Crítica: Super Mario Bros. (o filme de 1993)

Andre Carvalho
5 min readNov 28, 2021

O filme Super Mario Bros., lançado em 1993, foi a primeira grande tentativa de transportar o universo de um videogame para as telas do cinema. Não levar isso em conta ao se falar do filme é quase uma injustiça. Se até hoje, quase três décadas depois, pode-se discutir se alguma adaptação cinematográfica de videogames conseguiu achar o tom correto (spoiler: não), imagine ser o primeiro a tentar fazer isso.

Pra piorar, a produção do filme foi um caos. Os diretores (Annabel Jankel e Rocky Morton) haviam concordado em filmar um roteiro “mais adulto”, mas os produtores mudaram de ideia e ordenaram repetidas mudanças no roteiro ao longo das filmagens, com a intenção de vendê-lo para um público mais infantil. Os atores ficaram insatisfeitos com essas indefinições e ainda tinham uma péssima relação com os diretores, a quem acusavam de ser muito controladores.

Mas vamos ao filme que saiu dessa bagunça.

Mario (Bob Hoskins) mora no Brooklyn e tem um irmão mais novo (sem bigode) chamado Luigi (John Leguizamo). Os dois são encanadores e têm um negócio que não vai bem, principalmente por causa da concorrência de Scapelli (Gianni Russo), dono de um grande conglomerado, que não está nem um pouco satisfeito com a paralisação de uma de suas obras devido à descoberta de fósseis de dinossauros no local. A responsável pelas escavações, Daisy (Samantha Mathis), conhece a dupla por acaso e, tanto por terem um inimigo em comum quanto pela química imediata entre Daisy e Luigi, os três se tornam amigos. Mas a jovem é raptada pelos capangas de um tal Koopa (Dennis Hopper), que depôs o governante e se autoproclamou presidente de uma outra dimensão, para onde ela é levada, iniciando a aventura dos dois irmãos para resgatá-la.

Não se parece tanto assim com a imagem que temos dos jogos da franquia, certo? Mas também parece um pouco. E parece mais ainda quando falamos de 1993, época em que muitas das convenções atuais não existiam e os jogos em três dimensões, que consolidaram a (falta de) personalidade do encanador, sequer haviam sido lançados. Então:

  • A voz aguda e com sotaque italiano forçado não existia. Mario tinha falado em poucos e obscuros jogos (educativos, como um que prometia ensinar crianças a digitar). Sua voz mais conhecida de então, vinha provavelmente de um desenho animado chamado Super Mario Bros. Super Show, que chegou a passar no Brasil, nas antigas manhãs infantis da TV aberta.
  • O Brooklyn já estava estabelecido como seu local de origem em mangás, videogames (o jogo educativo Mario is Missing foi o primeiro), em desenhos animados e até no manual de instruções do jogo SimCity para Super Nintendo.
  • Os heróis saem de sua vida normal na cidade grande e vão parar em um reino paralelo, governado por cogumelos (que são um tipo de fungo) sencientes.
  • A princesa desse reino é sequestrada por um vilão, o rei dos koopas, que quer ampliar seus domínios. As tentativas de Koopa se casar com a princesa só começaram a ser exploradas mais tarde.
  • O mundo também é habitado por dinossauros que não falam, têm uma aparência mais “tradicional” e são capazes de entender os seres humanos.
  • Daisy é uma princesa.
  • Apesar de não ser explícito em nenhum jogo, há pequenas dicas e é amplamente aceito que Daisy e Luigi são um casal, enquanto Peach e Mario são outro.

Então, está estabelecido que existe um mundo paralelo, no qual é possível chegar através do Brooklyn, que é habitado por dinossauros e fungos (dentre outras espécies). E que a Princesa Daisy e Luigi gostam um do outro. Já temos uma base aí. Uma base que fica estremecida quando enumeramos outras coisas:

  • A princesa do filme é obviamente baseada na Peach (do Reino dos Cogumelos) e não na Daisy (de Sarasaland). Imagino que os produtores queriam um par romântico jovem e bonito e ao mesmo tempo optaram por não juntar Luigi e Peach, até mesmo pensando na reação dos fãs.
  • Mario tem uma namorada chamada Daniella que nunca havia aparecido antes e nunca apareceu depois em lugar nenhum.
  • Os simpáticos cogumelos shiitake chamados goombas são retratados nos filmes como seres monstruosos, com uma cabeça minúscula (apesar de o filme se esforçar para explicar o motivo dessa aparência).

Entre erros e acertos, podemos afirmar que existe um universo reconhecível por trás de tudo isso. Uma tentativa de construir uma mitologia e um universo menos infantis, obviamente adaptados, mas inspirados em informações e fatos conhecidos.

Mas se até ideias ótimas podem sofrer com execuções terríveis, imagine o que acontece quando ideias diferentes e contraditórias precisam coexistir em uma única obra! O filme já começa mostrando como foi mexido e remexido, já que nos apresenta uma breve animação, esteticamente incompatível e com uma linguagem mais infantil que o resto da obra, que só foi planejada após exibições de teste identificarem que sua história era “difícil de entender”. Acredito que os produtores quisessem algo como as esquetes com atores reais que passavam antes da série de desenhos animados: personagens meio bobocas, caricatos, cenários com cores vibrantes e uma claque de risadas pra marcar a hora que a criançada deveria achar graça.

Ao contrário disso, o que vemos é um mundo decadente, sem recursos, sem comida e sob o comando de um ditador. É um lugar desbotado, uma mistura da Los Angeles de Blade Runner (com seus prédios imensos e super população) com o pós-apocalipse de Mad Max (um grande deserto sem água para todos). O filme vai se tornando mais escuro à medida que a história sai do Brooklyn, passa pelos esgotos (olha aí outro tema comum aos jogos da época!) e chega aos domínios de Koopa.

Com exceção de algumas esparsas referências, não há intenção de figurino, cenografia, maquiagem ou design de som em recriar os mundos já vistos nos videogames. Não existem florestas, castelos ou mundos aquáticos. Nem tartarugas fora das cascas ou voando nas nuvens. Muito menos flores e estrelas que dão superpoderes. Os icônicos macacões vermelho e verde só vão aparecer no terço final.

Ao contrário, temos um herói de meia idade, que luta para manter as contas em dia, se esforça para ser “pai e mãe” de seu irmão mais novo e tem como principal arma as suas habilidades de encanador. Um vilão chamado de fascista por seus próprios lacaios (há até um “Heil Koopa” acompanhado da infame e repugnante saudação), que se vale da precariedade de seu mundo para justificar sua busca por poder e que faz insinuações sexuais pesadas para a mocinha. E um visual mais sóbrio, mais próximo do mundo real, condizente com um filme feito com atores de carne e osso em uma época onde a computação gráfica não era tão acessível.

O filme termina deixando um gancho para uma continuação que jamais vamos assistir (a menos que a animação prevista para 2022 parta daí, o que parece bastante improvável). Alguns anos antes do filme, em 1988, o jogo Super Mario Bros. 2 teve uma ambientação completamente diferente do que era conhecido e não foi bem recebido pelo público da época, mas muito do que foi introduzido ali acabou incorporado a jogos posteriores. Quem sabe, numa dimensão paralela, não estejam sendo lançados jogos em que Mario usa uma chave inglesa e um desentupidor para lutar contra a opressão do proletariado?

PS.: o filme tem uma ótima cena pós-créditos.

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