Inteligência Artificial e Autoconhecimento

André Coimbra Felix Cardoso
12 min readAug 31, 2023

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A IA tem avançado na realização de diversas tarefas e já é utilizada até no processo de autoconhecimento. Mas toda essa tecnologia tem um limite e nesse artigo vamos abordar quais são. Não há, pelo menos até o momento, como substituir a sensibilidade humana capaz de sentir a si mesmo e gerar a autocompreensão resultante, seguida de uma resolução de autotransformação. Somente a consciência é capaz de fazer isso, em que pese o auxílio que pode vir da Inteligência Artificial.

A inteligência artificial pode auxiliar no processo de autoconhecimento no tocante a coleta e análise de grandes volumes de dados que nós geramos em nossas atividades diárias, nossos hábitos, comportamentos e interações. Isso pode ajudar no processo de reflexão que visa revelar padrões que talvez ainda não percebamos sozinhos. O “eu cego” da Janela de Johari ou o “eu que não percebo” pode ser parcialmente percebido pela IA. É semelhante ao processo de coleta de feedback. O próximo passo será nosso, devemos refletir sobre tais padrões indicados pela IA com o objetivo de ter insights a nosso próprio respeito.

Algoritmos, aplicativos e ferramentas de IA podem até oferecer sugestões de reflexões personalizadas com base em nossas preferências, estados emocionais e histórico. Qual o risco? Pelo fato de serem baseadas em nossas preferências e histórico podem estimular mais a reprodução e a continuidade daquilo que já estamos ao invés da transformação na nossa mais alta possibilidade futura (o que essencialmente somos). Parte do processo de compreensão de nós mesmos depende fundamentalmente do voltar-se para o nosso interior (introspecção) para gerar autocompreensão psicológica (mental, emocional e espiritual), áreas em que a IA ainda tem limitações.

Em que pese haver algumas ferramentas de IA que podem auxiliar no processo de autoconhecimento, um processo sério de autoconhecimento pode ser efetuado com base no estudo de 7 Níveis ou dimensões de reflexão e compreensão de nós mesmos (uma estrutura de 7 elementos inter-relacionados que funciona como uma referência tácita para a nossa operação). Veremos a seguir como a IA pode ajudar em cada um dos 7 níveis.

Antes, porém, convém dizer que, de modo tácito, todas as pessoas possuem essa estrutura de referência interna, ainda que nem sempre tenham clareza e consciência disso. Consequentemente não interagem com essa possibilidade e não colhem todos os seus benefícios. Por essa razão, qualquer esforço no sentido de explicitar para si mesmo essa estrutura — tomar consciência dela e aperfeiçoá-la — será útil ao longo da jornada de autoconhecimento e autorrealização. Vejamos cada um dos 7 níveis do sistema e algumas das ferramentas de IA que podem auxiliar no processo de autoconhecimento.

Nível 1 — Cosmovisão, Autobiografia e Significado.

Tire um tempo para refletir sobre seus valores, crenças e atitudes mentais perante a vida. Faça perguntas sobre quais as suas crenças sobre o sistema holo e sobre si mesmo, sobre o contexto maior e o seu papel dentro dele. Nenhuma intenção de sucesso dentro do sistema irá ajudar enquanto não houver uma hipótese a ser pesquisada e testada sobre o que é o Sistema, quais são as suas leis básicas e qual a sua situação dentro dele.

Fazemos uma autobiografia para revisitar lugares da nossa alma (psique). Lugares que não ficaram muito harmônicos dentro de nós mas que precisam ser harmonizados e curados com os remédios da maturidade e da positividade de uma perspectiva superior da realidade.

Nesse sentido, o de estimular reflexões mais filosóficas e positivas, existe o Replika, que é um chatbot projetado para conversas significativas e reflexivas. Ele usa IA para aprender com suas conversas e oferecer suporte emocional, além de estimular a autoconsciência. Além disso, plataformas educacionais que usam IA podem recomendar livros, cursos e conteúdos com base em seus interesses filosóficos, religiosos e objetivos de vida, contribuindo para a ampliação da sua consciência sobre o sistema holo. No entanto, não deixe de pesquisar por si mesmo. Nem tudo que é relevante para a expansão da consciência será trazido pela IA.

Nível 2 — Visão sobre a sua mais alta possibilidade futura (o Self)

Com base na reflexão anterior já feita, imagine a sua mais alta possibilidade futura em um futuro emergente, o qual você quer realizar ou do qual você quer ser parte. Você pode se inspirar em referências externas, pessoas e biografias que você admira. À luz dessa perspectiva, imagine-se ou visualize-se positivamente em termos de repertório de atitudes, conhecimentos, habilidades e hábitos, dessa pessoa, que formam, nesse estado futuro, as suas capacidades e realizações. Esse será o norte da bússola interior que irá te ajudar a se mover para adiante na medida em que você sintonizar e interagir com essa possibilidade.

Não se trata necessariamente de fazer ou obter coisas ou chegar a algum lugar (cargo ou status), mas de desenvolver repertório de capacidades (atitudes, conhecimentos, habilidades e hábitos). Lembre-se que ninguém chega a lugar algum só porque deseja. Há insumos para isso. As pessoas chegam a algum lugar e obtém o que querem porque desenvolveram capacidades e hábitos necessários a isso. Portanto, foque nas capacidades e nos hábitos, e o resto vem por consequência.

Nesse caso, a IA não tem quase nada a contribuir. O esforço é um processo de imaginação e intuição dos seus atributos essenciais (ativados e ampliados) elevados a sua melhor possibilidade futura. É um exercício intransferível. E que bom que é assim.

Nível 3 — Visão sobre a sua realidade atual (o Ego)

Mapeie a sua realidade atual. Identifique as suas forças, capacidades e conquistas permanentes (hábitos). Mas não deixe de reconhecer e também compreender as suas fraquezas, resistências internas e fontes de auto sabotagem. Isso envolve o desenvolvimento da habilidade fundamental de autoconsciência interna e externa. Colete feedback de amigos, parceiro/a, familiares e colegas sobre as percepções deles sobre você. Eles podem oferecer insumos que você pode não ter percebido e que se devidamente processados por você podem estimular insights de autocompreensão. É importante também reconhecer a sua atual estrutura de vida cotidiana, que é como você investe o seu tempo e a sua energia psíquica (a atenção).

Nesse sentido, existem ferramentas de análise que podem examinar a sua atividade nas redes sociais para identificar padrões de interação e de como você se expressa online (o seu eu público da Janela de Johari). Isso pode te ajudar a ter insights sobre o quanto de energia você está alocando na satisfação de necessidades inferiores (de afeto e pertencimento, reconhecimento social e estima da própria imagem) ao invés de necessidades superiores como autorrealização, criação e autenticidade, beleza e arte, sabedoria e transcendência do ego. Também existem aplicativos de Rastreamento de Atividades com ferramentas que monitoram suas atividades diárias, como exercícios, sono e alimentação, etc. Eles podem ajudar a identificar padrões para você ter insights sobre seu estilo de vida e os seus hábitos. Existem ferramentas de análise des sentimentos que podem ajudar a categorizar suas emoções e sentimentos ao analisar textos que você escreve, como diários ou mensagens.

Nível 4 — Estratégia de Vida

Não há muitas contribuições da IA aqui, pois se trata de um processo criativo de dentro para fora. Crie uma Estratégia e visualize/conecte o estado atual (o ego) à sua mais alta possibilidade futura (o Self) por meio da reflexão sobre o que deve ser eliminado, reduzido, mantido/ampliado e criado em você para realizar a sua mais alta possibilidade futura. Então, projete uma representação do seu programa de auto-inovação, um alvo a ser mirado, baseada principalmente no que você precisa ampliar e criar de novo, isto é, atributos que o/a ajudarão a se aproximar da sua mais alta possibilidade futura.

Entretanto, defina-se menos e experimente mais, isto é, desconfie de si mesmo e tome cuidado com o viés de confirmação das suas crenças a respeito de si mesmo. Experimente coisas novas para descobrir do que gosta e do que não gosta. Abra-se e mantenha-se receptivo(a). Isso pode ajudar a ampliar sua compreensão de si mesmo. E quando for se “autodefinir”, procure delinear ao invés de definir. Novamente, pense em termos de repertório de atitudes, conhecimentos, habilidades e hábitos essenciais e saudáveis ou positivos.

Por outro lado, pense nos pilares ou estrutura de transição e sustentação que conduzirão você a essa nova realidade. Isso pode significar uma mudança gradual na sua estrutura de vida cotidiana, que é a forma como você investe o seu tempo e atenção (energia psíquica). Procure planejar o seu tempo (curto, médio e longo prazos) para experimentar e criar gradualmente projetos paralelos a serem tocados simultaneamente com os projetos que fazem sentido hoje. Por exemplo, use a estratégia Barbell: invista 80–90% do seu tempo e atenção em projetos mais seguros e necessários a sua subsistência. Mas guarde 10–20% do seu tempo e atenção para se dedicar a novos projetos paralelos e que te trazem flow (exposição a riscos). Com o tempo, à medida em que as coisas forem se estabelecendo, essa proporção pode ir mudando, isto é, invertendo para o lado dos novos projetos. Esteja receptivo/a a isso.

Nível 5 — Ação prática e focada

Após analisar a sua estrutura da vida cotidiana, liste os seus hábitos, qualifique-os como positivos, negativos ou neutros e reflita sobre “por onde começar” na realização de mudanças dos seus padrões de vida (rotina diária, semanal, mensal, etc.), isto é, faça a mudança que tiver de ser feita para realizar paulatinamente os objetivos que o/a conectam a sua mais alta possibilidade futura. Isso envolve a eliminação de hábitos negativos (não convenientes ao desenvolvimento da sua mais alta possibilidade futura) e criação de hábitos positivos que podem ser linkados aos seus bons hábitos já existentes. Pratique a atenção plena para se autoobservar e se sentir a si mesmo sem julgamento. Isso pode ajudar a reconhecer seus pensamentos e emoções no momento presente.

E diante do “caos diário” (de inúmeras demandas cotidianas, o to do list), pratique a meditação para se carregar na fonte, e reflita sobre como você pode fazer para manter o comprometimento com o seu foco na sua mais alta possibilidade futura.

Existem aplicativos que oferecem exercícios de meditação e mindfulness personalizados para melhorar a atenção plena e a autoconsciência. Contudo, não crie dependência. Ao invés, desenvolva o hábito de ativar a própria vontade no lugar de uma atenção passiva. Reivindique o controle da experiência e gerencie o seu tempo para que crescentemente haja uma transição da realidade atual (ego) para a sua mais alta possibilidade futura (Self). Assistentes como Siri, Google Assistant e Alexa se devidamente instruídos podem fornecer informações sobre suas preferências conscientes, hábitos positivos e lembretes personalizados, ajudando a criar uma rotina mais produtiva para o alcance da sua mais alta possibilidade futura. Além disso, existem Chatbots que oferecem suporte emocional e técnicas de enfrentamento, tornando-se uma opção acessível para momentos de estresse e ansiedade. Por exemplo, o Reflectly que é um aplicativo de diário de gratidão com IA para orientar você em suas anotações diárias, ajudando a focar nas coisas positivas da vida. Mas lembre-se, os assistentes não têm a empatia e a sensibilidade de um ser humano, mas podem ser experimentados caso não se esteja conseguindo uma companhia ou uma autocompanhia positivas (automotivação).

Nível 6 — Estudo dos Sonhos

Aqui também não há muito o que esperar da IA. É o seu esforço pessoal. Tenha um diário de registro de anotação dos seus sonhos. Acumule registros para analisá-los em série e busque estar receptivo(a) e atento(a) ao simbolismo (feedback) que vem do seu inconsciente. Quando estamos atentos e reflexivos a essa possibilidade, podemos extrair significado dos sonhos em relação a atitudes que podemos evitar e eliminar e a atitudes que podemos ampliar e criar/ativar em nossa vida. Apenas se você se lembrar de sonhos e atribuir algum sentido a partir deles, procure refletir sobre como isso se conecta com a sua realidade atual e a sua mais alta possibilidade futura.

Nível 7 — Medição do avanço

Mantenha um Diário ou uma escrita regular que ajude a expressar e registrar seus pensamentos, sentimentos e experiências. Como você está se sentindo? Isso pode revelar padrões comportamentais e emocionais ao longo do tempo. O objetivo aqui é encontrar indicadores ou formas de avaliação periódica que permitam aferir se as suas ações estão, de fato, conduzindo você a sua mais alta possibilidade futura (nível 2), que por sua vez pode estar sempre alinhada a sua visão do Sistema Holo (nível 1)…

Nesse sentido, existe o Moodnotes: um aplicativo que utiliza a terapia cognitivo-comportamental para ajudar você a acompanhar suas emoções e padrões de pensamento facilitando insights sobre como suas emoções podem estar relacionadas a diferentes situações. Você também pode, ao longo da sua jornada, avaliar, corrigir e aperfeiçoar a sua percepção de cada um dos 7 níveis do sistema. Por fim, avalie tudo sempre que possível. E nessa linha, o mais próximo que existe é o Journey: um aplicativo de diário que utiliza IA para analisar seus registros e fornecer reflexões sobre seus sentimentos e experiências ao longo do tempo.

Como vimos, a IA tem avançado na realização de diversas tarefas, inclusive, no processo de autoconhecimento. A inteligência artificial pode auxiliar especialmente no tocante a coleta e análise de grandes volumes de dados que nós geramos em nossas atividades diárias, os nossos hábitos, comportamentos e interações. Vimos que, num processo sério de autoconhecimento, podemos trabalhar os 7 níveis acima descritos, e a IA tem uma contribuição mais direta nos níveis 3 (favorecendo o reconhecimento da realidade atual); 5 (favorecendo uma ação prática mais focada na nossa mais alta possibilidade futura); e 7 (favorecendo a medição do nosso avanço pro meio dos dados) do Sistema de 7 níveis, isto é, no que tange ao autoconhecimento de fora para dentro. Entretanto, existe uma contribuição muito baixa ainda aos níveis 1, 2, 4 e 6. O próximo passo será refletir, de dentro para fora, a partir de tais padrões indicados tanto pela IA como pelas pessoas ao nosso redor, com o objetivo de ter insights a nosso próprio respeito.

Pode haver alguma contribuição aos níveis 1 e 2, já que algoritmos, aplicativos e ferramentas de IA podem estimular sugestões de reflexões personalizadas com base em nossas preferências, crenças, valores, atitudes emocionais, estados emocionais e histórico. Mas aqui é uma zona incerta, pois corre-se o risco de ser mais do mesmo, de reproduzir e continuar aquilo que já estamos ao invés de transformar-nos no que realmente somos (explorando todas as nossas potencialidades), a nossa mais alta possibilidade futura. Sem falar que a IA não possui os critérios pelos quais devemos balizar a nossa vida e pode até trazer ideias nesse sentido. Daí cabe a nós avaliar isso. Entendendo que o modelo de desenvolvimento está dentro de nós e não nela. Ainda que possas receber inputs dela.

Lembre-se de que parte do processo de compreensão de nós mesmos é intransferível, pois depende da meta-atenção, de voltar-se para o próprio interior (a introspecção no Ser) para gerar compreensão psicológica (mental, emocional e espiritual), áreas em que a IA ainda tem limitações. Inputs externos são sempre úteis mas insuficientes para o autoconhecimento e a autorealização.

Por fim, aqui estão alguns exemplos de aplicativos com IA que auxiliam no processo de autoconhecimento:

1. *Moodnotes*: Este aplicativo utiliza a terapia cognitivo-comportamental para ajudar você a acompanhar suas emoções e padrões de pensamento. Ele oferece insights sobre como suas emoções podem estar relacionadas a diferentes situações.

2. *Journey*: Um aplicativo de diário que utiliza IA para analisar seus registros e fornecer reflexões sobre seus sentimentos e experiências ao longo do tempo.

3. *Youper*: Funciona como um assistente de saúde mental, usando conversas baseadas em texto para ajudar você a entender suas emoções e pensamentos. Ele também oferece técnicas de terapia cognitivo-comportamental.

4. *Reflectly*: Este aplicativo de diário de gratidão utiliza IA para orientar você em suas anotações diárias, ajudando a focar nas coisas positivas da vida.

5. *Meditopia*: Um aplicativo de meditação que usa IA para recomendar sessões de meditação e exercícios de mindfulness personalizados com base em suas necessidades e objetivos.

6. *Replika*: Um chatbot projetado para conversas significativas e reflexivas. Ele usa IA para aprender com suas conversas e oferecer suporte emocional, além de estimular a autoconsciência.

7. *Spire*: Este aplicativo monitora sua respiração e nível de estresse para ajudar você a desenvolver uma maior consciência de como suas emoções afetam seu corpo.

8. *Daylio*: Um aplicativo de diário e rastreamento de humor que utiliza IA para identificar padrões em suas atividades e sentimentos ao longo do tempo.

Feitas as ressalvas e considerações acima (sobre os limites os riscos da IA), convido você a explorar esses aplicativos para descobrir qual se adapta melhor às suas necessidades e preferências. Alguns dos aplicativos acima oferecem versões gratuitas com recursos básicos, enquanto outros podem ter assinaturas premium que desbloqueiam recursos adicionais. Geralmente, os aplicativos oferecem uma combinação de opções gratuitas e pagas para atender às diferentes necessidades dos usuários. Certifique-se de verificar os detalhes na loja de aplicativos antes de fazer o download para entender quais recursos estão disponíveis gratuitamente e quais exigem pagamento.

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André Coimbra Felix Cardoso

Professor da UFSCar, Coordenador do MBI UFSCar e Self Innovation Designer