Demon: The Fallen — Uma História de Personagem by Mitsunaga

Anderson G. Silva
15 min readDec 1, 2019
Reflections of a stone angel, an annunaki

Surgi no início, no terceiro dia da criação para ser mais exato, junto com tantos outros da Casa do Fundamento. Nós tínhamos a função específica de materializar as energias e dar forma aos pensamentos e assim o fizemos.

Moldei o chão, as montanhas, as árvores, a lua com seus palácios, brincava com a terra como um artífice que manipula o vidro incandescente ao seu bel-prazer. Grande parte de suas descobertas científicas e algumas que ainda vão surgir foram manifestadas através de cantigas e conversas daquela época. A beleza era incomparável! O que tens hoje aqui é só uma visão decadente e moribunda do que tínhamos…continuam sobre a terra que fizemos, mas a desrespeitam e a matam de todas as maneiras possíveis…estou perdendo o foco aqui.

Como ia dizendo, a criação era magnífica, todos os anjos do céu cumpriam sua razão de existência de forma mais que perfeita, achara que não poderia melhorar, mas estava errado. Alguns dias mais tarde, nos foi ordenado usar de toda a maestria adquirida na criação do universo para criar nossa obra prima, uma criação conjunta de todas as 7 Casas. Sim, estou falando de ti, tu foste nossa obra prima, vieste da terra, da lama, vieste de mim! Tua carne, teus ossos e órgãos foram idealizados e construídos por nossa casta e com a Graça do próprio Deus como toque final, ganhasse a vida e essa essência maravilhosa que tens dentro de ti.

Nós vos amávamos e por muito tempo foi assim, até que com a Profecia de Ahrimal e com todo o rebuliço que isso gerou, fomos forçados a escolher lados e meu amor por vocês falou mais alto, Deus acabaria entendendo e nos perdoando, eu pensava comigo mesmo. Precisávamos antes de tudo prepará-los para o mal que estava por vir e acordar todo o potencial humano para que se tornassem plenos e independentes.

Oceans, motions and emotions: Maya, the beautiful angel

Infelizmente, muitos não compartilhavam do nosso ponto de vista, deixei amigos e minha amada Maya, uma oceanita tão bela que você nem conseguiria imaginar, sua venustidade atravessava eras, sua fluidez e seu controle sobre os mares era ímpar e seu conhecimento sobre a psique, tanto dos anjos quanto dos homens, era mirificamente expressado em nossas conversas e debates. Mal sabia que só a veria mais uma única vez depois disso…

Conseguimos muito progresso nos anos que seguiram, até aquele fatídico dia em que Miguel, representando a vontade divina, visitou a terra e nos intimou a voltar aos céus, só para depois entrar em embate com Lúcifer e perder, dando início à guerra santa que duraria até a nossa derrocada ao abismo.

Daí pra frente foi de mal a pior, especialmente após o pecado de Caim, que desencadeou fúria e morte nas guerras que antes eram feitas através de debates e ideias. Não mais eu moldava a terra para criar coisas belas, me atinha a forjar armas e ferramentas voltadas à destruição e a encontrar caminhos e brechas nas fortalezas inimigas. Muitos de nós já estavam se perdendo à ira, monstruosidade, dúvida, frustração, arrependimento; em meio a todo esse caos eu me prendia ao amor à humanidade para justificar meus atos e suportar as dores que isso causava, na esperança de vitória ou até de misericórdia divina.

A última batalha que lembro foi a mais sangrenta até então, com anjos caídos devorando anjos e humanos, algozes aprisionando almas e usando-as como fontes de poder e o próprio Lúcifer veio ao campo de batalha para lutar conosco, o que deu um sentimento de invencibilidade nas hostes dos anjos caídos. Foi em meio a essa brutalidade que a encontrei mais uma vez, seus olhos como o mar visto da praia, aquele horizonte ao fundo, com a luz do sol acima; quando seu olhar cruzou com o meu, tudo o que eu queria era mergulhar naquelas águas e esquecer, afogar. Inconscientemente passei a ajuda-la, muralhas de pedra apareciam para protege-la de golpes mortais e o terreno subitamente se tornava mais complicado para os inimigos poderosos que se aproximavam dela; foi quando eu notei que estava mais rápido e mais leve que senti que ela também fazia o mesmo por mim e a partir de então, continuei protegendo-a, mas de forma mais sutil.

Num momento de descuido fui atingido, parte do meu braço foi queimado pela baforada de um anjo celestial, nada tão grave que atentasse contra a minha existência, mas foi o suficiente para fazer com que eu perdesse Maya de vista, não conseguia mais senti-la e o meu corpo já sentia o peso dos ferimentos e do cansaço, continuei como pude e aquele pesadelo foi se estendendo pelo que pareciam milênios, fomos caindo um por um e a derrota parecia certa, cada vez que piscava os olhos, estes pareciam passar mais tempo fechados, a exaustão física e mental já eram insuportáveis, só conseguia me manter apoiado em meu bastão enquanto causava terremotos e erupções a esmo, esperando pelo meu fim. Então, quando abro meus olhos novamente, a vejo uma última vez, correndo ao meu encontro para um abraço de despedida, mas com uma espada em suas mãos, deixo escapar um sorriso e a aperto contra mim, me rendendo à escuridão que devorava a tudo e a todos.

An tradicional family portrait

Olá…boa noite…*suspiro*(Me sinto estúpido fazendo isso). Hmm, bem, estou gravando um diário nesse toca-fitas a pedido da minha esposa Lucille (que está aqui do meu lado vendo se estou fazendo direito), para assim… conhecer mais a mim mesmo, deixar de lembrança pra nossas filhas ou ser usado em alguma obra póstuma depois de eu ter ganhado algum prêmio Nobel (risos). Tá bom, não é pra tanto. A verdade é que eu ando meio esquecido e isso só vem piorando nos últimos anos, a Lucille acha que pode ser indício de Alzheimer então, não sei, tô guardando aquilo que ainda me resta aqui de dentro da minha cabeça, enquanto eu ainda sou eu mesmo. Tenho 34 anos e nos últimos 2 anos as coisas vêm ficando complicadas… (o quê? Do começo?) *suspiro* Okay.

Old Corby

Sou Bertrand Conway, nasci em 03 de setembro de 1953, na cidade de Corby, na época a cidade estava passando por uma urbanização, se tornando “Amigável para carros”, com estradinhas e tudo mais. A cidade era famosa pela sua siderúrgica e seus trabalhos com aço que ajudaram bastante na segunda grande guerra, meu pai, o velho Duncan, que Deus o tenha, trabalhava nessa siderúrgica enquanto minha mãe… (Lindsay) Lindsay, isso, minha mãe ficava em casa, cuidando de mim e de meus irmãos. Eu fui o terceiro filho da família, tive dois irmãos mais novos mas um deles, Neil não chegou a nascer com vida e o outro Marcel, pegou sarampo quando ainda era bebezinho e não sobreviveu…dos meus irmãos mais velhos, John era o primogênito e era o mais descolado de todos, tocava o seu violão, fumava seu cigarro, mas não gostava muito de trabalhar (risos)… mais tarde ele iria pra América protestar contra o sistema opressor fumando maconha, cantando e fazendo sexo *cutucada* (eita, não era pra falar isso aqui?) *pigarreio* enfim, depois disso raramente tivemos notícias dele, soube que montou uma família por lá e já tem até netos. O segundo filho, Connor, já era mais responsável e trabalhava com meu pai pra botar comida dentro de casa, anos mais tarde quando bateu a crise da siderúrgica da cidade ele construiu uma igreja e tá lá até agora.

Eu cresci nesse meio, nunca me dei muito com trabalho pesado e especialmente depois da morte dos meus irmãos, meus pais quiseram que eu não forçasse muito, que estudasse e fosse letrado. Acabei vendo que eu tinha jeito pra coisa e não desperdicei a oportunidade que estavam me dando, do sacrifício da minha família pra me garantir o estudo. Sempre fui muito grato a eles, apesar de agora… não estar mais lembrando tanto deles.

Cambridge University

Bem, voltei, probleminhas técnicos… Lá pra época que o John foi pra América, eu ganhei uma bolsa parcial pra Universidade de Cambridge pra cursar engenharia, ia estudando e vivendo como podia enquanto fazia alguns bicos no Shopping Bradwells Court, que tinha aberto há alguns anos. Foi nesse período que conheci a Lucille, quando bati os olhos nela, parecia a coisa mais linda que já tinha visto (e até hoje é assim), fiquei embasbacado com aquela francesinha que tinha vindo à Cambridge pra estudar na universidade, nada de inteligente saía da minha boca, não sei como ela deu bola pra mim (bem que eu também não era de se jogar fora né)(risos).

The Idol of Shiva (Wyrm, in Garou) in CERN

Vivemos uma história de amor com direito à baile, milk shake, participar de movimentos estudantis, competir em clube de xadrez, passar dificuldades, briga com marmanjos pra defender a honra da dama, até que nos formamos, me especializei em engenharia elétrica e ela em química, e pouco tempo depois veio nossa primeira filha, Marceline, juntamente com uma proposta de participação em um projeto experimental para nós dois, iríamos viajar para Suíça e trabalhar nos laboratórios da CERN, ela ficaria responsável pelos estudos científicos e eu pelo desenvolvimento dos equipamentos.

Tunnels of the CERN

Quatro anos depois nasceria nossa segunda filha, Yasmin, e a Lucille acabou se afastando um pouco do projeto para focar mais na nossa estrutura familiar e eu fui realocado a um projeto que iria englobar o subterrâneo da cidade inteira.

In the Shape of Mumu: An annunaki malefactor rises in Hell

Não sei muito o que aconteceu depois disso até o dia em que finalmente acordei no abismo, as informações que recebia eram dadas de forma incompleta e receosa, tudo o que eu sabia era que fomos condenados por Deus ao abismo e que Lúcifer tinha nos abandonado.

Dúvidas inundavam minha mente, eu deveria ter deixado de existir! Será que Deus me curou somente para me jogar no Inferno e me fazer sofrer pela eternidade? O que eu fiz realmente merecia esse tipo de punição? Pra onde foi Lúcifer, por que ele nos abandonou? O que vamos fazer agora? Há algo que se possa fazer, além de matarmos uns aos outros e buscar por poder nessa zona abissal, gélida, cruel, desalentada? O que aconteceu com Maya?…

Pra você ver, essas mesmas perguntas me afligem até hoje e eu não sei quantos milhares de anos se passaram desde então! Com isso você percebe o nível de insanidade, fúria e frustração que vinham acumulando e acumulando… eu era capaz de estourar uma alma humana só implantando minha raiva nela, despedaçar sua alma em pedaços e coloca-la em pedrinhas que eu encontrava no chão só pra ter o prazer de pisar em nelas por mil vezes enquanto andava em círculos pensando, refletindo.

O único prazer que tinha naquela época era de ir para o limite do abismo onde as almas humanas passavam e tentar agarrar um desafortunado pela perna pra ter algum tipo de diversão por algumas centenas de anos. Nosso outro passatempo era se reunir e tramar planos de vingança contra Deus e contra os humanos que nos esqueceram e nos abandonaram tanto quanto Lúcifer e a única coisa mais próxima de reza que poderia existir em mim era pra que este tivesse sido apagado da existência, porque se ele realmente tivesse nos traído, mereceria algo bem pior do que a eternidade no abismo, e com esse pensamento tinha mais uma horda de demônios clamando pelo seu sangue, e de qualquer outra coisa que ainda tenha sangue, diga-se de passagem.

Vocês humanos, passam seis meses na cadeia e saem de lá como monstros, imagina estar há milhares de anos no inferno, sentindo o mundo vivo ao seu redor e sabendo que a humanidade esqueceu completamente da sua própria história e zomba dos seus antigos mentores, nos transformando em monstros que por ganância desafiaram a Deus. Esquecem que todo o conhecimento que têm hoje veio da gente, assim como sua capacidade de evoluir e viver de forma independente. Criaturas ingratas, egocêntricas, narcisistas!…* Respira fundo e se acalma*… Esses eram pensamentos que tinha com frequência quando estava naquele lugar e não é algo muito saudável ficar relembrando disso.

Depois de alguns éons, algumas coisas começaram a acontecer, alguns dos mais poderosos começaram a sumir e depois descobrimos que os humanos estavam invocando demônios em rituais, logo em seguida uma brecha se abriu por algum motivo que não sabemos ainda e isso permitiu que vários como eu escapassem do inferno sem nem olhar para trás.

Saí do inferno com o êxtase da liberdade que inflava meu espírito, podia ver o que antes eu sentia através das minhas lentes de ressentimento e estava pronto pra colocar meus planos em prática, expor todo meu ódio a Deus e aos humanos, seguindo os preceitos Faustianos, no entanto o abismo me puxava e não conseguiria me manter na terra sem um corpo físico, por sorte, distâncias não eram problemas pra mim e eu fui levado a um receptáculo que chamara minha atenção.

In the tunnels of CERN: A gateway to the underworld and beyond

Voltei, a Lucille não está aqui, vou gravar esta fita e esconder depois porque ela não deve ser achada agora. Tem umas coisas estranhas acontecendo, esse pessoal aqui está mexendo com coisas que eles não conhecem direito. Eu que convenci a Lucille a largar este negócio aqui e ficar mais com nossas filhas e se possível bem longe. Não pode ser coincidência, eu comecei a ter esses surtos de perda de memória assim que algumas coisas desse projeto começaram a se concretizar. Já ouvi falar que eles fazem rituais com sacrifícios e que querem obter meios de se comunicar com outras dimensões ou mundos paralelos, isso é loucura! Tenho que tirar a Lucille e as meninas daqui o mais rápido possível. Hoje é 7 de agosto de 1988 e amanhã já vai acontecer a primeira rodada de testes, não posso deixar que isso dê certo.

Olá, bom dia! Hoje é 10 de agosto de 1988 e fizemos uns testes no nosso novo projeto há dois dias. Quero dizer que correu tudo bem! O que esse pessoal tá fazendo vai revolucionar como vemos o mundo! Com certeza vai ajudar muita gente. Mal posso esperar pra contar pra Lucille e pras meninas do nosso sucesso! Em breve terão mais testes!

Boa noite, estou aqui com a Lucille pra começar esse projeto de fazer um diário gravado, não é, amor? Primeiro de janeiro de 1989, ano novo, vida nova, esse ano promete!

Dia 02 de fevereiro de 1989, estamos passando por alguns problemas, a Lucille foi diagnosticada com Leucemia e aparentemente está num estágio bem avançado. Como não notamos isso antes? Agora ela está passando por tratamentos, aqui mesmo na CERN, vamos rezar para que dê tudo certo!

*fungado * Hoje é dia 04 de julho de 1989, e faz três meses que a Lucille se foi, os médicos disseram que a doença evoluiu muito rápido e que não havia muito o que fazer, ela foi muito guerreira e lutou até o fim. *fungado* As meninas ainda estão sentindo muito… nada vai ser como antes, mas temos que arranjar um jeito de vivermos nossas vidas apesar dessa tragédia. Tento esquecer minhas mágoas me dedicando ao máximo… ao projeto e quando volto pra casa, tentamos fazer algo pra nos distrair. Minha mãe que estava morando com meu irmão está passando um tempo conosco pra ajudar na situação, então está sendo menos difícil assim.

Bom dia… Hoje é dia 07 de julho de 1989… o meu problema de memória vem piorando, não saberia a data de hoje se não estivesse com um calendário marcado aqui. Deus me perdoe, mas tem vezes que não consigo lembrar das minhas próprias filhas, não sei o que aconteceria se a minha mãe não estivesse aqui. Quero muito continuar fazendo essas gravações, têm sido uma terapia pra mim, sinto que tivesse prometido a alguém que faria isso… não consigo lembrar e nem consigo achar minhas fitas antigas… parece que tudo o que eu consigo reter na memória são coisas referentes ao meu trabalho… não sei porque mas tenho a sensação de que esse projeto vai ser a última coisa que faço na vida… tenho que fazer bem feito então, hã? (risos)

Por favor, Deus! Por favor! Não me deixa esquecer as coisas eu tô começando a me lembrar de tudo, minha esposa morreu de câncer, minha mãe desapareceu e eu perdi a guarda das minhas filhas, elas estão em um internato aqui na CERN e eu nem posso mais vê-las, umas pessoas acham que é Estresse Pós Traumático, outras que é Alzheimer em estado avançado, eu não sei o que está acontecendo! Por favor, faça eu manter as minhas memórias, tudo o que eu quero são minhas filhas comigo de novo. Eles me enfiam em laboratórios apertados pra trabalhar em protótipos que eu nem sei mais o que são, eles me deixam saber o mínimo que preciso pra dar continuidade ao projeto e nem sair daqui eu consigo. Já não sei há quantos meses que eu moro nessas instalações subterrâneas, estou enlouquecendo, por favor, me tire daqui!

CERN scientists stage human ritual sacrifice

Bom dia! Primeiro de janeiro de 1990, estou muito feliz trabalhando aqui, nunca imaginei que minha vida teria tanto sentido ao dedicá-la inteiramente ao projeto LHC aqui da CERN, vamos mudar a vida de toda a humanidade para o melhor, tenho certeza disso! Esse ano promete (risos).

Hoje é dia 3 de outubro de 1990, mais tarde vai ser realizado o teste inicial do LHC, estou ansioso por isso, pode ter certeza que vou dar o meu melhor.

Out to the Abyss

Cheguei ao local e aquela cena lembrava muito o local de onde tinha saído, era escuro, com luzes que brilhavam como pequenas explosões ao longe e a frieza me fazia tremer só de lembrar do abismo que sussurrava em meu ouvido o seu convite para voltar. Não consigo encontrar ninguém a princípio e já estava perguntando se realmente tinha acertado o caminho quando sinto sua energia, uma energia fraca, desfragmentada, depressiva, suicida.

Paro em frente ao homem que está sentado no chão, chorando, soluçando, suas mãos cobertas de sangue portavam uma caneta de solda. Fico imaginando se ele iria conseguir terminar o serviço e se furar até não ter mais sangue em suas veias. É tão tentador parar e ver que eu me abaixo e fico com meu rosto próximo do dele pronto para soltar sussurros que sua alma nunca iria esquecer, onde quer que fosse, mas quem acabou escutando algumas coisas fui eu.

Eu não conhecia nada desse homem e pra falar a verdade eu só queria vê-lo deitar e morrer, pra depois pegar sua casca vazia, mas algo me chamou atenção. Suas lágrimas, sua expressão, pareciam tão genuínas, lágrimas de arrependimento de uma vida não vivida, de um amor mal-amado, de ter feito atos imperdoáveis e ao mesmo tempo de ser injustiçado no processo. Ele murmurava perguntas para Deus e o mundo, mas ao mesmo tempo eu via sua convicção de querer pagar pelos seus pecados, de querer de algum modo compensar tudo o que fez com o oferecimento de sua vida e isso foi nostálgico, até demais.

Num momento de distração quase que sou levado de volta e sou obrigado a aceitar a urgência da possessão. Não o espero terminar o processo e entro em seu corpo.

Começo a sentir, depois de milhares de anos, e mesmo assim é diferente dos sentidos angelicais, a essência da vida que eu tinha antes era diferente da desse corpo. Sinto dor, muita dor, o fogo, o frio, a sensação do molhado, cheiro de sangue, urina, suor, um suor frio provocado pela dor aguda, minhas pernas estão fracas¸ minhas mãos não conseguem soltar o objeto que queima tudo o que toca. Tudo que sinto são diversas variações de dor e fraqueza e mesmo assim sinto um certo alívio por estar vivo e não voltar mais para as profundezas.

Quero me curar e esse homem tem toda a fé que eu preciso, no acesso a sua fé, também tenho acesso a suas memórias e elas inundam minha mente. Tendo acesso a tudo, percebi que este homem não teve uma vida fácil, sua mente estava sendo forçada a esquecer, seus remédios para memória só o faziam esquecer cada vez mais das coisas, sua vida estava sendo monitorada e todas as fitas estavam sendo recolhidas e escutadas para avaliá-lo. Como este humano só descobriu isso tudo no fim de sua vida? Apesar de todo o conhecimento técnico nessas máquinas, sua ignorância me lembra àqueles primeiros humanos que juramos amar e proteger. Me pergunto desde quando que este ser estava sendo manipulado e por quem.

Consegui ver que num último ato heroico Bertrand conseguiu convencer a todos de uma falha nos testes por causa de um superaquecimento, depois prosseguiu para abortar a missão, o atraso em suas ações vindas da sua confusão mental que ainda permanecia, fez com que não conseguisse impedir o início do processo, mas que conseguisse cessar o sistema eventualmente. Seu objetivo era acabar com tudo e consigo mesmo, dando fim a esse ciclo de mentiras.

Mal sabe ele que o projeto que deu fim a sua vida, foi o mesmo que lhe deu uma chance de renascer, do contrário eu não estaria ali…

Sinto que isso seria o que eu falaria se precisasse contar da minha história para algum humano, mas eles não estariam preparados para entender tudo isso…

Créditos: Massao Mitsunaga

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