Tô titi

Andre L. Souza, Ph.D
3 min readSep 7, 2017

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Um dos meus filmes/musicais favoritos é "A Noviça Rebelde". Tem uma cena no filme que eu gosto muito: é quando começa a chover e as crianças, filhos do Capitão von Trapp, correm para o quarto da recém chegada governanta (Maria) pois estão com medo da chuva e dos trovões. Maria então ensina para as crianças (cantando, é claro) que quando ela está triste, ela lembra das coisas que ela mais gosta e tudo fica bem de novo. E isso funciona com as crianças.

A verdade é que ninguém gosta de ficar triste. Toda vez que nos sentimos tristes, é normal tentar fazer algo pra acabar com a tristeza. A gente sai, tenta se distrair, come pizza ou se entope de doce e chocolate. Se pensarmos em todas as emoções que conseguimos sentir na vida, a tristeza é certamente uma daquelas que queremos evitar o tempo todo. E se para evitar precisamos comer chocolate e paçoca, que assim seja.

No entanto, tristeza não é tão ruim assim. Eu costumo dizer que ficar triste é igual ter febre. Ninguém gosta de ter. Quando temos, tomamos remédios pra diminuir, tomamos banho frio, etc. Mas no fundo, há alguns benefícios em ter febre. A febre nada mais é que uma resposta do seu organismo indicando que seu corpo está lutando contra alguma infecção que não deveria estar ali. Ter febre é seu corpo te dizendo: "Chill out! I got this" [Pun Intended]. É interessante notar que sempre achamos que a febre é uma "doença" em si. Pais de crianças pequenas, principalmente, querem logo diminuir a febre dos seus filhos ao menor sinal de que ela está presente. Em contrapartida, alguns estudos sugerem que crianças que têm febre durante o primeiro ano de vida, por exemplo, têm uma probabilidade menor de adquirir certas alergias quando ficam mais velhas. Resumindo: por mais que pareça ruim, ter febre é um bom sinal.

A mesma coisa acontece com a tristeza. Ficar triste é uma forma do seu sistema cognitivo dizer: "Ei, tem algo errado aqui". E é por isso que quando estamos tristes, até mesmo a nossa percepção das coisas mudam. Geralmente ficamos mais atentos aos detalhes (é o seu cérebro dizendo: "tem alguma coisa errada aqui. Vamos começar a prestar mais atenção pra ver se a gente acha o que é"), ficamos mais motivados e até mesmo a nossa memória fica melhor. O benefício da tristeza é bem retratado no filme Divertidamente. A felicidade tenta afastar a tristeza de tudo e isso funciona bem para a Riley quando ela ainda é uma criança. Mas quando ela fica maior, o papel da tristeza acaba sendo fundamental na vida dela: ela só consegue entender, de fato, as suas limitações quando a tristeza bate.

Mas assim como a febre, a tristeza é apenas um sinal de que seu corpo reconheceu que algo está errado. Isso não quer dizer que (1) tristeza é a única maneira de saber se tem algo de errado e (2) que não devemos dar a atenção necessária à tristeza quando ela aparece. Se uma criança está com 42 graus de febre a mais de 30 dias, você deve interpretar isso como: "Oh shit! O corpo dela está lutando contra alguma coisa mas parece que não está resolvendo muito" e não apenas sentar lá e ficar feliz que o corpo dela está lutando contra algo. A mesma coisa ocorre com a tristeza: ela precisa da atenção devida. Não subestime o papel dela na vida de uma pessoa. Se ela te mostra que tem algo errado, corra atrás desse algo errado e tente resolver.

A tristeza quando ignorada ou exagerada pode se desenvolver em um quadro clínico mais complexo chegando até mesmo a causar depressão, isolamento social e afetivo e outras desordens do tipo. Sem contar que, como a tristeza muda a sua percepção das coisas, é possível que a pessoa que esteja triste comece a perceber as coisas de maneira muito negativa e tirá-la desse ciclo pode ser difícil, senão impossível.

Assim como a febre, a tristeza deve ser encarada como um sinal de que algo está errado e, ao invés de tentar eliminá-la sem resolver o que a causou, busque entender o que ela está sinalizando e faça algo a respeito. "Curar" a tristeza sem dar atenção devida ao que ela está sinalizando vai apenas mascarar um problema maior que pode se manifestar de maneira mais complexa no futuro.

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