#CadeOCursinhoSaoRoque ? Uma sensação de tristeza e indignação.

Anderson Silva
5 min readMay 18, 2016

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Enquanto respondia (tentava) a prova do processo seletivo do Cursinho de São Roque, em 2011.

O Cursinho do qual participei para entrar na universidade está paralisado por falta de objetividade dos administradores públicos. Pessoas que deveriam servir o povo não o estão fazendo tão efetivamente e centenas de jovens estão com seus futuros ameaçados. A minha inquietação e indignação não me permitiu ficar calado, pois é fato que, se não fosse por esse cursinho, eu não teria aprendido nem conquistado nada do que consegui nos últimos 5 anos.

Na semana passada eu comecei meu segundo estágio na Google. Estou trabalhando no escritório de Montréal, cidade onde estou morando atualmente durante intercâmbio de graduação na McGill University, uma das melhores universidades da América do Norte. Considerada muitas vezes como a melhor empresa para se trabalhar em diversos países (incluindo no Brasil), meu estágio do ano passado foi na sede da companhia, em Mountain View, no Vale do Silício. Antes disso, eu fui bolsista da FAPESP, uma das instituições de pesquisa mais renomadas do país, que financiou meus projetos no Brasil e na Austrália. O ponto mesmo é que antes disso tudo, eu passei no vestibular da USP, a universidade brasileira que melhor figura em rankings internacionais.

Todos que me acompanharam nos últimos anos sabem sobre esses fatos. Eu não faço declarações online sobre o assunto, mas agora acredito que o devo fazer para prestar minha indignação. A verdade é que eu só tive todas estas oportunidades por conta de uma trajetória que se iniciou no Cursinho Popular de São Roque, em 2011.

O Cursinho foi criado por pessoas bem intencionadas, que não se sentiam conformadas com a desigualdade educacional no Brasil. Professores extremamente capacitados, que já trabalhavam durante o dia, mas mesmo assim se comprometeram em contribuir com o projeto no período da noite e aos finais de semana. Hoje em dia acho que nem o sistema de ensino privado no Brasil seja bom, mas é fato que eles aprovam seus alunos no vestibular, enquanto que o sistema público dificilmente atinge esse nível. Mais de 80% de estudantes frequentam o ensino básico público, mas ainda existem universidades e cursos que aderem mais do que essa porcentagem apenas de alunos oriundos do sistema privado. Os resultados, ao longo prazo, desse sistema que oferece educação superior de qualidade de forma desigual são conhecidos. É nesse contexto que a relevância do projeto fica evidente.

Eu participei do primeiro ano que o projeto ofereceu o curso extensivo. Antes disso, eu não sabia o que era vestibular nem universidade de qualidade. Vivia em um dos muitos universos paralelos que coexistem no Brasil, mas infelizmente pouco se cruzam. Se não fosse por esse cursinho, não consigo imaginar o que teria sido da minha carreira. É impensável cogitar “se eu não tivesse caído de gaiato nesse cursinho”, então blá-blá-blá. Resumidamente, no meu caso mesmo eu entrando no cursinho com uma defasagem monstruosa de conhecimento, eu passei em diversas universidades no fim do ano. Me lembro muito bem que tive que voltar ao material do ensino fundamental, pois havia chegado no terceiro ano do ensino médio sem saber esse conteúdo. O cursinho me guiou, apoiou e muitas vezes ensinou coisas que eu nunca tinha visto na vida durante todo esse processo.

O mais interessante disso tudo? Eu não sou exceção entre os alunos do cursinho. Eu sou a média. A regra. O cursinho aprovou centenas de estudantes que vêm de um sistema educacional falho. Estudantes de famílias que nunca tiveram chances de pisar nos campus universitários do Brasil. Hoje, diversos estados recebem os alunos desse projeto. Alguns já se formaram e já estão contribuindo para o desenvolvimento da sociedade.

Mais interessante ainda? Todos estes estudantes provaram ser capazes de entrar e também de sair do ensino superior. Em vários casos, muito bem e com grande estilo. Essas pessoas têm condições de aprender, concluir seus cursos e contribuir para o Brasil. Não fui o único ex-aluno do projeto exposto a oportunidades sensacionais no Brasil e no exterior.

Por que tanta indignação? Não sei exatamente a causa, pelo que entendi funcionários da administração pública de São Roque não muniram esforços suficientes para a viabilização do projeto para esse ano. A notícia pode ser conferida aqui. Me parece, como geralmente acontece no nosso amado Brasil, que a falta de administração e a lentidão por parte de alguns, não permitiu liberar documentações e trâmites necessários para o projeto continuar.

O Cursinho Popular de São Roque já existe há mais de 5 anos, e desde então só cresceu, melhorou e se tornou mais efetivo. Depois do sucesso em São Roque, conseguiram trazer o projeto para Mairinque. Mesmo escopo, nova cidade, novas oportunidades. Mairinque que é uma cidade de interior relativamente pequena, e que antes do cursinho tinha apenas aquele 0.00001% que chegava no ensino superior de qualidade, hoje também aprova dezenas de estudantes anualmente em diversos cursos Brasil afora.

Todos esses desdobramentos e grandes impactos nas vidas dos moradores de Mairinque, São Roque e região só foram possíveis por conta do projeto original criado em São Roque. É hilário o fato do projeto estar atualmente ativo em Mairinque mas não mais em São Roque. É bem verdade que o projeto me parece ameaçado. O impacto negativo já é evidente. Desde o começo do ano eu vejo, nas postagens do cursinho, na página de comunicação online, pedidos de paciência à centenas de estudantes que estão esperando as aulas desse ano. Essas aulas já deveriam ter começado em Março, já passamos metade de Maio e ainda nada. Não tenho dúvidas de que centenas de estudantes estão com seus sonhos de alcançar o ensino superior abalados. Não consigo deixar de pensar que essas pessoas ou não tem um pingo de empatia e consciência ao não perceber o quão importante o projeto é nas vidas dos estudantes, ou tem completa consciência e só querem manter a pirâmide da desigualdade brasileira como sempre fora.

Ao mesmo tempo que fiquei extremamente indignado, também me veio uma enorme tristeza com a situação. Minha relação com o cursinho, embora não evidente, é muito próxima. Além de visitar os alunos algumas vezes por ano, para gaguejar na frente deles com o objetivo de trazer informação e inspiração, em todos os lugares que passei nos últimos anos eu falei desse cursinho. Pessoas não apenas de diversas cidades e estados do Brasil, mas também de todos os continentes sabem da existência desse projeto. Geralmente preciso explicar aos não-brasileiros (algumas vezes para os brasileiros também) que o país é muito desigual e essas políticas públicas servem para gerar oportunidades a pessoas que nunca tiveram. Muitos deles não entendem como eu acho o cursinho mais importante do que cursar a própria USP ou fazer um estágio na empresa número um do mundo. É muito simples: se não houvesse cursinho, também não existiria universidades nem estágios.

Acho válido aproveitar a onda de mobilizações estudantis ao redor do Brasil. Seja nas redes ou nas ruas. Grandes mobilizações por parte dos futuros e ex-alunos. Organizem-se e mobilizem-se. Se manifestem nas redes, liguem para os gabinetes dos responsáveis e talvez mais importante: ocupem às ruas. O impacto negativo de ter esse projeto atrasado ou, no pior dos casos, desligado por 1 ano, será imenso. Não vamos deixar que nos tomem o que já é nosso por direito.

#CadeOCursinhoSaoRoque ????? Nos devolvam.

- A. Silva

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