” para prevenir que balas penetrassem seus corpos. Os Chineses acreditavam que os Tibetanos tinham a pele grossa porque tanta balas falharam em alcançar o alvo delas.

The Chinese soldiers had become very hardened. They swarmed into Tibet like ants. The Tibetan people had no chance; they prayed that the blessings of their meditation practice would support them and wore “protection cords” to prevent bullets from penetrating their bodies. The Chinese believed the Tibetans had thick skin because so many bullets failed to reach their mark.

Eu não podia culpar os soldados que foram para o Tibete. Os ensinamentos sobre equanimidade e compaixão que eu havia recebido, contemplado, e meditado sobre, me ajudaram a sentir compaixão em vez de raiva. Eu pensei, “O Tibete foi destruído. Centenas de milhares de Chineses e Tibetanos morreram. O que qualquer pessoa realmente ganhou? Todos perderam. Muitas pessoas foram mortas, muitos templos destruídos. Apenas sofrimento surgiu a partir disso.”

I couldn’t blame the soldiers who came to Tibet. The teachings on equanimity and compassion that I had received, contemplated, and meditated on helped me to feel compassion rather than anger. I thought, “Tibet has been destroyed. Hundreds of thousands of Chinese and Tibetans have died. What has anyone really gained? Everybody has lost. Many people have been killed, many temples destroyed. Only suffering has come of this.”

Eu pensei nos líderes que haviam decidido invadir o Tibete, aqueles responsáveis por tanta morte e destruição. Eu pensei no karma que eles fizeram, e eu sabia que o sofrimento deles seria muito maior do que qualquer coisa que os soldados Chineses e Tibetanos haviam experienciado. Eu vi que não havia ninguém para eu estar com raiva de, que as vidas de todas as pessoas haviam sido, ou iriam ser, machucadas.

I thought of the leaders who had decided to invade Tibet, those responsible for so much death and destruction. I thought of the karma they had made, and I knew that their suffering would be far greater than anything the Chinese soldiers and Tibetans had experienced. I saw that there was no one to be angry with, that everyone’s lives had been or would be damaged.

Outra forma que eu aprendi a desenvolver equanimidade foi contemplando o ensinamento do Buda de que através de infinitos ciclos de renascimento, todos os seres — ilimitados em número — foram nossa mãe ou pai. Não há estranhos reais em lugar nenhum; anteriormente nós fomos tão íntimos com cada ser — não apenas uma vez, mas muitas vezes — quanto fomos com nossa própria mãe nessa vida. Não importa qual papel alguém interprete agora, esse ser foi nosso pai ou mãe em outro tempo.

Another way I learned to develop equanimity was to contemplate the Buddha’s teaching that throughout the infinite cycles of rebirth, all beings — limitless in number — have been our mother or father. There are no real strangers anywhere; we have previously been as intimate with every being — not just once, but many times — as we have been with our own mother in this life. No matter what role someone plays now, that being has at one time been our parent.

Todos nós somos como atores que interpretam que esqueceram quem realmente somos, então nós percebemos uns aos outros como inimigos ou amigos. Uma vez que nós entendermos isso, se as pessoas são íntimas ou estranhas, bonitas ou feias, gostáveis ou não, se torna irrelevante. Ao invés de categorizar a pessoas, nós podemos aprender a superar os limites da nossa compaixão e tratar todos os seres com a mesma bondade amorosa, respondendo a todos que nós encontrarmos com paciência e compaixão em vez de respondermos com raiva ou apego.

All of us are like actors in a play who have forgotten who we really are, so we perceive each other as enemies or friends. Once we understand this, whether people are intimates or strangers, pretty or ugly, likable or not becomes irrelevant. Instead of categorizing people, we can learn to overcome the limits of our compassion and treat all beings with the same loving kindness, responding to everyone we encounter with patience and compassion rather than anger or attachment.

Para apreciar completamente o que os outros fizeram por nós ao longo de nossas muitas vidas, nós precisamos contemplar a bondade dos nossos pais. Acima de tudo, nosso relacionamento com eles é elevado porque eles nos deram um corpo humano, que é inestimável e insubstituível. Quando encarando a morte, nem mesmo a pessoa mais rica na terra pode comprar um corpo novo. O corpo dado a nós pelos nossos pais proveu um abrigo da tormenta do bardo — o estado intermediário entre morte e renascimento — onde, em um “corpo mental”, nós éramos soprados pelos ventos do karma. Nossa mãe nos carregou por nove meses, suportando enjoos e dificuldades para nos oferecer a vida.

To fully appreciate what others have done for us throughout our many lifetimes, we need to contemplate our parents’ kindness. Above all, our relationship with them is exalted because they gave us a human body, which is priceless and irreplaceable. When facing death, even the richest person on earth can’t buy a new one. The body given us by our parents provided a haven from the torment of the bardo — the intermediate state between death and rebirth — where, in a “mental body,” we were blown about by the winds of karma. Our mother carried us for nine months, enduring sickness and hardship to offer us life.

Se ela tivesse simplesmente dado a luz a nós e nos deixado sozinhos, nós teríamos morrido. Humanos não crescem como ervas, florescendo sem cuidado. Nós somos muito frágeis, e muitas condições são necessárias para garantir nossa sobrevivência. Nossos pais garantiram que nós estávamos alimentados e protegidos. Hoje, se alguém nos salvasse de sermos acertados por um carro ou nos puxasse pra fora de uma construção em chamas, nós seríamos extremamente gratos. Mas nós esquecemos que nossos pais nos salvaram da morte todos os dias — de cairmos de escadas, brincarmos com fósforos, ou bebermos substâncias tóxicas.

Had she simply given birth to us and let us be, we would have died. Humans don’t grow like weeds, flourishing without care. We are very fragile, and many conditions are necessary to ensure our survival. Our parents made sure we were fed and protected. Today, if someone saved us from being hit by a car or pulled us out of a burning building, we would be extremely grateful. But we have forgotten that our parents saved us from death every day — from falling down stairs, playing with matches, or drinking toxic substances.

Agora, nós apreciamos se um amigo nos leva para jantar ou mesmo nos dá uma xícara de chá. Mas nós falhamos em apreciar que nossos pais nos alimentaram todos os dias. Nós ficamos gratos quando alguém carrega nossa bagagem, mas nossos pais nos carregaram e nos serviram por anos. Quantas vezes eles nos deram banho, trocaram nossas roupas, e nos alimentaram? Quanto custa hoje em dia para ter alguém para limpar e cozinhar para nós? Se nós calcularmos o custo do cuidado dos nossos pais — os anos provendo refeições, vestimentas, abrigo, proteção, e treinamento — quanto nós deveríamos para eles? A qualidade do amor e cuidado deles foi frequentemente além da medição. Se nós tínhamos uma febre ou não voltávamos para casa na hora certa, eles não iam dormir até que nós nos recuperássemos ou entrássemos pela porta. Mesmo agora, nossos pais se preocupam com a gente, mas nós não apreciamos a preocupação deles. Em vez disso, nós com frequência consideramos a preocupação deles como uma intromissão.

Now we are appreciative if a friend takes us out to dinner or even gives us a cup of tea. But we take for granted that our parents fed us every day. We are grateful when someone carts our luggage, but our parents carried us around and served us for years. How many times did they bathe us, change our clothes, and feed us? How much does it cost today to have someone clean or cook for us? If we calculated the cost of our parents’ care — the years of providing meals, clothing, shelter, protection, and training — how much would we owe them? The quality of their love and care was often beyond measure. If we had a fever or didn’t come home on time, they wouldn’t sleep until we recovered or walked in the door. Even now, our parents worry about us, but we don’t appreciate their concern. Instead, we often consider it meddling.

Nós podemos pensar que nós somos muito inteligentes — mais inteligentes que nossos pais. Ainda assim, houve um tempo onde eles tiveram que nos ensinar tudo: como andar, falar, e até mesmo comer. Se eles não tivessem insistido para nós irmos para a escola, muitos de nós não teríamos recebido absolutamente nenhuma educação.

We may think we are very intelligent — more intelligent than our parents. Yet there was a time when they had to teach us everything: how to walk, talk, and even eat. Had they not insisted we go to school, many of us would not have received any education at all.

Por fim, esse corpo, que é um presente dos nossos pais, é um veículo perfeito para a prática espiritual. Animais não podem seguir um caminho espiritual. Por mais que um elefante seja forte e magnífico, ele não é capaz de fazer prática espiritual. Por mais que um leão seja orgulhoso e dominante, ele não é capaz de meditar. Por mais que um pavão seja esplêndido, ele não é capaz de se engajar em um treinamento de paz.

Finally, this body that is a gift from our parents is a perfect vehicle for spiritual practice. Animals cannot follow a spiritual path. However strong and magnificent, an elephant cannot do spiritual practice. However proud and dominant, a lion cannot meditate. However splendid, a peacock cannot engage in peace training.

Nossos pais podem terem sido irritáveis ou abusivos, mas nós não sabíamos ou entendíamos o que eles estavam passando. Nós não conseguíamos ver a profundidade do amor deles ou as causas da conduta deles. Nós nunca vamos entender realmente nossos pais até que nós mesmo nos tornemos pais. E talvez quando isso acontecer seja tarde demais.

Our parents may have been irritable or abusive, but we didn’t know or understand what they were going through. We couldn’t see the depth of their love or the causes of their conduct. We will never really understand our parents until we ourselves become parents. And by then it may be too late.

Reconhecendo a bondade sem paralelos de nossos pais — de cada ser ao longo de eons de vidas — nós aspiramos repagar essa bondade de todas as formas possíveis. Se nossa mãe tivesse subitamente desenvolvido uma desordem mental, não nos reconhecesse mais, e se tornasse muito hostil, nós não iríamos abandoná-la, não importa o quão ultrajante ou difícil fosse o comportamento dela. Talvez nós penssassemos que ela estaria deludida, mesmo um pouco louca, mas nosso amor iria sustentar o relacionamento. Se nosso bebê nos mordesse, nós ainda amaríamos ele. Nós também iriamos amar nossos dois filhos igualmente, mesmo se um fosse compassivo, doce, e prestativo e o outro fosse mal-humorado, mal-comportado, e inclinado a esmagar insetos.

Acknowledging the unparalleled kindness of our parents — of every being throughout eons of lifetimes — we aspire to repay that kindness in every way possible. If our mother suddenly developed a mental disorder, no longer recognized us, and became very hostile, we wouldn’t abandon her, no matter how outrageous or difficult her behavior. We might think she was deluded, even a little crazy, but our love would sustain the relationship. If our baby were to bite us, we would still love him. We would also love our two children equally, even though one might be compassionate, sweet, and helpful and the other grumpy, ill-behaved, and given to smashing bugs.

Se nós entendermos a bondade que todos os seres uma vez nos demonstraram, não importa como a delusão e a confusão deles se manifestem no presente, nós não vamos abandoná-los. Se um estranho agressivo se aproxima de nós no supermercado, ao invés de tentar evitá-lo, nós vamos sentir compaixão. Quando alguém nos faz ficar com raiva, ao invés de pensar que nós temos o direito de sermos rudes, nós vamos lembrar que essa pessoa foi nosso pai ou mãe em outra vida e não tem formas de relembrar quem nós somos. Ao nos defraudar ou nos roubar, uma pessoa pode pensar que ela está sendo esperta, mas nós iremos saber que essa pessoa não percebe que ela está cometendo um crime contra alguém tão querido para ela quanto os próprios pais.

If we understand the kindness once shown us by all beings, no matter how their delusion and confusion manifest at present, we will not abandon them. If an aggressive stranger approaches us in the supermarket, instead of trying to avoid him, we will feel compassion. When someone makes us angry, instead of thinking we have the right to be rude, we will remember that she is a former parent with no way of remembering who we are. In defrauding or stealing from us, someone may think he is being clever, but we will know that he doesn’t realize he is committing a crime against someone as dear to him as his own parent.

A terceira e mais profunda forma de desenvolver equanimidade é reconhecer que a verdadeira natureza de cada ser é um estado de absoluta pureza. Ideias de eu e outro, bom e mau, o que nós gostamos e não gostamos — tudo isso são conceitos da mente ordinária. Eles surgem do processo dualista de diferenciar, julgar, rotular, fixar em rótulos, e revestir distinções artificiais com verdade.

The third and most profound way of developing equanimity is to recognize that the true nature of each and every being is a state of absolute purity. Ideas of self and other, good and bad, what we like and don’t like — these are all concepts of the ordinary mind. They arise from the dualistic process of differentiating, judging, labeling, fixating on labels, and investing artificial distinctions with truth.

Nossa mente ordinária é impermanente. Ela não é a mesma que era quando nós tínhamos seis meses de idade. Mesmo agora, ela muda continuamente. Se alguém nos elogia, nós nos sentimos satisfeitos e confiantes. Se alguém nos insulta, nós ficamos com raiva. Essa raiva se ramifica como os afluentes de um rio, e nós revivemos memórias, reensaiamos nossa raiva, e reagimos criando mais dano. O estímulo inicial e seus muitos tentáculos de impulso, ação e reação na mente, são todos impermanentes.

Our ordinary mind is impermanent. It is not the same as it was when we were six months old. Even now, it continuously changes. If somebody praises us, we feel pleased and confident. If somebody insults us, we become angry. That anger branches out like tributaries of a river, and we relive memories, rehearse our anger, and react by creating more harm. The initial stimulus and its many tentacles of impulse, action, and reaction in the mind are all impermanent.

A verdadeira natureza da mente é a continuidade abaixo desse fluxo sem fim, como o espaço branco em uma página; os conceitos e emoções que surgem na mente são como as palavras. Nós experienciamos e nos identificamos com os nossos pensamentos e sentimentos, mas há alguma base, ou abertura, da qual eles surgem e para a qual eles retornam. Essa abertura é a natureza da mente.

The true nature of mind is the continuity beneath this never-ending flux, like the white space on a page; the concepts and emotions that arise in the mind are like the words. We experience and identify with our thoughts and feelings, but there is some ground, or openness, from which they arise and to which they return. That openness is the nature of mind.

A natureza da mente não pode ser encontrada ou provada como existente em um sentido literal, como se ela fosse um objeto material. Então, nós não podemos dizer que ela existe. Nem nós podemos dizer que, porque nós não conseguimos encontrá-la, ela não existe. Pensamentos de que ela tanto existe quanto não existe, ou que nem existe nem não existe, são apenas conceitos; eles não podem atingir aquilo que está além do conceito.

The nature of mind cannot be found or proven to exist in a literal sense, as if it were a material object. So we cannot say that it exists. Nor can we say that because we cannot find it, it does not exist. Thoughts that it both exists and does not exist, or neither exists nor does not exist, are only concepts; they cannot catch what lies beyond concept.

Para entender isso melhor, quando um pensamento surgir nós podemos nos perguntar, “De onde esse pensamento vem? Para onde ele vai? Qual é a natureza dele?”. Se nós examinarmos os pensamentos, nós não vamos encontrar nada permanente ou substancial. De fato, nós não vamos encontrar absolutamente nada existente. É por causa disso que nós dizemos que a natureza dos nossos pensamentos — sejam positivos ou negativos, felizes ou tristes — é “vazia”. Isso não significa, no entanto, que nada está lá, porque pensamentos continuam a surgir. Em um sentido relativo eles são verdadeiros, entretanto a verdade absoluta é que eles são vazios. A verdadeira natureza do pensamento, da mente, de todos os seres, de todos os fenômenos, é vazia, ainda assim é totalmente evidente.

To better understand this, when a thought arises we can ask ourselves, “Where did that thought come from? Where did it go? What is its nature?” If we examine thoughts, we won’t find anything permanent or substantial. In fact, we will find nothing existent at all. This is why we say that the nature of our thoughts — whether positive or negative, happy or sad — is “empty.” This does not mean, however, that nothing is there, because thoughts continue to arise. In a relative sense they are true, though the absolute truth is that they are empty. The true nature of thought, of mind, of every being, of all phenomena is empty, yet fully evident.

Vacuidade é a verdade absoluta de todos os fenômenos, a grande igualdade de todas as aparências. Nós não podemos chamar isso de “unidade” por causa da infinita variedade dos fenômenos que ocorrem. Nem nós podemos dizer que há apenas variedade infinita, porque na essência — vacuidade — todos os fenômenos são o mesmo. Essa essência desafia todos os conceitos de um ou muitos, existência ou não-existência.

Emptiness is the absolute truth of all phenomena, the great equalness of all appearances. We cannot call it “oneness” because of the infinite variety of phenomena that occur. Nor can we say that there is only infinite variety, because in their essence — emptiness — all phenomena are the same. This essence defies all concepts of one or many, existence or nonexistence.

A verdade absoluta está além de palavras e ideias. Tentar entender ela conceitualmente é como tentar pegar água com uma rede de pesca. A rede dos conceitos só é capaz de capturar conceitos. Perceber os fenômenos diretamente, sem a sobreposição de conceitos e a dicotomia de sujeito e objeto, é ver a verdadeira natureza deles.

The absolute truth is beyond words and ideas. Trying to understand it conceptually is like trying to catch water with a fish net. The net of concept can only capture concept. To perceive phenomena directly, without the overlay of concepts and the dichotomy of subject and object, is to see their true nature.

Traduzido para português por Lagarto Manco em outubro de 2018.

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